No meio do tiroteio ideológico entre direita e esquerda, ouve-se que evangélicos não se importam com a sustentabilidade. Supostamente, até desejariam a confirmação de profecias bíblicas sobre o fim dos tempos. Mas, felizmente, neste caso, as coisas são mais complexas do que parecem.
O sociólogo Renan William dos Santos passou os últimos anos estudando o encontro desses dois temas: preservação da natureza e cristianismo. E afirma que evangélicos brasileiros não são avessos às pautas ambientais; o problema deles é com os ambientalistas.
Evangélicos e ambientalistas disputam qual é a posição do ser humano no planeta. "A ciência nos classifica como mais um animal e a turma da Nova Era nos vê como um elo na cadeia cósmica. Nos dois casos, o homem deixa de ser ‘a coroa da criação’."
Parece uma disputa tola e irresponsável considerando que religiosos, hippies e cientistas desejam a mesma coisa: sobreviver. Mas incorporar o "ambientalismo dos ambientalistas" significa levar a reboque para a igreja valores seculares que o cristianismo rejeita. A questão do aborto, por exemplo.
Renan explica que a Igreja Católica viu, muito antes dos evangélicos, a oportunidade de interpretar a pauta ambiental a partir da religião. Isso melhora a imagem pública da igreja e faz crescer o número de jovens católicos, e estes não se expõem a valores progressistas ao defender a sobrevivência do planeta.
Existem evangélicos ambientalistas; Renan os chama de "ecorreligiosos". Mas eles evitam confrontar e expor as hipocrisias de seus líderes em cultos. E assim eles se conformam com a posição de "iluminados incompreendidos". Mas a tragédia no Sul do país abre a oportunidade para eles agirem pragmaticamente.
"Dá para imaginar o destaque positivo que uma denominação teria se, além de prestar medidas assistenciais para a tragédia, implementasse programas coordenados de conscientização e ação ambiental para evitar eventos futuros," propõe Renan. "Pensa o tipo de cobertura midiática que isso teria como contraposição à ideia do ativismo evangélico sempre em disputa com o resto do mundo."
Em 2022, deslizamentos de terra causaram 64 mortes na periferia do Recife. Mas ninguém morreu na comunidade do Retiro, porque estudantes monitoravam as chuvas usando pluviômetros caseiros e alertaram seus vizinhos.
O que aconteceria se apenas 1% das quase 110 mil igrejas evangélicas do país —a maioria em bairros pobres— adotasse essa prática e compartilhasse os resultados pelo aplicativo Dados à Prova D’Água, do Cemaden? O milagre da prevenção de tragédias?
Nenhum comentário:
Postar um comentário