quinta-feira, 9 de maio de 2024

Na enchente, querem evitar que a violência cotidiana sofrida pelos vileiros venha à tona, FSP (definitivo)

 Antonádia Borges

Professora titular UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro)

Há mais de uma semana começaram as cheias no Rio Grande do Sul. Ontem, um cantor gospel, branco, alertava seus mais de 70 mil seguidores no Instagram: não culpem a Madonna. A TV, desde que acabou o show, acordou para a tragédia. William Bonner em Porto Alegre, tecendo elogios sem fim ao papel salvador das Forças Armadas. Até que enfim: temos nossa guerra.

Abutres. No rádio, uma repórter chamada Becker, condoída e incomodada, informava que não havia mais água corrente na capital. Lembrei da pandemia, do lave as mãos para os milhões sem saneamento, sem água encanada. Porto Alegre da Casa de Cinema e do Saneamento Básico.

Nos abrigos sem água, os voluntários atentam para o fato de que a maioria daquelas pessoas atendidas "já não tomam banho nunca". Os abrigos trazem às narinas brancas o cheiro das vilas, das aldeias indígenas à beira das estradas, dos sem banheiro.

Região central de São Leopoldo, município da região metropolitana de Porto Alegre, completamente alagada - Pedro Ladeira/Folhapress


Banheiros dos abrigos com merda espalhada pelas paredes. Pessoas prostradas sobre colchões doados. Repousadas letárgicas sobre restos de comida. Dividindo o espaço com os animais de estimação, com sua ração. Outras, furiosas, procuram agarrar um cobertor a mais, uma marmita a mais, "mesmo sem necessidade".

Aquelas pessoas que não tinham nada e, paradoxalmente, segundo o alemão da padaria artesanal, perderam tudo, não é dado o direito de quererem ter nada, ainda mais diante da excepcionalidade, do limbo aberto pela subida das águas.

A vida nas vilas, nas aldeias, nos quilombos, estava escondida, distante da branquitude. A subida das águas os fez emergir. Um homem circula pelo abrigo com sua tornozeleira eletrônica, causando calafrios.

Nos espaços brasileiros do apartheid, o que os brancos não veem, as narinas e as consciências não sentem. O terror é imenso: a enchente faz com que se tema os removidos dos presídios inundados. Na rádio, a jornalista Becker relata que grupos de pessoas estariam se fingindo de ilhadas para roubarem os barcos e jet-skis de resgate. Eram eles os piratas e não quem tinha um jet-ski parado na garagem.

No momento da enchente, da tragédia da água lamacenta que respinga de leve os brancos, se exige civilidade, solidariedade, respeito à propriedade privada. A violência cotidiana e a usurpação e a humilhação constante sofrida pelos vileiros, pelos bugres, não pode vir à tona no momento excepcional da enchente.

Supõe-se uma igualdade na tragédia, que deve sustentar o respeito à propriedade de quem as tem, dando-lhes tempo e tranquilidade para se exilarem nas suas casas de veraneio. Às turbas iradas, como seus cães e cocotas, estão engaioladas em ginásios esportivos e escolas, sem qualquer possibilidade de cogitar tomar as rédeas do amanhã em suas mãos. A elas é atribuído um sinal que enfatiza sua marginalidade.


Um "marginal" teria estuprado uma menina em um abrigo. Que ideia de abrigo é essa?

Nem todo mundo que está no abrigo é negro, indígena, mas todo mundo que não precisa lá estar não o é. Quem está abrigado, se não quem pegou seu carro de tanque cheio, seu rancho, seu estoque de medicamentos para os próximos meses e se mandou para a casa de veraneio em Atlândida?

nível do Guaíba não baixa. A água não volta às torneiras. Aos brancos não resta outra opção se não antecipar suas férias, cortar a grama alta, desfazer as malas, pegar a cadeira, a cuia e ir pra praia. Os governantes garantem a legitimidade dessa saída. Não são covardes. Não é privilégio branco. De fato, trata-se de uma colaboração com o bem maior.

Que fiquem na zona metropolitana só aqueles que precisam de abrigo, de roupas velhas e marmitas rançosas –desde que a sacralidade da propriedade seja mantida. E que quando baixarem as águas, retornem aos lugares ermos, distantes, onde a falta de água e de tranquilidade é uma constante, não uma exceção. E que tudo volte a ser o que era antes.

Um transplante de órgão pode mudar a personalidade de alguém?, FSP

 Adam Taylor

Professor na Universidade de Lancaster

THE CONVERSATION

Mudanças na personalidade após um transplante de coração têm sido observadas praticamente desde o início dos transplantes. Em um caso, uma pessoa que odiava música clássica desenvolveu uma paixão pelo gênero após receber o coração de um músico. O receptor morreu mais tarde segurando um estojo de violino.

Em outro caso, um homem de 45 anos comentou como, desde que recebeu o coração de um menino de 17 anos, ele adora colocar fones de ouvido e ouvir música alta —algo que nunca havia feito antes do transplante.

Um estudo recente sugere que os receptores de transplante de coração podem não ser os únicos a sofrer mudanças de personalidade. Essas mudanças podem ocorrer após o transplante de qualquer órgão.

Cirurgiões transplantam coração em paciente no Incor, em São Paulo - Lalo de Almeida - 20.mai.18/Folhapress

O que poderia explicar isso? Uma sugestão poderia ser que se trata de um efeito placebo, em que a alegria de ganhar um novo órgão altera a disposição da pessoa. Há ainda quem receba um transplante e sofra de culpa e crises de depressão e outros problemas psicológicos, que também podem ser vistos como mudanças de personalidade.

Entretanto, há algumas evidências que sugerem que essas mudanças de personalidade não são apenas psicológicas. A biologia também pode ter um papel importante.

As células do órgão transplantado vão desempenhar a função esperada, mas elas também vão ter um papel em outras partes do corpo. Muitos órgãos e suas células liberam hormônios ou moléculas sinalizadoras que têm um efeito local e em outras partes do corpo.

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O coração parece estar mais comumente associado a mudanças de personalidade. As câmaras liberam hormônios peptídicos, incluindo "peptídeo natriurético atrial" e "peptídeo natriurético cerebral", que ajudam a regular o equilíbrio de fluidos no corpo afetando os rins.

Eles também desempenham um papel no equilíbrio eletrolítico e inibem a atividade da parte de nosso sistema nervoso responsável pela resposta de luta ou fuga. As células responsáveis por isso estão no hipotálamo, uma parte do cérebro que desempenha um papel em tudo, desde a homeostase (equilíbrio dos sistemas biológicos) até o humor.

Portanto, o órgão do doador, que pode ter um nível básico de hormônios e produção de peptídeos diferente do órgão original, pode alterar o humor e a personalidade do receptor por meio das substâncias que libera.

Foi demonstrado que os níveis de peptídeo natriurético são mais altos após o transplante —e nunca voltam ao normal. Embora parte da elevação seja provavelmente uma resposta ao trauma da cirurgia, ela pode não ser responsável por tudo.

MEMÓRIAS ARMAZENADAS FORA DO CÉREBRO

O corpo armazena memórias no cérebro. Nós as acessamos quando pensamos ou elas podem ser acionadas pela visão ou pelo olfato. Mas as memórias são basicamente processos neuroquímicos em que os nervos transmitem impulsos uns aos outros e trocam substâncias químicas especializadas (neurotransmissores) na interface entre eles.

Embora na cirurgia de transplante muitos dos nervos que controlam a função do órgão sejam cortados e não possam ser recolocados, isso não significa que os nervos dentro do órgão não continuem funcionando. De fato, há evidências de que eles podem ser parcialmente restaurados um ano após a cirurgia.

Essas ações e interações neuroquímicas podem se alimentar do sistema nervoso do receptor, desencadeando uma resposta fisiológica que afeta a personalidade do receptor de acordo com as memórias do doador.

Sabemos que as células do doador são encontradas circulando no corpo do receptor e o DNA do doador é visto no corpo do receptor dois anos após o transplante. Isso novamente levanta a questão de para onde o DNA vai e quais ações ele pode ter.

Uma coisa que ele faz é estimular respostas imunológicas. Essas respostas imunológicas podem ser suficientes para desencadear mudanças de personalidade, pois sabe-se que a inflamação de baixo nível e de longo prazo é capaz de alterar traços de personalidade, como extroversão e consciência.

Seja qual for o mecanismo, ou a combinação de mecanismos, responsável, essa área de pesquisa merece mais investigação para que os receptores possam entender as mudanças físicas e psicológicas que podem ocorrer após a cirurgia.

Este texto foi publicado no The Conversation. Clique aqui para ver a versão original

Por que visão fatalista sobre o câncer pode prejudicar a saúde, FSP

 

Christine Ro
BBC FUTURE

Quando Leonora Argate encontrou um caroço no seio, ela primeiro sentiu medo.

"Câncer aparentemente não tem cura, certo?", pensou ela.

Argate, que é avó e tem 64 anos, divide sua casa com outras nove pessoas e uma sári-sári (uma pequena loja de conveniências) na cidade de Taguig, nas Filipinas.

Ela relutou em ir a um centro de saúde para confirmar o que já suspeitava.

Argate só concordou em fazer o exame quase um mês depois. E, após receber o diagnóstico de câncer de mama, ela não compareceu à consulta pré-cirurgia.

O câncer não é uma sentença de morte, embora muitas pessoas pensem o contrário - Getty Images

"Eu realmente não quis o tratamento porque estava com medo", explica ela.

Sua prima já havia morrido de câncer, mesmo depois da intervenção cirúrgica.

A vizinha de Argate também havia tido câncer e a indicou para um "navegador de pacientes".

Os navegadores de pacientes são assistentes sociais ou de saúde que orientam os pacientes ao longo das diversas etapas de tratamento de saúde. Eles podem indicar os pacientes para que recebam apoio financeiro e de transporte.

Em Taguig, existe um programa de navegadores de pacientes para pessoas com câncer de mama. É uma parceria entre as autoridades de saúde e a Fundação iCanServe, especializada nesse tipo de câncer.

A doença de Argate passou por diversos estágios. Mas, depois da cirurgia, quimioterapia e medicação, o câncer agora está em remissão.

Essas mudanças físicas foram acompanhadas por alterações na forma de Argate pensar sobre a doença.

Inicialmente, ela se sentia sem esperança, como ocorre com muitas pessoas, em todo o mundo.

Psicólogos, profissionais de saúde e outros especialistas vêm estudando este fenômeno, conhecido como fatalismo, para compreender por que ele é tão frequente.

Eles pretendem ajudar as pessoas a agir com mais rapidez no combate à doença. E a esperança é que, um dia, estas pesquisas possam salvar vidas.

O FATALISMO É COMPLEXO

É difícil definir o fatalismo. Ele é geralmente considerado uma crença de que é impossível alterar certas situações, que são determinadas por forças externas.

Para o professor de psicologia Oscar Esparza-Del Villar, da Universidade Autônoma de Ciudad Juárez, no México, o que algumas pessoas chamam de fatalismo é diferente de outros fatores relacionados, como a impotência e a crença no controle divino.

Pesquisadores concluíram que, dentre o fatalismo e estes fatores relacionados, a impotência é o que mais influencia o comportamento das pessoas em relação à saúde.

O fatalismo pode ter expressões muito diferentes em diversas culturas, mas está presente em todo o mundo, em níveis variáveis.

Esparza-Del Villar é um dos autores de um estudo sobre o fatalismo realizado em seis países. E, "para nossa surpresa, a população alemã era o grupo com nível mais alto de fatalismo", afirma o professor – acima de Gana, Quênia, México, Nigéria e Suíça.

A conclusão contraria certas percepções de que o fatalismo seria mais comum em países de média e baixa renda.

O estudo sugere que as avaliações psicológicas do fatalismo precisam ser ajustadas às diferentes culturas. Esparza-Del Villar e seus colegas criaram então a primeira escala de fatalismo, desenvolvida simultaneamente em espanhol e inglês.

Por mais surpreendente que possa parecer, o fatalismo pode trazer benefícios.

Em uma pesquisa com migrantes perto da fronteira entre o México e os Estados Unidos, "as pessoas com maior grau de fatalismo relataram níveis menores de depressão e ansiedade", explica Esparza-Del Villar. "Era como um fator de proteção para eles."

De fato, o fatalismo pode fornecer uma sensação de bem-estar frente às dificuldades. Mas existe uma relação entre o fatalismo e comportamentos potencialmente perigosos, principalmente em relação ao câncer.

Na Irlanda, por exemplo, o fatalismo foi relacionado a índices mais baixos de exames de câncer colorretal. Em Gana, algumas pessoas afirmam que o destino não pode ser alterado, quando se recusam a passar pelo tratamento de câncer de mama. E, nos Estados Unidos, as crianças usam menos filtro solar quando seus pais são fatalistas e têm histórico familiar de melanoma.

Nas Filipinas, "os comportamentos fatalistas em relação à saúde são comuns", segundo a clínica geral Janine Pajimna, do Centro Médico St. Luke, na cidade de Quezon, nas Filipinas.

Pajimna e seus colegas indicaram recentemente que o fatalismo em relação ao câncer colabora para os índices extremamente baixos de exames de câncer do colo do útero nas Filipinas —mesmo que o diagnóstico seja realizado com um exame visual, com custo relativamente baixo.

Uma expressão significativa em idioma filipino é kung oras mo na, oras mo na. Pajimna traduz a frase como "quando realmente chega a sua hora, o seu tempo acabou". Ela acredita que este sentimento pode ser prejudicial.

"Esta frase é muito falha e existem pacientes filipinos que nem mesmo se consultam, nem buscam tratamentos salvadores que poderiam prolongar e/ou melhorar sua qualidade de vida", explica ela. "É como se eles simplesmente aceitassem seu destino sem fazer nada, porque estas eram as cartas que eles tinham nas mãos."

FATALISMO É MUITO COMUM

O fatalismo em relação ao câncer tem duas dimensões, segundo a pesquisadora Laura Marlow, da Unidade de Ciência Comportamental do Câncer do King's College de Londres.

Uma delas é a inevitabilidade —a ideia de que forças externas causam o câncer e evitá-lo é impossível. A outra é a incurabilidade: a crença de que, se alguém tem câncer, irá morrer por causa da doença.

Em relação à inevitabilidade, uma expressão de fatalismo frequentemente encontrada de forma implícita no noticiário pelo professor de oncologia comportamental Samuel Smith, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, é a ideia de que quase tudo causa câncer. E a impressão que se tem é que é quase impossível combater as causas.

Mas, segundo Smith, "a mensagem sobre o câncer tem sido relativamente estável há muitos anos, quanto aos fatores ambientais determinantes: não fume, reduza seu consumo de álcool (eliminá-lo é o melhor), mantenha um peso saudável, alimentação saudável e pratique exercícios físicos".

A inevitabilidade é um aspecto do fatalismo em relação ao câncer, mas "o aspecto da sua incurabilidade é o que realmente queremos eliminar", segundo Marlow. Afinal, em muitos casos, isso não é mais verdade.

Ainda assim, para muitas pessoas, "a palavra câncer significa a morte", segundo a ex-enfermeira oncológica Malgorzata Polnik, que hoje é psicoterapeuta.

Polnik mora em Devon, no Reino Unido, e continua recebendo muitos clientes que lutam contra o câncer. Na sua experiência, muitos pacientes se "desligam" das consultas médicas assim que ouvem o nome da doença.

Para eles, pode ser difícil ouvir qualquer outra coisa —como o fato de que alguns tipos de câncer são essencialmente doenças crônicas, que podem ser bem administradas se forem detectadas precocemente.

"Observo que, para os pacientes que a ouvem, essa palavra poderosa gera todo um processo de reflexão", explica Polnik, "e talvez eles não estejam prontos para falar sobre todos os tratamentos naquele mesmo instante."

É claro que os pacientes enfrentam muitas barreiras práticas e estruturais até conseguirem o diagnóstico ou tratamento do câncer. Mas, dependendo da pessoa, as reações emocionais e cognitivas a essa ameaça à saúde também podem ser muito significativas, segundo Smith.

Elas incluem a preocupação, o medo e o fatalismo.

"Todos nós temos essas crenças, até certo ponto", afirma ele.

Em 2015, Smith foi um dos autores de um estudo realizado nos Estados Unidos, que concluiu que 66% dos participantes acreditavam que tudo causa câncer, enquanto 58% associavam automaticamente o câncer à morte.

Esta situação persiste, mesmo com o aumento dos índices de sobrevivência ao longo do tempo, especialmente em países ricos, como os Estados Unidos.

Marlow acredita que "coisas como o fatalismo realmente são prejudiciais para aquela parte inicial do processo", quando as pessoas evitam pensar em tomar ações como fazer exames de diagnóstico de câncer.

"Elas não superam necessariamente todos os outros pontos que precisamos implementar para permitir que as pessoas tomem essas ações", segundo ele. Mas todos esses aspectos precisam ser abordados, se quisermos melhorar os resultados do tratamento.

ALÉM DO FATALISMO

Quando Malgorzata Polnik trabalha com pacientes que acreditam que irão morrer de câncer, ela se concentra em fazer perguntas, em vez de emitir afirmações.

Ela pergunta, por exemplo, se seus pensamentos são saudáveis e se têm base factual.

"Mais cedo ou mais tarde, chegaremos à conclusão de que aquela crença não é baseada em fatos", explica ela.

Polnik pode perguntar se essas crenças ajudam seus pacientes a resolver seus conflitos ou se aumentam a sua ansiedade. Este tipo de abordagem passo a passo ajuda a remover algum ponto que possa parecer assustador.

As crenças são poderosas, mas nem sempre bem compreendidas. As crenças religiosas, por exemplo, não são a principal razão que leva as pessoas fatalistas a evitar certas medidas de saúde, como normalmente se acredita.

Na verdade, em alguns casos, o comparecimento a serviços religiosos é associado ao maior índice de realização de exames de diagnóstico de câncer.

Janine Pajimna afirma que o equilíbrio é importante. Algumas pessoas sentem que a fé é benéfica para sua saúde mental, segundo ela, mas algumas pessoas a levam a extremos e acreditam que as evidências científicas são inválidas.

"Este comportamento serve de obstáculo para a busca vital de tratamento de saúde, como realizar exames de câncer regularmente e receber vacinas que salvam vidas", explica Pajimna.

Mais que a religião, o fator que explica significativamente o fatalismo em relação ao câncer é a educação.

É claro que a educação e o conhecimento de assuntos de saúde podem estar relacionados a outros fatores, como o gênero, renda, idioma, situação de migração e etnia. Mas pesquisas indicam que esses fatores sozinhos não são suficientes para compreender por que o fatalismo em relação ao câncer é tão comum em certos grupos.

Em locais onde a assistência médica tem altos custos ou é inacessível, o fatalismo em relação ao câncer não é nada surpreendente, segundo Samuel Smith.

Nessas situações, o câncer realmente pode trazer taxas de mortalidade mais altas porque, muitas vezes, é diagnosticado com atraso ou existem poucos tratamentos disponíveis.

Sem educação, seria fácil assumir uma visão fatalista. Mas, na realidade, as pessoas podem melhorar suas possibilidades de sobrevivência com ações simples, como realizar exames.

"É questão de tentar combater isso e tentar garantir que essas pessoas da comunidade compreendam que não é algo inevitável", explica Smith.

E é aqui que as histórias positivas são ainda mais necessárias.

Smith comenta que o fatalismo deve ser combatido não só em nível individual, mas também comunitário —para promover a compreensão pública do câncer.

"Encontrar as pessoas onde elas moram, em vez de esperar que elas venham até você, pode ser uma forma de combate", afirma ele.

A organização Bowel Cancer UK, por exemplo, promove eventos perto de lugares como supermercados, oferecendo às pessoas a oportunidade de andar dentro de intestinos infláveis gigantes e aprender mais sobre o câncer do intestino.

Para Laura Marlow, poder falar com profissionais de saúde em tom de conversa em eventos como estes é particularmente útil "quando as pessoas têm pouco conhecimento sobre saúde e acham difícil extrair o significado das comunicações de texto".

De forma geral, como o nível de educação é o fator mais importante do fatalismo em relação ao câncer, reduzir as disparidades educacionais pode ajudar a combater outras desigualdades que afetam a saúde.

Isso inclui qualquer tipo de formação educacional, seja ou não relacionada diretamente com a saúde. E outra possibilidade é combater de frente as desigualdades de acesso à assistência médica.

É claro que reformar completamente o sistema educacional e de saúde é um objetivo ambicioso. Mas existem formas de combater em escala menor as diferenças dos níveis educacionais, como o uso de ferramentas visuais e linguagem acessível em materiais educacionais sobre o câncer.

Pode também ser útil para os pacientes compartilhar suas próprias histórias, como faz Leonora Argate. Ela conseguiu controlar seu medo, com o apoio da família e do seu navegador de pacientes, que telefona para ela e a visita em casa.

Todos esses fatores a ajudaram a enfrentar a realidade prática, financeira e emocional de viver com câncer.

Nas Filipinas, os pacientes que contam com navegadores têm menos probabilidade de abandonar o tratamento do câncer.

Agora, Argate conta que, se outra pessoa com câncer disser a ela que não quer consultar um médico, ela responde:

"Não tenha medo de procurar tratamento. Existe alguém que nos ajuda."