segunda-feira, 17 de junho de 2024

Não há futuro eleitoral para a direita se não for ligado aos evangélicos, Pondé, FSP

 Qual será o perfil, em escala, da resistência ao PT no futuro próximo? Haverá resistência ao PT, consistente em viabilidade eleitoral, que não seja de base evangélica? Temo que não. Por que?


Evidente que há evangélicos de esquerda, principalmente nos estratos mais letrados da referida comunidade. Exagerando, dá quase para dizer que no mercado religioso evangélico —incluindo os protestantes históricos—, ser de esquerda, em sendo evangélico, é quase um nicho de Jesus de luxo.

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual com tinta nanquim e pincel em traços tortuosos, com formas e acabamento em rachuras, sobre papel branco. Depois, foi escaneada e colonizada digitalmente, sobre fundo papel craft antigo.  Na horizontal, proporção 17,5cm x 9,5cm, a ilustração apresenta, ao centro, dois personagens frente a frente, em pé, estilizados, não necessariamente, humanos. O da esquerda, tem a cabeça cabeça em tom alaranjado, com barba, chifres e cabelos longos, corpo em cor lilás, sem camisa, na cintura - um tecido enrolado verde e, nas mãos, um foice. Ele está com uma das mãos, como se estivesse dando um soco, dentro de um buraco na barriga do personagem a sua frente, seus pés são de um animal. O personagem à direita, tem duas cabeças vermelhas, uma delas com uma grande língua saindo da boca. Essas cabeças cabelos compridos longos  que estão esticados por uma mão e braço, saindo, acima da ilustração. Esse personagem segura uma arpa, está de peito nu e tem uma asa grande azul nas costas, com um tecido laranja enrolado na cintura. Nas laterais da ilustração, há dois elementos circulares: à esquerda, uma cobra verde enrolada com uma cabeça estilizada humana de perfil. À direita, há um grande olho aberto humano, com a íris vermelha, dentro de um alo circular. Na base da ilustração, há um chão em ranhuras e horizonte de pequenas montanhas com vegetação,
Ricardo Cammarota - Ricardo Cammarota

Recentemente, uma charge nesta Folha mostrava algo assim: "bolsonarismo + garfo e faca = Eduardo Leite. A ideia de que artistas, agentes culturais, jornalistas, intelectuais estejam a fim de "debater" é tão falsa quanto a Terra ser redonda.

Coloco "debater" entre aspas porque, para mim, a palavra descreve algo tão irreal quanto um pônei azul. Quando alguém fala "vamos debater" você está diante de um mentiroso contumaz, principalmente se for egresso das classes mais letradas.

Não há futuro eleitoral próximo para direita conservadora no Brasil se não for de alguma forma ligada ao movimento evangélico. A direita hoje tem em suas mãos grande parte das pautas que preocupam as pessoas comuns, aquelas mesmas que a esquerda odeia e acha conservadoras e burras.

No entendimento deles, a Justiça brasileira dá muita folga para bandido, só eles têm direitos. O governo e os bonitinhos querem fazer dos filhos deles gente LGBTQIA+ —evidente que eles não conhecem esse alfabeto, usam termos do senso comum.

O PT e o PSOL querem destruir a família clássica e obrigá-los a aceitar os modelos de convivência que eles acham corretos. E querem pôr os professores contra os pais.

O povo quer segurança pública imediata. Que a polícia prenda o bandido que quer estuprar sua filha indo para a escola. Todas essas pautas são as pautas majoritárias do segmento evangélico.

A esquerda, por ser elite, sempre foi alienada da vida real, com raríssimas exceções na história. A prova cabal recente é o governo Lula dizer que o Congresso é contra o povo porque é conservador.

Falta ao nosso brilhante líder entender que o povo elegeu esse congresso porque é conservador. Lula só ganhou a eleição em 2022 porque parte da direita ficou de saco cheio da estupidez bolsonarista e da canalhice do seu líder na pandemia. Hoje, Lula não levava.

Fosse a inteligência pública mais inteligente e menos enviesada, veria, por exemplo, que no caso da recente eleição europeia, é evidente o crescimento de um sentimento de insegurança nas cidades por parte da população associado ao crescimento da imigração do norte da África e do Oriente Médio. Medo e preconceito em relação aos mulçumanos cresce, pouco adianta falarmos em xenofobia.


Os mortais vivem longe do que os inteligentes pensam que seja a realidade social e política. O componente religioso é essencial na vida da maioria das pessoas, ao contrário do que pensa nossa vã filosofia que despreza os idiotas da fé.

Só que esses mortais não dão entrevistas, não criam ONGs ambientais e de diversidade, não trabalham com audiovisual —aliás, vale dizer que uma das turmas mais alienadas da realidade é a moçada do audiovisual que vive numa bolha de cabelo azul. Produzem para seus próprios umbigos.

O pânico em relação ao crescimento dos evangélicos, e as tentativas desesperadas de aproximar o PT dessa população, revela a fundamentação da hipótese aqui apontada. O Brasil será evangélico, e a menos que ocorra um transtorno significativo no perfil dessa população, o Brasil tenderá à direita cada vez mais.

Por último, mas não menos importante, essa hipótese não é só difícil de engolir para a esquerda. A direita liberal "que come de garfo e faca" tem horror à fé evangélica e à sua visão, tomada como retrógrada, com relação a pauta de costumes.

A simples ideia de que o "Brasil será para Cristo" lhes tira o sono. Mas difícil imaginar que a direita vença grandes eleições no Brasil sem esse povo da fé de que os inteligentes têm nojinho, mas não confessam. Só tiram sarro, na calada da noite.

Hélio Schwartsman Depois da revolução, FSP

 "Morning After the Revolution", de Nellie Bowles, é um livro feito para provocar —e consegue fazer isso.

Antes de continuar, um pouco de contexto. Bowles é uma jornalista que até pouco tempo atrás abraçava de corpo e alma os consensos da esquerda identitária. Apoiava todas as causas gays, feministas e antirracistas e participou de um cancelamento. Bowles, perseguindo um sonho de infância, se tornou repórter do The New York Times. Mas aí veio o amor. Ela se apaixonou por Bari Weiss, que era a colunista de direita do NYT. Bowles, hoje casada com Weiss e já fora do jornal, se tornou crítica de muitas das ideias que antes defendia. Para os que simpatizam com a autora, ela despertou do sonho dogmático; para seus críticos, é uma traidora que produziu uma obra equivocada e desbalanceada.

A ilustração de Annette Schwartsman, publicada na Folha de São Paulo no dia 16 de junho de 2024, mostra, sobre um fundo vinho, uma figura feminina 'picassiana' pintada como um quadro cubista, representando a jornalista e escritora Nellie Bowles.
Annette Schwartsman

"Morning After..." são relatos, muitas vezes em primeira pessoa, de momentos em que a ortodoxia identitária se torna algo delirante, como as campanhas para acabar com a polícia que vieram na esteira do Black Lives Matter. Em algumas cidades, com o apoio de prefeitos de esquerda, foram criadas áreas onde a polícia não entrava. Desnecessário dizer que esses bolsões não se tornaram utopias anarquistas. Há passagens muito engraçadas como uma em que Bowles descreve um seminário para ensinar brancos a odiar a própria branquitude.

É claro que, ao procurar pelos exageros do movimento, a autora acaba destacando situações extremas, dando razão a quem aponta a obra como desbalanceada. É uma consequência do formato escolhido. Acho também que Bowles, sem ter se convertido numa reacionária (ela ainda se vê como uma feminista pró-gay e antirracista), comete erros de avaliação, como quando atribui os problemas de San Francisco com os dependentes de opioides a excessos de liberalismo em sua política de drogas.

Mas, pelo menos para quem mantém um certo espírito iconoclasta, o livro é garantia de boas risadas.