Fernando Haddad teve uma conversa inglória com administradores de dinheiro grosso na sexta-feira, como se sabe. Os vazamentos do que teria dito o ministro da Fazenda provocaram pânico extra nos mercados financeiros.
Versões do que Haddad falou foram parar em grupos de WhatsApp, reconhecido centro de exibicionismo e de difusão de mentira, burrice e fofoca.
Gente de "o mercado" que estava na reunião quis aparecer ("olha, sou ‘insider’") ou foi pautada por sócios e patrões para passar qualquer informação materialmente relevante. Outros fizeram fofoca com desleixo incompetente ou picareta.
Tanto faz.
Mesmo que Haddad ou o ministro da Fazenda "x" tome todos os cuidados com o que diz, não tem controle estrito sobre o que dá a entender, óbvio. O ministro, porém, parece não compreender o alcance do que fala mesmo em público, que dirá em reunião com financistas ou bucaneiros. Além do mais, dá a impressão de acreditar que os donos do dinheiro deveriam trocar cálculos de risco e retorno pela admiração dos esforços e das realizações dele, de Haddad. Agiu assim na Câmara, no dia do "fantasminha". Mas nem é essa a questão de fundo.
Especula-se sobre o que Haddad diz porque se acredita que o ministro não terá a palavra final nem mesmo sobre o seu programa ameno de contenção de déficit e dívida (arcabouço fiscal). Muito menos deve ter poder de decisão sobre correções mais duras de rota, caso o ajuste faça água.
Tanto faz se essa interpretação é verdade —e em parte é. É a crença na praça. De concreto, tal opinião se traduz em juros e dólar mais salgados. De abstrato, há boatos e mitos: o governo largaria as metas até 2026; Haddad vai pedir o chapéu; está cansado; foi sabotado pelos colegas de ministério; derrubaram seu plano mais profundo de contenção de despesa (INSS, saúde, educação etc.).
Lula tem perdido crédito. Acredita-se cada vez menos que vá conter o aumento da dívida pública; teme-se que vá intervir no Banco Central. Grosso modo, é simples assim.
A taxa de juros média que incide sobre a dívida (taxa real implícita) está nos piores níveis em 18 anos (desde quando há dados disponíveis), perdendo apenas para poucos meses de 2008 e 2009 e para 2017. Isso é efeito da Selic pavorosamente alta, mas também de taxas de juros de longo prazo elevadas (e subindo) por causa do descrédito do governo. Se continuar assim, vai dar besteira.
Na sexta, os mercados daqui já viviam tumulto além da conta por causa dos EUA. Com a pimenta das fofocas sobre Haddad, algumas taxas subiram meio ponto percentual, brutal. Mas, repita-se, coisa parecida havia acontecido no "fantasminha day".
Qualquer indício de que pode haver mais relaxamento de meta causa estouros de boiada. Quando o ministro critica a incompreensão, a ingratidão ou a conspiração dos donos do dinheiro, dá a impressão de que ficou sem bala, que não sabe ou não tem mais o que fazer a não ser reclamar. Parece confirmar o boato de que perdeu poder em um governo que não está disposto a conter dívida e déficit, entre outros sinais de que pode fazer coisas doidivanas.
"Melhorar a comunicação" e adotar protocolos estritos de discurso podem até ajudar um tico. Fica mais difícil por causa do fato de o ministro estar sob ataque da elite irritada com impostos. Que tenha de arrumar dinheiro desesperadamente, aos trancos e barrancos, causa imenso desgaste político. Para piorar, teve o azar de ver o caldo engrossar nos EUA. O desastre gaúcho. A direita que põe a faca no pescoço de Lula 3 no Congresso.
O problema de fundo, porém, é que as declarações de Haddad valem tanto quanto pesa o crédito do governo Lula. Qualquer sinal que confirme o imaginado descompromisso de Lula 3 com as contas públicas vai entornar o caldo.