segunda-feira, 20 de maio de 2024

Sérgio Cabral é interrogado pela 1ª vez fora da prisão em processo da Lava Jato, FSP

 

RIO DE JANEIRO

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral entrou pela primeira vez nesta segunda-feira (20) pela porta da frente da Justiça Federal para um interrogatório dos processos da Operação Lava Jato.

Ele depôs na ação penal em que é acusado de repassar propina ao ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB), já absolvido no caso. Cabral chegou a ser condenado, mas a sentença foi anulada e retornou à primeira instância para novo julgamento.

Cabral foi numa cadeira de rodas por dificuldade na locomoção causada por três hérnias de disco. Ele vai pedir à Justiça a retirada da tornozeleira eletrônica para fazer uma ressonância magnética.

O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral chega, acompanhado dos advogados, de cadeira de roda ao prédio da Justiça Federal para prestar depoimento - José Lucena/Thenews2/Folhapress

O ex-governador pediu novo interrogatório para negar o teor de suas próprias declarações anteriores na ação, em fevereiro de 2020, quando havia fechado a delação com a PF.

Na ocasião, ele confirmou o teor da denúncia, que apontava repasses mensais de R$ 150 mil a Pezão. Nesta segunda, ele afirmou que confessou motivado por "circunstâncias muito constrangedoras".

"É muito constrangimento, uma tortura psicológica, física. Fui levado a oito presídios. Prenderam a minha mulher. Entraram na casa da minha ex-mulher. Foram na casa do meu irmão. Tudo isso está em análise no CNJ [Conselho Nacional de Justiça]", disse Cabral.

Cabral se referiu indiretamente às acusações que faz contra o juiz Marcelo Bretas, afastado da 7ª Vara Federal pelo CNJ sob suspeita de irregularidades na condução dos processos da Lava Jato. A juíza Caroline Figueiredo foi quem realizou o interrogatório.

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"Foi uma avalanche contra minha família, contra mim. A pressão era grande para uma postura que não queria ter. Induzido por um ex-advogado, pela Polícia Federal, fui levado a circunstâncias que não vão entrar na minha biografia. Tenho muito a agradecer ao Supremo."

O ex-governador se referiu à decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), em 2021, de anular a delação premiada assinada com a Polícia Federal, no fim de 2019.

Após afirmar que mentiu em seu interrogatório anterior, Cabral decidiu não responder a perguntas e ficar em silêncio.

Na imagem, Sérgio Cabral, de camisa azul clara e óculos, é escoltado apressadamente por um homem de camisa azul escura, enquanto outro homem e uma mulher em trajes formais os seguem de perto
O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, chega de cadeira de rodas a prédio da Justiça Federal para prestar depoimento - José Lucena/Thenews2/Folhapress

Neste processo, o juiz Marcelo Bretas condenou Cabral a 32 anos, 9 meses e 5 dias de prisão. A sentença foi anulada porque outro réu apontou que o ex-governador já havia assinado a delação com a PF, motivo pelo qual deveria ter sido ouvido antes.

Pezão foi sentenciado a 98 anos e 11 meses de detenção. O TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª Região), porém, decidiu absolvê-lo.

Este é o 30º interrogatório do ex-governador à Justiça Federal. Os anteriores foram realizados quando ele ainda estava preso.

Cabral era levado em veículo da Seap (Secretaria de Administração Penitenciária), entrava pelos fundos da Justiça Federal e aguardava numa sala a hora de falar. O último interrogatório foi prestado por videoconferência, durante a pandemia.

"É completamento diferente [vir em liberdade]. É uma outra situação. Só que agora com dor na coluna", disse ele, à Folha.

No primeiro interrogatórios, o ex-governador negava as acusações. Dois anos depois da prisão, Cabral decidiu confessar seus crimes. Após deixar a cadeia, em dezembro de 2022, voltou a negá-los.

Cabral ficou seis anos preso preventivamente enquanto respondia a 37 ações penais, 35 relacionadas aos desdobramentos da Operação Lava Jato. Ele está em liberdade desde dezembro de 2022, obteve vitórias para anular sentenças, mas permanece com um passivo de 34 processos criminais (32 da Lava Jato).

Ele é acusado de ter cobrado 5% de propina sobre os grandes contratos de sua gestão (2007-2014). As investigações descobriram contas com cerca de R$ 300 milhões no exterior em nome de "laranjas", além de joias e pedras preciosas usadas, segundo o Ministério Público Federal, para lavagem de dinheiro.

As penas, somadas, chegaram a ultrapassar os 400 anos de prisão. Com a anulação de sentenças e mudanças na dosimetria, elas agora atingem 274 anos.

O milagre da prevenção de tragédias, Juliano Spyer, FSP

 No meio do tiroteio ideológico entre direita e esquerda, ouve-se que evangélicos não se importam com a sustentabilidade. Supostamente, até desejariam a confirmação de profecias bíblicas sobre o fim dos tempos. Mas, felizmente, neste caso, as coisas são mais complexas do que parecem.

O sociólogo Renan William dos Santos passou os últimos anos estudando o encontro desses dois temas: preservação da natureza e cristianismo. E afirma que evangélicos brasileiros não são avessos às pautas ambientais; o problema deles é com os ambientalistas.

Evangélicos e ambientalistas disputam qual é a posição do ser humano no planeta. "A ciência nos classifica como mais um animal e a turma da Nova Era nos vê como um elo na cadeia cósmica. Nos dois casos, o homem deixa de ser ‘a coroa da criação’."

Parece uma disputa tola e irresponsável considerando que religiosos, hippies e cientistas desejam a mesma coisa: sobreviver. Mas incorporar o "ambientalismo dos ambientalistas" significa levar a reboque para a igreja valores seculares que o cristianismo rejeita. A questão do aborto, por exemplo.

Renan explica que a Igreja Católica viu, muito antes dos evangélicos, a oportunidade de interpretar a pauta ambiental a partir da religião. Isso melhora a imagem pública da igreja e faz crescer o número de jovens católicos, e estes não se expõem a valores progressistas ao defender a sobrevivência do planeta.

O rio Taquari na altura da cidade de Roca Sales - Pedro Ladeira/Folhapress

Existem evangélicos ambientalistas; Renan os chama de "ecorreligiosos". Mas eles evitam confrontar e expor as hipocrisias de seus líderes em cultos. E assim eles se conformam com a posição de "iluminados incompreendidos". Mas a tragédia no Sul do país abre a oportunidade para eles agirem pragmaticamente.

"Dá para imaginar o destaque positivo que uma denominação teria se, além de prestar medidas assistenciais para a tragédia, implementasse programas coordenados de conscientização e ação ambiental para evitar eventos futuros," propõe Renan. "Pensa o tipo de cobertura midiática que isso teria como contraposição à ideia do ativismo evangélico sempre em disputa com o resto do mundo."

Em 2022, deslizamentos de terra causaram 64 mortes na periferia do Recife. Mas ninguém morreu na comunidade do Retiro, porque estudantes monitoravam as chuvas usando pluviômetros caseiros e alertaram seus vizinhos.

O que aconteceria se apenas 1% das quase 110 mil igrejas evangélicas do país —a maioria em bairros pobres— adotasse essa prática e compartilhasse os resultados pelo aplicativo Dados à Prova D’Água, do Cemaden? O milagre da prevenção de tragédias?


Juliano Spyer - É revolucionário ver igrejas como prestadoras de serviços, FSP (definitivo)

 Pesquisadores do Observatório da Religião do Cebrap anunciaram na semana passada que 65% das instituições religiosas no Brasil com CNPJ são evangélicas. São mais de 104 mil organizações associadas a esse ramo do cristianismo. E o número deve aumentar, porque 1/4 do total ainda não está classificado. Mas faz sentido chamar essas entidades de igrejas?

No recém-lançado "The Divine Economy" (a economia divina), o economista Paul Seabright examina igrejas não como instituições religiosas, mas como prestadoras de serviços. Para ele, religiões podem ser vistas como negócios "cuja atividade principal consiste em reunir vários grupos de pessoas." Igrejas oferecem serviços variados, materiais (como creche, cesta básica) e espirituais. E promovem relacionamentos que não aconteceriam em outros contextos.

Falamos, com frequência, sobre o uso político da religião. Mas a influência de organizações evangélicas é o resultado de sua presença e atuação em outros domínios da vida.

Capa de 'The Divine Economy', de Paul Seabright
Capa de 'The Divine Economy', de Paul Seabright - Reprodução

Já é razoavelmente conhecida a ação de igrejas onde o Estado não está presente. Destaco a relevância, por exemplo, das atividades voltadas para crianças e adolescentes no contraturno escolar para famílias cujos pais trabalham fora. O crime corteja esses jovens.

É menos conhecida a atuação da igreja como escola. Na frente das Assembleias de Deus, a segunda maior organização religiosa do país depois da Igreja Católica, é comum haver uma placa anunciando cursos para alfabetização de adultos. Mas fiéis estão continuamente expostos a outras situações de aprendizado. Eles falam em público quando dão testemunhos; analisam textos quando preparam aulas para a escola dominical; participam da gestão de seus templos.

Igrejas também compõem um ecossistema comunicacional que emerge das redes de relacionamentos que Seabright analisou. Templos da mesma organização já são interligados. E eventos interdenominacionais —de acampamentos de jovens a shows gospel, Marchas para Jesus e Christ Summit— ampliam a capilaridade dessas conexões. As conversas, via redes sociais e grupos de WhatsApp, acontecem a partir de uma linguagem comum: a da Bíblia.

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Na pandemia, o isolamento social amplificou o "soft power" cristão para influenciar quem não é evangélico. Pense no especial do pastor Deive Leonardo na Netflix, nas dicas de investimento do Eduardo Feldberg no canal Primo Pobre e no best-seller "Café com Deus Pai", do pastor Junior Rostirola.

Não são 104 mil igrejas; são 104 mil espaços de convívio que provêm cuidado, facilitam encontros e estimulam, treinam, reúnem e interligam cerca de 70 milhões de brasileiros. É disso que estamos falando.


spyer@uol.com.br