sexta-feira, 10 de maio de 2024

"Não é possível que sociedade seja desafiada pelo crime", diz PGJ em coletiva, MPSP

 09 MAI 24

Durante entrevista coletiva concedida na sede do MPSP nesta quinta-feira (9/5) para detalhar a Operação Metalmorfose, o procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, reforçou a importância da cooperação entre instituições para fazer frente à criminalidade. "A atuação em parceria evidencia que não é mais possível que se tolere que a sociedade continue sendo desafiada pelo crime organizado". Ele aproveitou para agradecer aos responsáveis pela investigação que mirou em um esquema de fraude fiscal estruturada perpetrada por grupos econômicos atuantes no ramo de metais, em especial produtos de cobre.

Operação Metalmorfose foi deflagrada nesta quinta pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO), do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos do Estado de São Paulo (CIRA-SP) - integrado pelo MPSP, pela Secretaria de Estado da Fazenda e do Planejamento e Procuradoria-Geral do Estado - e pela Receita Federal.

Os pormenores das diligências foram apresentados aos jornalistas pelos promotores Alexandre Castilho e Luiz Henrique Dal Poz, assim como por Márcio Araújo e Eduardo Mendonça (Secretaria de Estado da Fazenda e do Planejamento); Marcia Meng (Receita Federal), Alessandro Junqueira (Procuradoria-Geral do Estado) e Ivalda Aleixo (Polícia Civil). O subprocurador-geral de Justiça de Políticas Criminais, Ivan Agostinho, também participou da coletiva.

De acordo com o apurado, empresas inidôneas (noteiras e cavalos-de-troia) eram colocadas como intermediárias das partes negociantes que celebram o verdadeiro negócio jurídico mercantil dissimulado. O objetivo era emitir notas fiscais frias e simular a transferência de responsabilidade pelo pagamento do ICMS devido por substituição tributária nas operações envolvendo produtos de cobre, na forma de fios, vergalhões e sucata de cobre, sem que as pessoas jurídicas efetivamente recolhessem o imposto devido aos cofres públicos.

Ficou demonstrado que as fraudes causaram um prejuízo ao Estado de São Paulo e à União de ordem superior a R$ 2 bilhões.  Na seara criminal, surgiram também indícios de organização criminosa e lavagem de capitais através de empresas patrimoniais em nome de terceiros.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Onda de ódio provocada por charge acende sinal de alerta, Sérgio Rodrigues, FSP

 Típica do ambiente maniqueísta, chapado, irrefletido e verbalmente violento das redes sociais, a onda de indignação e ódio provocada pela charge que Jean Galvão publicou na Folha no último domingo (5) tem ingredientes que a destacam da rotina e que deveriam acender um sinal de alerta.

A charge em si –descontado tudo o que a expressão "em si" tem de incompatível com uma mensagem de massa, sempre sujeita a múltiplas leituras– não é das mais notáveis em engenho, mas a meu ver consegue traduzir em tom menor algo que tende ao indizível: o estupor provocado pelo gigantesco flagelo que se abateu sobre o Rio Grande do Sul.

Refugiada da enchente no telhado de sua casa, cercada de água lamacenta por todos os lados, uma família composta de quatro pessoas contempla a desolação. À beira do desespero, pai e mãe estão mudos.

O que podem dizer os adultos, responsáveis pela segurança da família, quando reduzidos de tal forma à impotência? Cabe à filha pequena, provavelmente a mais velha, amparar o irmãozinho com lógica pueril: "Não chora, vai alagar ainda mais".

A charge de Jean Galvão publicada na Folha mostra uma família, pai, mãe, um menino e uma menina, sobre o telhado de uma casa ilhada pela enchente. A menina, olhando para a correnteza, sentada com os braços abraçando os joelhos, fala ao irmão: “Não chora, vai alagar ainda mais…”
Charge publicada na página A2 da Folha em 5 de maio de 2024 - Jean Galvão/Folhapress

A poesia da cena –amarga– me parece residir no fato de que, para a inocência da menina, até o inevitável choro está interditado, uma vez que lágrimas poderiam agravar a inundação. Não há alívio à vista nem no mundo físico, nem no mundo emocional. A tristeza alagou tudo.

É possível, claro, achar que a charge de Galvão não é tão rica assim em significados. Entendo os amigos que a consideraram de mau gosto. No entanto, que tanta gente embarque na tese de que o artista zombou da desgraça alheia me parece um sinal claro de que estamos vivendo tempos perigosamente hostis à inteligência.

Não se trata de uma burrice individual, particularizável, mas coletiva –o pior tipo, pois afeta até pessoas inegavelmente inteligentes. Afeta todo mundo, inclusive quem percebe o que está acontecendo, mas se vê impotente como a família no telhado. O problema é de linguagem.

Como sociedade, estamos perdendo na vertigem cacofônica das redes a capacidade de lidar com sutilezas. Espera-se da arte que seja prescritiva e construtiva, que suas mensagens tenham a clareza de cartilhas e manifestos, unívocas e mobilizadoras.

No Painel do Leitor de segunda (6), Galvão se desculpou: "Significa que falhei na comunicação do desenho". Mas como, sendo artista, não falhar? Tudo precisa ocupar um lugar político e social predeterminado, sob pena de vara e execração pública.

Se é charge, só pode ser humor. Se é humor, só pode ser zombaria. Se alguém zomba de uma tragédia dessa magnitude, não presta como ser humano.

Junte-se a tantas certezas o reservatório infinito de superioridade moral que costuma morar dentro dos guardiães da nova ordem e o resultado é um ambiente sufocante não só para a arte, mas para o pensamento.

Falta falar da má-fé com que os espertalhões tiram proveito político desse estreitamento cognitivo. Acredito que muitos dos que puxaram coros de ódio contra o chargista soubessem muito bem que ele não estava fazendo pouco de uma dor desmedida. E daí?

Seja para ganhar likes, seja para jogar pedra na imprensa ou ainda para desviar a atenção do público dos verdadeiros vilões do cataclismo gaúcho –os políticos negacionistas que bombardearam e continuam a bombardear todas as medidas de proteção ambiental–, explorar esse cenário de poucas luzes é um excelente negócio. Acho que estamos fritos.

Hélio Schwartsman - Crianças são crianças, FSP

 SÃO PAULO

Sempre um gentleman, Pierpaolo Cruz Bottini escreveu uma réplica à minha coluna "Vontade de punir" (3/5), sobre o caso de racismo numa escola de elite paulistana. O artigo é muito bom. Quase me convenceu a mudar de opinião. Quase.

Pier traça uma distinção forte entre o direito penal, campo em que ele concordaria com a ideia de que as sanções precisam ser mais moderadas quando aplicadas a menores, e a vida escolar, esfera em que a expulsão das garotas que perpetraram o ato de racismo estaria justificada. Tenho dificuldades com essa separação. O direito penal não é algo que nos foi um dia dado por Deus no alto do monte Sinai, mas um desenvolvimento —esperemos que para melhor— de mecanismos biológicos e culturais de promoção da sociabilidade que sempre existiram entre humanos. E não só humanos.

A atriz Samara Felippo durante entrevista ao Fantástico sobre caso de racismo sofrido pela filha em escola
A atriz Samara Felippo durante entrevista ao Fantástico sobre caso de racismo sofrido pela filha em escola - Reprodução - Reprodução

O princípio segundo o qual jovens devem ser tratados com maior tolerância transcende nossa espécie. Frans de Waal, que nos deixou há poucos dias, conta que até entre os ultra-hierárquicos babuínos —a extrema direita dos primatas—, macacos pequenos podem quase tudo, inclusive saltar na barriga de machos alfa sem ser incomodados. É possível que a própria assimilação de regras sociais tenha como pressuposto um período de aprendizado no qual elas não são impostas de modo draconiano.

Mesmo tendo cometido um abjeto ato de racismo, as garotas são crianças e como tal deveriam ser tratadas, no direito e na vida. Uma sanção escolar precisa ser aplicada, mas não creio que devamos logo de cara usar a mais drástica delas, que é a expulsão. A escola que opta por isso nega seu próprio DNA de instituição dedicada a ensinar, mais do que a punir.

Quanto à vítima, ela deve ser acolhida e receber solidariedade, mas não há como desfazer a agressão que sofreu. Ela terá de conviver com isso e com o racismo da sociedade, que, apesar de progressos recentes, não desaparecerá da noite para o dia.

PUBLICIDADE