terça-feira, 2 de abril de 2024

Martin Wolf -Financial Times - Apesar dos defeitos, democracia é o regime que garante crescimento- FSP

 Martin Wolf

Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

FINANCIAL TIMES

Na semana passada, discuti o estado precário da democracia em um encontro online organizado por uma organização de mídia indiana. Após minha apresentação, um membro da plateia perguntou por que os indianos deveriam se interessar por democracia. Não seria uma ideia ocidental imposta ao resto do mundo? Os países em desenvolvimento não estariam melhor com autocracias?

Fiquei tanto perturbado quanto feliz com essa pergunta — perturbado porque significa algo importante quando um membro da elite educada da Índia a faz em um fórum público, mas feliz porque sei que muitos estão fazendo essa pergunta agora, e não apenas em países em desenvolvimento. O apelo da tirania está crescendo.

Apoiadores do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, usam máscaras em comício de campanha em Meerut, Índia: país tem perdido pontos em índice global de liberdade democrática - REUTERS

"Freedom in the World 2024", um relatório do think-tank independente Freedom House, afirma que "a liberdade global declinou pelo 18º ano consecutivo em 2023". Ao longo da última década, grandes declínios nos direitos políticos e civis ocorreram em muitos países em desenvolvimento. Sob Narendra Modi, a Índia é, infelizmente, um desses países.

Tais declínios talvez sejam um preço que vale a pena pagar pelo desenvolvimento econômico mais rápido? Em um nível mais amplo, isso parece bastante improvável. Se deixarmos de lado alguns países ricos em recursos naturais e Hong Kong e Cingapura, todos os países mais ricos do mundo são democracias liberais. Isso realmente é uma coincidência?

No entanto, os céticos ainda podem argumentar que a democracia não é a melhor maneira para os países pobres se tornarem mais ricos. Eles podem apontar, por exemplo, para o incrível registro de crescimento da China nos últimos 40 anos. No entanto, as evidências não sustentam essa visão. Um artigo de 2019, "Democracia Causa Crescimento", de Daron Acemoglu e outros, argumenta que "existe um efeito positivo economicamente e estatisticamente significativo da democracia no PIB per capita futuro". Assim, "o PIB de longo prazo aumenta cerca de 20 a 25% nos 25 anos seguintes a uma democratização". Crucialmente, isso também se aplica a países nos estágios iniciais de desenvolvimento.

Provavelmente muito mais importante, como Carl Henrik Knutsen observa em uma nota informativa de 2019 para o Instituto V-Dem, os resultados da autocracia mostram uma variância muito maior. Assim, quando os autocratas são bons, eles podem de fato ser muito bons, mas quando são ruins, são horríveis. Stalin, Hitler, Pol Pot e Mao Zedong mataram pessoas aos milhões. Isso pode ter sido porque eles queriam ou porque não se importavam. O ponto é que a autocracia é um governo sem responsabilidade. Governos sem responsabilidade podem fazer qualquer coisa.

Em um brilhante artigo recente, o historiador Timothy Snyder argumenta que "o governo de um homem forte é uma fantasia. Essencial para isso é a ideia de que um homem forte será seu homem forte. Ele não será. Em uma democracia, os representantes eleitos ouvem os eleitores. Damos isso como certo e imaginamos que um ditador nos deveria algo. Mas o voto que você lança nele afirma sua irrelevância. O ponto principal é que o homem forte não nos deve nada. Somos abusados e nos acostumamos com isso.É ainda pior do que isso. O tirano em potencial não é um ser humano normal. Ele é quase sempre consumido pelo desejo de poder. Uma vez que tenha alcançado o que busca, como se livrar dele se ele se mostrar louco? Como preservar a integridade das instituições centrais contra ele? Como gerenciar a sucessão?

Sabemos que uma monarquia constitucional pode funcionar. Sabemos que um autocrata pode se sair bem em um país pequeno, como Cingapura, se reconhecer que isso requer o Estado de Direito e direitos de propriedade seguros.

Sabemos que na Coreia do Sul e em Taiwan, os autocratas supervisionaram o início do desenvolvimento rápido dos países. Sabemos também que a China teve, em Deng Xiaoping, um líder que não estava embriagado pelo poder pessoal. Portanto, como os chineses dizem, pode-se ter um "bom imperador". Mas o que fazer se, como tantas vezes, se tem um ruim, em vez disso?

A democracia impede tais resultados desastrosos porque possui métodos embutidos de correção. Mesmo que uma democracia tenha direitos civis, políticos e legais inadequados, como muitas têm, as eleições ainda podem fazer diferença. Isso se mostrou verdadeiro na Polônia no ano passado e, agora, na Turquia.

As eleições são uma restrição na Índia também. Em sistemas parlamentares, os membros do parlamento também podem se revoltar, como fizeram no Reino Unido contra Boris Johnson e Liz Truss. O grande argumento a favor da democracia não é que ela produzirá um bom governo, mas que impedirá um governo terrível, que é a pior coisa que as sociedades podem ter, exceto pela ausência de governo — em outras palavras, a anarquia. Quanto mais completo o conjunto de direitos, mais potentes serão as restrições: haverá então também debate aberto, liberdade para protestar, mídia livre e instituições independentes.

A democracia é sempre frágil. É frágil porque algumas pessoas querem ser tiranos e muitas pessoas querem confiar nelas. Isso também é mais provável se as democracias falharem em entregar os bens que as pessoas desejam - um senso de pertencimento, de segurança, de ser valorizado. Como Yascha Mounk argumenta em The Identity Trap, as democracias são mais frágeis em sociedades mais desiguais e mais diversas, não menos porque os tiranos em potencial vão explorar tais divisões.

De fato, é difícil criar democracias liberais em tais sociedades em primeiro lugar, como Sharun Mukand de Warwick e Dani Rodrik de Harvard argumentam em The Political Economy of Liberal Democracy. Meu interlocutor estava certo: a democracia é uma inovação recente. Mas ele também estava errado: o fato de a democracia ser recente não significa que não seja valiosa. Isso é verdade mesmo que as democracias sejam imperfeitas e as autocracias às vezes funcionem por um tempo. A democracia oferece responsabilidade para os governos e voz para os cidadãos. Isso é muito melhor para nós do que servir aos caprichos dos déspotas.

De ganhador do Oscar a cartola: conheça John Textor, que diz ter provas de manipulação no futebol brasileiro. FSP

 Lucas Bombana

SÃO PAULO

O filme ‘O Curioso Caso de Benjamin Button’, que conta a história de um homem que nasce com aparência envelhecida e fica mais novo com o passar dos anos, chamou a atenção ao levar às telas o ator Brad Pitt rejuvenescido, o que rendeu à película o prêmio de efeitos visuais no Oscar em 2009.

A empresa responsável pelos efeitos especiais do filme foi a Digital Domain, à época comandada por John Textor, 58.

No centro de uma polêmica ao fazer diversas acusações de manipulação de resultados no futebol brasileiro, o empresário norte-americano dono da SAF (Sociedade Anônima do Futebol) do Botafogo iniciou a carreira como programador no mercado financeiro e fez sua fortuna –estimada em cerca de US$ 250 milhões (R$ 1,3 bilhão)– investindo em tecnologia, cinema e inteligência artificial.

Apontado pela Forbes como o "guru da realidade virtual de Hollywood", Textor fez ao longo da carreira investimentos em empresas como a fuboTV, plataforma de streaming listada na Bolsa de Nova York que transmite partidas de futebol americano, beisebol e basquete, e a Pulse Evolution Corporation, desenvolvedora de hologramas hiper-realistas de celebridades que já morreram, responsável pela apresentação virtual de Michael Jackson na premiação Billboard Music Awards, em 2014, e de Tupac Shakur no festival Coachella, em 2012.

John Textor chega ao Nilton Santos para jogo do Botafogo
John Textor chega ao Nilton Santos para jogo do Botafogo - Vítor Silva - 25.jan.23/Botafogo

Textor diz que tem como missão criar humanos digitais pensantes com base em inteligência artificial que ajudem a melhorar a sociedade. Agora, ele quer se valer dessas ferramentas tecnológicas para combater a corrupção no esporte.

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Desde meados do ano passado, após o time do Botafogo não conseguir manter a surpreendente campanha e ver o Palmeiras ultrapassá-lo na reta final do Campeonato Brasileiro, o empresário tem feito diversas acusações, segundo as quais sua equipe teria sido prejudicada devido a supostas manipulações de resultados e erros de arbitragem.

As reclamações começaram depois de jogo emblemático no qual o Botafogo perdeu de virada para o Palmeiras por 4 a 3 dentro de casa, quando Textor fez duras críticas à arbitragem por causa da expulsão do zagueiro Adryelson.

"Não tenho certeza nem se foi falta. Mas não é cartão vermelho, ele mudou o jogo. Isso é corrupção, isso é roubo. Por favor, me multa, Ednaldo [Rodrigues, presidente da CBF], mas você precisa renunciar amanhã de manhã. É isso que precisa acontecer. Esse campeonato se tornou uma piada", esbravejou Textor no gramado do Nilton Santos.

O empresário acabou processado pelo presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) por calúnia e suspenso por 30 dias pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça).

Revoltado, Textor contratou então um estudo da empresa francesa Good Game!, especializada em análise de jogos e arbitragens. O levantamento encomendado pelo empresário apontou que, àquela altura do campeonato, que estava então na 33ª rodada, devido a erros dos juízes, o Botafogo deveria ter 70 pontos, em vez de 60, enquanto o Palmeiras deveria ter 49, e não 59.

O empresário enviou ofício ao STJD para que os supostos erros fossem apurados, mas o pedido acabou arquivado pelo presidente do tribunal, José Perdiz, que apontou subjetividade e falta de consistência nas acusações.

Após sacramentar a conquista do Brasileiro, a presidente do Palmeiras, Leila Pereira, classificou Textor como "desequilibrado" pelas acusações de benefício ao alviverde. "Chega até a ser ridículo. Ele desprestigia, desvaloriza esse produto tão importante que é o futebol. Ele deveria ter mais serenidade. É uma parte de desequilíbrio do senhor John Textor", declarou a dirigente.

Com o fim do torneio nacional e o início dos estaduais, a fúria do norte-americano parecia ter se dissipado, até que, no início de março, ele voltou à tona. Sem apresentar provas, disse ter a gravação de um árbitro de futebol reclamando por não ter recebido a propina por manipulações cometidas.

Alguns dias depois, afirmou que a gravação foi enviada por um funcionário ligado à CBF, na qual o árbitro de uma "divisão menor" e "sotaque carioca" lamentava por ter perdido dinheiro ao não conseguir direcionar a partida conforme o desejado. Procurada, a CBF não retornou até a publicação da matéria.

Nesta segunda-feira (1º), a saga do norte-americano em busca de uma suposta maior transparência no esporte ganhou um novo capítulo. O dirigente aumentou o tom e afirmou, mais uma vez sem apresentar provas, que cinco jogadores do São Paulo atuaram de modo a manipular a goleada de 5 a 0 para o Palmeiras pela 29ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2023.

"O jogo entre Palmeiras e São Paulo em outubro de 2023 foi, de acordo com especialistas de inteligência artificial, manipulado por, pelo menos, cinco jogadores do São Paulo", disse o empresário em nota. "Sete jogadores mostraram desvios anormais em situações cruciais de gols, mas apenas cinco ultrapassaram limites que deixam clara e convincente a manipulação."

Textor disse, ainda, que o mesmo fenômeno teria ocorrido em confronto entre Palmeiras e Fortaleza pela 35ª rodada do Brasileiro em 2022, que terminou com a vitória por 4 a 0 da formação alviverde. Segundo ele, quatro jogadores do Fortaleza teriam atuado para manipular a partida.

Os clubes alvos de Textor rechaçaram as acusações e criticaram o proprietário da SAF do Botafogo.

"As afirmações, proferidas sem a apresentação de quaisquer provas, maculam a reputação de nossa instituição centenária e geram graves danos de imagem do clube. O Fortaleza tomará todas as medidas judiciais cabíveis", escreveu o clube.

Na mesma linha, o São Paulo repudiou "veementemente as graves e infundadas acusações" e acionou seu departamento jurídico, que estudará e tomará as medidas cabíveis na esfera legal.

Já o Palmeiras ingressou com uma medida contra Textor no STJD. No pedido, encaminhado à análise do presidente do tribunal, o Palmeiras solicita que o empresário se abstenha de fazer qualquer menção ao Palmeiras e solicita multa de R$ 100 mil, além de suspensão por 90 dias.

Procurado pela Folha, o Botafogo informou via assessoria de imprensa que o posicionamento de Textor vai se limitar às publicações já feitas pelo próprio dirigente.

Incentivo a uso de câmeras corporais terá verba federal e regras saem em breve, promete secretário, FSP

 Tulio Kruse

SÃO PAULO

A compra de câmeras corporais para uniformes de policiais pelos estados brasileiros deve ser incentivada pelo governo federal por meio de verbas do FNSP (Fundo Nacional de Segurança Pública), e uma portaria com diretrizes para o uso dos equipamentos deve ser publicada "nos próximos dias". A promessa é do secretário nacional de Segurança Pública, Mário Luiz Sarrubbo.

Sarrubbo afirma que a portaria do Ministério da Justiça sobre o tema está praticamente pronta e passa por revisão jurídica num dos departamentos da pasta. O governo Lula (PT) promete a publicação dessas diretrizes desde o segundo semestre do ano passado.

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Câmera corporal em farda da PM de São Paulo - Ronny Santos - 15.mar.2024/Folhapress

As declarações do secretário foram dadas na LAAD, maior feira de defesa e segurança da América Latina, que começou nesta terça-feira (2) na capital paulista. Para quarta (3) está prevista uma palestra do secretário da Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, integrante do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), que interrompeu a expansão do programa de câmeras corporais da PM paulista.

"A partir daí [publicação da portaria] nós vamos incentivar, até mesmo com despesas, com verbas do fundo [FNSP], para que os estados possam ter essas câmeras dentro dos padrões", disse Sarrubbo à Folha.

A portaria do ministério deve trazer recomendações para as características que os equipamentos devem ter e para o compartilhamento das imagens, descrevendo quais órgãos do sistema de Justiça terão acesso garantido às gravações. Tribunais, Ministério Público e Defensoria Pública estão entre os contemplados.

Regras para punições pelo mau uso dos equipamentos não estão previstas na portaria, segundo Sarrubbo. "Isso está sendo discutido com as corporações para que elas possam criar seus procedimentos", disse o secretário. "É evidente que vamos discutir esse tema."

Esta tem sido uma dificuldade na investigação de denúncias em São Paulo. O Ministério Público estadual diz que recebeu imagens completas de apenas seis de 31 casos que resultaram em morte pela PM durante a Operação Verão, a mais letal na história da corporação desde o massacre do Carandiru.

O Ministério da Justiça, durante a gestão Flávio Dino, chegou a discutir um projeto de lei que tornaria obrigatório o uso de câmeras corporais por PMs. O secretário não abordou a questão da obrigatoriedade.

Sarrubbo fez elogios à tecnologia, de forma geral, dizendo que "só há dados positivos" no uso do equipamento em São Paulo. Segundo ele, há argumentos sobre benefícios do uso das câmeras tanto para os próprios policiais —a morte em serviço caiu no estado— como para quem os acusa de excesso de violência.

"As câmeras aumentam o número de prisões e de apreensões, de flagrantes, e protegem a vida do policial", disse. "É um investimento na vida e na eficiência policial."

O secretário nacional afirmou, contudo, que o foco de sua gestão é o investimento na contratação de profissionais, especialmente na Polícia Civil, e em instrumentos de investigação. Ele disse que a média de solução de inquéritos no país é de pouco mais de 4%, exceto em delegacias especializadas.