"Morning After the Revolution", de Nellie Bowles, é um livro feito para provocar —e consegue fazer isso.
Antes de continuar, um pouco de contexto. Bowles é uma jornalista que até pouco tempo atrás abraçava de corpo e alma os consensos da esquerda identitária. Apoiava todas as causas gays, feministas e antirracistas e participou de um cancelamento. Bowles, perseguindo um sonho de infância, se tornou repórter do The New York Times. Mas aí veio o amor. Ela se apaixonou por Bari Weiss, que era a colunista de direita do NYT. Bowles, hoje casada com Weiss e já fora do jornal, se tornou crítica de muitas das ideias que antes defendia. Para os que simpatizam com a autora, ela despertou do sonho dogmático; para seus críticos, é uma traidora que produziu uma obra equivocada e desbalanceada.
"Morning After..." são relatos, muitas vezes em primeira pessoa, de momentos em que a ortodoxia identitária se torna algo delirante, como as campanhas para acabar com a polícia que vieram na esteira do Black Lives Matter. Em algumas cidades, com o apoio de prefeitos de esquerda, foram criadas áreas onde a polícia não entrava. Desnecessário dizer que esses bolsões não se tornaram utopias anarquistas. Há passagens muito engraçadas como uma em que Bowles descreve um seminário para ensinar brancos a odiar a própria branquitude.
É claro que, ao procurar pelos exageros do movimento, a autora acaba destacando situações extremas, dando razão a quem aponta a obra como desbalanceada. É uma consequência do formato escolhido. Acho também que Bowles, sem ter se convertido numa reacionária (ela ainda se vê como uma feminista pró-gay e antirracista), comete erros de avaliação, como quando atribui os problemas de San Francisco com os dependentes de opioides a excessos de liberalismo em sua política de drogas.
Mas, pelo menos para quem mantém um certo espírito iconoclasta, o livro é garantia de boas risadas.
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