quarta-feira, 5 de junho de 2024

Carro brasileiro a etanol serve de modelo para descarbonização na Índia, FSP

 Eduardo Sodré

SÃO PAULO

O conhecimento brasileiro sobre o etanol começa a ser exportado para a Índia. Um programa dedicado ao combustível renovável faz parte da estratégia de descarbonização do país asiático, que possui plantações de cana-de-açúcar.

A estratégia é semelhante à adotada no Brasil no fim dos anos 1970, com o Proálcool. O programa brasileiro foi uma resposta local à primeira grande crise do petróleo, em 1973.

A índia também deseja reduzir a dependência econômica dos combustíveis fósseis, mas as iniciativas em favor do etanol fazem parte de um plano que prevê o lançamento de carros flex.

Engarrafamento em Nova Déli, capital da Índia - Roberto Schmidt/AFP

Em março, o país asiático iniciou a comercialização do E100 (igual ao etanol encontrado no Brasil) em alguns postos, além de confirmar a adição de 20% deste combustível à gasolina entre 2025 e 2026.

Montadoras instaladas aqui também atuam naquele mercado. Uma delas é a Toyota, que, em 2022, enviou para a Índia duas unidades do sedã médio Corolla com tecnologia híbrida flex (que concilia gasolina, etanol e eletricidade).

Enquanto os carros vão, os interessados vêm. "O Brasil é hoje o primeiro produtor mundial de cana-de-açúcar, a Índia é o segundo e a Indonésia é o terceiro. Temos também a Tailândia nesse grupo. A partir do ano passado, nós começamos a receber visitas —e quando digo ‘nós’, me refiro ao Brasil— de autoridades indianas interessadas no etanol", diz Evandro Maggio, presidente da Toyota do Brasil.

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"Eles vieram visitar as plantações de cana-de-açúcar e as usinas de etanol para saber como o processo é feito. Falaram também com as autoridades brasileiras e entraram em contato conosco aqui na Toyota."

No ano passado, a empresa revelou um protótipo do SUV Inova Hycross capaz de rodar com o combustível derivado da cana. É um modelo luxuoso, cujas versões híbridas custam o equivalente a R$ 180 mil no mercado indiano.

Trata-se, contudo, de um carro caro para os padrões daquele país, onde um Renault Kwid parte de R$ 30 mil. Assim sendo, será preciso lançar carros flex ou 100% a etanol de apelo popular. Novamente, o Brasil é o país mais indicado para fornecer essa tecnologia, já que domina a produção de motores 1.0 flex.

A Volkswagen é outra empresa que aposta na expansão para outros mercados dos veículos que podem ser abastecidos com etanol. Em 2021, a montadora alemã anunciou a criação de um centro global para desenvolvimento de tecnologias biocombustíveis no Brasil.

A iniciativa faz parte de um ciclo de investimentos que soma R$ 16 bilhões. Os principais produtos serão modelos híbridos flex, apontados como tendência para o mercado nacional nos próximos anos.

Assim como ocorre no Brasil, as montadoras instaladas na Índia não devem investir alto nos carros 100% elétricos. Por ser renovável e praticamente neutro em carbono, o etanol será a principal alternativa "verde" para os automóveis naquele país, embora emita alguns poluentes na queima.

A Bíblia tem até pileque nudista e massacre de ursas; vale a leitura fundamentalista?, Anna Virginia Balloussier, FSP

 Poucas leituras são tão animadas quanto a da Bíblia, e eu posso provar.

Não precisa ser nenhum devoto do cristianismo para se fascinar com passagens como a de Gênesis que narra como Noé tomou um porre de vinho e ficou peladão na tenda. Seu caçula, Cam, flagrou o pileque nudista e contou aos irmãos. E aí Noé foi lá e amaldiçoou um neto que não tinha nada a ver com isso, Canaã, filho do X9.

O Antigo Testamento é farto em histórias que soam insólitas a quem teve pouco ou nenhum contato com a Bíblia. Gosto desta: o profeta Eliseu, enfurecido por ser chamado de careca, solta uma maldição em nome de Deus contra uns rapazes. "Então duas ursas saíram do bosque e despedaçaram 42 daqueles meninos", diz o Livro dos Reis.

Myriams/Pixabay

Já Jesus condenou à danação uma figueira. Estava com fome e viu a árvore sem nenhum figo para contar história. O messias então a amaldiçoa para que nunca mais dê fruto. Tudo acontece pouco antes de o filho de Deus subir nas tamancas contra os vendilhões do templo. Detalhe: não era temporada de figos.

Tem aquela outra em que Jacó veste pele de cabrito para se passar por Esaú, o irmão peludão, diante do pai cego. O Tony Ramos da dupla perde o direito de primogenitura após Jacó enganar o velho —ele veio à luz depois do gêmeo, a quem segurou pelos calcanhares ao sair do ventre. As nações que descendem dos irmãos ficam assim fadadas ao conflito.

Há personagens menos mainstream que rendem cenas memoráveis, como a jumenta que apanha três vezes de Balaão. Deus faz o animal falar só para passar um pito no profeta: a pobre coitada só estava tentando protegê-lo de um anjo com uma espada que tentava impedir o homem de seguir caminho.

Também estão nas Escrituras histórias de casais incestuosos, como os irmãos Abraão e Sara, ou Ló transando com duas filhas (não ao mesmo tempo), após ser embebedado por elas.

Para não dizer que de tédio ninguém morre ali, o Livro de Atos de Apóstolos relata a triste sina do jovem que, apoiado na janela, desaba do terceiro andar ao cair no sono ouvindo "o extenso discurso de Paulo".

A Bíblia fala até sobre cocô. Em Deuteronômio, Moisés orienta seu povo a evacuar longe do acampamento e levar uma pá para enterrar as fezes.

A exegese bíblica pode extrair de cada versículo alegorias e lições.

O que me intriga é o leitor fundamentalista. Ou seja, quem toma ao pé da letra tudo o que vem dali, o que muitas vezes acaba sendo usado para justificar o injustificável, como a intolerância com os LGBTQIA+.

Levítico sugere que morra o homem que deitar com outro, ato dito abominável. O mesmo livro fala sobre não tocar mulheres menstruadas, misturar tecidos diferentes na mesma roupa nem comer animais marinhos que não têm barbatanas ou escamas —adeus, camarão.

Se no princípio é o verbo, a interpretação de texto pode ser o fim da picada.

Hélio Schwartsman - Tem arenque na praia, FSP

 Hélio Schwartsman

SÃO PAULO

Sou contra a mal chamada PEC das Praias, mas o que me impressiona nesse caso é que a polarização está gerando um nível de ruído que compromete a própria discussão.

Opositores da emenda afirmaram que ela levaria à privatização das praias do país. Seria um ótimo argumento contra a medida, se ele fosse verdadeiro, mas não é. A PEC nem trata de praias, mas dos terrenos de marinha, isto é, áreas que ficam acima da linha da areia —mais especificamente, o que fica na faixa das 15 braças craveiras (33 metros) a contar da preamar média de 1831— e já são hoje concedidas a particulares mediante o pagamento de taxas específicas. Pelo atual regime, quem ocupa legalmente um terreno de marinha já pode fazer uso privativo dele e nele construir. Pode também transmiti-lo a terceiros, inclusive herdeiros. Em algumas situações, já pode até comprá-lo e tornar-se proprietário de fato e de direito.

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), relator da PEC que beneficia ocupantes de terrenos de marinha - Pedro Ladeira - 20 fev. 2024/Folhapress - Folhapress

Daí não se segue que a emenda seja inofensiva. Uma preocupação mais realista é que a mudança de estatuto possa enfraquecer a proteção ambiental nesses terrenos e dificultar o acesso de pessoas a algumas praias. Vale observar, porém, que tais efeitos só ocorreriam se outras legislações fossem descumpridas. O problema aí não é tanto a PEC, mas o fato de nem sempre levarmos as leis a sério.

De toda maneira, a PEC extingue imediatamente uma fonte de receita para a União e cala sobre inúmeras questões relevantes, o que, a meu ver, torna temerário aprová-la.

O interessante aqui é constatar que, embora seja a extrema direita que tenha se especializado em distribuir fake news, neste caso específico foi a esquerda que se valeu do artifício. Combinou a falácia do arenque vermelho (introduzir pistas falsas para desviar a atenção da questão central) com a falácia do espantalho (usar uma versão distorcida do argumento do adversário) para produzir a ideia estapafúrdia de que as praias seriam privatizadas.