domingo, 9 de junho de 2024

Haddad vale quanto pesa o crédito de Lula, FSP

 

SÃO PAULO

Fernando Haddad teve uma conversa inglória com administradores de dinheiro grosso na sexta-feira, como se sabe. Os vazamentos do que teria dito o ministro da Fazenda provocaram pânico extra nos mercados financeiros.

Versões do que Haddad falou foram parar em grupos de WhatsApp, reconhecido centro de exibicionismo e de difusão de mentira, burrice e fofoca.

Gente de "o mercado" que estava na reunião quis aparecer ("olha, sou ‘insider’") ou foi pautada por sócios e patrões para passar qualquer informação materialmente relevante. Outros fizeram fofoca com desleixo incompetente ou picareta.

Rosto de homem de cabelos lisos ficando grisalhos é visto atrás de  púlpito com microfone. Ele está de gravata vermelha e paletó azul e gesticula com a mão esquerda
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad - Adriano Machado - 28.dez.2023/Reuters

Tanto faz.

Mesmo que Haddad ou o ministro da Fazenda "x" tome todos os cuidados com o que diz, não tem controle estrito sobre o que dá a entender, óbvio. O ministro, porém, parece não compreender o alcance do que fala mesmo em público, que dirá em reunião com financistas ou bucaneiros. Além do mais, dá a impressão de acreditar que os donos do dinheiro deveriam trocar cálculos de risco e retorno pela admiração dos esforços e das realizações dele, de Haddad. Agiu assim na Câmara, no dia do "fantasminha". Mas nem é essa a questão de fundo.

Especula-se sobre o que Haddad diz porque se acredita que o ministro não terá a palavra final nem mesmo sobre o seu programa ameno de contenção de déficit e dívida (arcabouço fiscal). Muito menos deve ter poder de decisão sobre correções mais duras de rota, caso o ajuste faça água.

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Tanto faz se essa interpretação é verdade —e em parte é. É a crença na praça. De concreto, tal opinião se traduz em juros e dólar mais salgados. De abstrato, há boatos e mitos: o governo largaria as metas até 2026; Haddad vai pedir o chapéu; está cansado; foi sabotado pelos colegas de ministério; derrubaram seu plano mais profundo de contenção de despesa (INSS, saúde, educação etc.).

Lula tem perdido crédito. Acredita-se cada vez menos que vá conter o aumento da dívida pública; teme-se que vá intervir no Banco Central. Grosso modo, é simples assim.

A taxa de juros média que incide sobre a dívida (taxa real implícita) está nos piores níveis em 18 anos (desde quando há dados disponíveis), perdendo apenas para poucos meses de 2008 e 2009 e para 2017. Isso é efeito da Selic pavorosamente alta, mas também de taxas de juros de longo prazo elevadas (e subindo) por causa do descrédito do governo. Se continuar assim, vai dar besteira.

Na sexta, os mercados daqui já viviam tumulto além da conta por causa dos EUA. Com a pimenta das fofocas sobre Haddad, algumas taxas subiram meio ponto percentual, brutal. Mas, repita-se, coisa parecida havia acontecido no "fantasminha day".

Qualquer indício de que pode haver mais relaxamento de meta causa estouros de boiada. Quando o ministro critica a incompreensão, a ingratidão ou a conspiração dos donos do dinheiro, dá a impressão de que ficou sem bala, que não sabe ou não tem mais o que fazer a não ser reclamar. Parece confirmar o boato de que perdeu poder em um governo que não está disposto a conter dívida e déficit, entre outros sinais de que pode fazer coisas doidivanas.

"Melhorar a comunicação" e adotar protocolos estritos de discurso podem até ajudar um tico. Fica mais difícil por causa do fato de o ministro estar sob ataque da elite irritada com impostos. Que tenha de arrumar dinheiro desesperadamente, aos trancos e barrancos, causa imenso desgaste político. Para piorar, teve o azar de ver o caldo engrossar nos EUA. O desastre gaúcho. A direita que põe a faca no pescoço de Lula 3 no Congresso.

O problema de fundo, porém, é que as declarações de Haddad valem tanto quanto pesa o crédito do governo Lula. Qualquer sinal que confirme o imaginado descompromisso de Lula 3 com as contas públicas vai entornar o caldo.


Ministros do STF viajam na primeira classe e respondem com soberba, Elio Gaspari FSP

 Uma minoria (apertada) dos ministros do Supremo Tribunal Federal está esticando a corda. Uns produzem decisões escalafobéticas e metem-se em situações bregas. Essa minoria associa-se a farofas no circuito Elizabeth Arden.

Dois homens brancos de cabelos grisalhos vestidos de togas pretas. Os dois estão de pé e um deles, Barroso, sorri. Ao fundo, uma bandeira do Brasil
O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Luis Roberto Barroso, ao lado do ministro Dias Toffoli durante cerimônia de posse na corte - Evaristo Sa - 28.set.2023 /AFP


Num serviço público que restringe o acesso ao luxo em viagens aéreas, os doutores viajam na primeira classe e os seus seguranças e assessores, na executiva. Cobrados, respondem com a soberba dos antigos coronéis do sertão.

Essa história vai acabar mal, levando na bacia a criança de uma instituição austera, respeitada e centenária.

DIA D

Passou o 80º aniversário do Dia D, a maior operação militar da história. Cerca de três milhões de soldados aliados desceriam na Normandia e menos de um ano depois a Segunda Guerra estava terminada na Europa. Desse dia ficou uma lição para militares de todos os tempos.

O desembarque foi comandado pelos generais americanos Dwight Eisenhower e Omar Bradley. Um tinha 53 anos, pressão alta e zumbia-lhe o ouvido. O outro, de 51 anos, estava com o nariz inchado.
Eisenhower tinha no bolso uma nota manuscrita que dizia:

- Nosso desembarque na área de Cherbourg-Havre para fixar uma cabeça de ponte falhou e eu recolhi as tropas. Minha decisão de atacar agora e nesse lugar baseou-se na melhor informação disponível. (...) Se houve algum erro na tentativa foi só meu.

O papel não saiu do seu bolso, porque o desembarque foi bem-sucedido, por conta da bravura dos soldados e, quem sabe, graças às seis moedas de nações aliadas que carregava num saquinho desde 1942.

Fala-se muito na eficiência dos blindados alemães, mas no Dia D a tropa nazista se surpreendeu ao ver que os aliados não desembarcaram cavalos. Em 1942 o exército alemão dependia de 150 mil cavalos.

A fila do INSS é uma vergonha, Elio Gaspari, FSP

 No dia de sua posse, em 2023, Lula prometeu:

- Estejam certos de que vamos acabar, mais uma vez, com a vergonhosa fila do INSS.

Semanas depois, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, anunciou que mutirões reduziriam as filas de 930 mil pessoas e, "até o final do ano", a análise das requisições seria feita em até 45 dias.

A imagem mostra Lula e Lupi da cintura para cima, sentados lado a lado. Os dois são brancos e vestem terno cinza, gravata e camisa branca. Lula, um homem de brarba e cabelo branco, está olhando para o lado, em direção Lupi, que cobre o rosto com a mão direita
O presidente Lula (PT) ao lado do ministro Carlos Lupi (Previdência) durante cerimônia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 04.mar.2024/ Folhapress

Em maio a fila havia crescido para 1,05 milhão, e Lupi tocou o velho realejo, pedindo mais verbas. Em agosto veio uma boa notícia, haviam sido retiradas 223 mil pessoas da fila. Era apenas uma manipulação estatística, pois em outubro ela tinha 1,6 milhão de vítimas.

2023 terminou, e as promessas de Lula e Lupi revelaram-se pura parolagem.

Agora os repórteres Geralda Doca e Dimitrius Dantas revelaram o que acontecia por trás da filaNão havia falta de recursos. De janeiro de 2023 a abril passado, os sistemas de atendimento do Ministério da Previdência pifaram 164 vezes, com apagões que somaram 13 dias e 13 horas. O sistema que opera pedidos de licenças de maternidade somou dias fora do ar.

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Promessas de mutirões e reforços nas verbas são inúteis se a máquina convive com apagões dos sistemas. Afinal, quando se compram equipamentos eletrônicos e montam-se redes de atendimento, os maganos se apresentam como representantes da modernidade.

Por trás desses negócios estão sempre dois interesses, o do vendedor da máquina e a necessidade da manutenção. O segundo negócio muitas vezes é melhor que o primeiro e pode ser passado à empresa de um cunhado.

A administração pública nacional está infestada por modernos sistemas que não falam uns com os outros e, invariavelmente, estão fora do ar quando a vítima vai a ele.

O culto da tecnologia a serviço da empulhação dá nisso, há tempo, pelo mundo afora.

Em 1969 aconteceu um choque de tropas russas com chinesas numa zona remota da fronteira dos dois países. O primeiro-ministro soviético Alexei Kosygin queria baixar a tensão e pegou o telefone vermelho para falar com o premier Zhou Enlai. Era a tecnologia a serviço da diplomacia.

A telefonista chinesa não passou a ligação. Ele teve que ligar para a embaixada soviética em Pequim, pedindo que passasse o recado.