"Vou te contar como o Boulos vai perder a eleição", me disse um interlocutor evangélico na semana passada. "Vão circular vídeos do bloco de crianças trans na Parada do Orgulho LGBT deste ano e mostrarão o Boulos participando da Parada."
A combinação dessas informações atormentará a consciência do cristão e minará a intenção daqueles que consideram votar no pré-candidato do PSOL a prefeito de São Paulo. "A fórmula é esta: falar sobre criança e sexualidade", o mesmo interlocutor explica. "Não me orgulho disso como evangélico, mas funciona."
A pré-campanha de Guilherme Boulos tem dado atenção sem precedentes a eleitores evangélicos. A estratégia é evitar o debate das pautas morais para ele não se desgastar com eleitores conservadores no campo moral nem com progressistas de sua base de apoio.
Orientado por evangélicos de esquerda, Boulos tem se encontrado com pastores e visitado igrejas pequenas que, diferentemente das maiores e mais famosas, não consolidaram vínculos com a direita. Boulos se apresenta como bom marido, bom pai e como alguém que reconhece a importância social das igrejas evangélicas nas periferias.
Mas em que medida é possível evitar as pautas morais? Se o político e seu partido têm histórias associadas à defesa de valores progressistas e isso está amplamente documentado na internet, tentar não tocar no assunto soa como a estratégia do avestruz de esconder a cabeça no chão para fazer o problema desaparecer. É ilusão.
Evangélicos bolsonaristas repetem incessantemente que a pessoa deve escolher entre ser cristão e ser de esquerda. Eles mentem ao falar isso.
A mistura do aspecto carismático da religião com a responsabilidade ética —presente abundantemente nos Evangelhos— leva a defesa da justiça social para um plano transcendente; a causa se torna missão divina. Pense em Antônio Conselheiro e seu exército de "lascados" resistindo a quatro incursões das forças públicas.
Mas partidos de esquerda, conforme existem hoje, são incapazes de atrair (que dirá cultivar) essa força. O ethos universitário que alimenta a esquerda professa o secularismo e o identitarismo como crenças. Por isso, tratam seus núcleos evangélicos como pets: existem para desfilar a cada período eleitoral; do contrário, ficam em casa.
Talvez por isso o futuro da esquerda evangélica parece emergir em um partido que não é de esquerda, o PSDB, e fora do Sudeste. A vereadora Aava Santiago, de Goiânia, é quem faz hoje a melhor síntese entre defesa de causas sociais, repertório bíblico e o falar carismático e eloquente do pentecostalismo raiz.
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