sábado, 10 de setembro de 2022

Sistemas térmicos podem gerar ganhos significativos em eficiência energética na indústria, Procel

 

Para contribuir para a melhoria da gestão de energia no setor, projeto com apoio do Procel realiza Chamada Pública para aplicação de metodologia de diagnóstico energético

Tiago Reis, para o Procel Info
Rio de Janeiro – A indústria é um dos setores com maior potencial de ganhos com ações de eficiência energética. Devido ao alto consumo de energia em suas operações, iniciativas nesse sentido podem gerar benefícios econômicos e aumentar a competitividade do setor. Estudo realizado em 2010 pela Eletrobras, por meio do Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel), em parceria com a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), identificou que aproximadamente 80% do potencial de economia de energia no setor industrial se concentra em sistemas térmicos, como estufas, fornos, caldeiras e trocadores de calor. Diante desse cenário e com a carência de políticas públicas voltadas para a eficiência energética em sistemas térmicos, o Procel, nos últimos anos, passou a apoiar a implementação de projetos direcionados para esse tema específico. Além do bem-sucedido Programa Aliança, o Procel iniciou recentemente a implementação do projeto “Desenvolvimento de metodologia e realização de diagnóstico energético em sistemas térmicos e motrizes associados''. Aprovado no 2º Plano de Aplicação de Recursos do Procel (PAR-Procel 2018/2019), o projeto consiste em desenvolver uma metodologia para avaliar energeticamente os sistemas térmicos, equipamentos onde ocorrem simultaneamente o consumo de energia térmica e eletricidade.

Como os processos industriais integram diversas formas de utilização de energia, como a elétrica e a térmica, não é a melhor prática dissociá-las quando da realização de um diagnóstico energético. Com essa separação, o processo limita o alcance das análises, impactando nos ganhos energéticos a serem obtidos com esses diagnósticos. Nesse sentido, desenvolvem-se neste projeto metodologias mais completas e que aplicam princípios da Teoria Termodinâmica, com o objetivo de maximizar os ganhos energéticos dos diagnósticos.

No Brasil, a maioria das ações em eficiência energética trata de forma isolada das energias elétrica e térmica. Porém, nota-se mundialmente uma tendência ao desenvolvimento de metodologias contemplando a análise integrada das diversas formas de uso de energia. Por este motivo, o projeto apoiado pelo Procel inova ao utilizar o conceito de Exergia em diagnósticos energéticos. Essa abordagem vem sendo cada vez mais explorada internacionalmente para a avaliação da eficiência energética de sistemas com uso simultâneo de energia elétrica e térmica, análise ainda pouco explorada no Brasil.
Projeto inova ao utilizar o conceito de Exergia em diagnósticos energéticos, uma abordagem que avalia a eficiência energética de sistemas que utilizam simultaneamente a energia elétrica e a energia térmica

Engenheiro mecânico do Procel, Samuel Moreira Duarte Santos, ressalta que a atuação do programa em projetos relacionados à energia térmica é uma quebra de paradigmas, já que historicamente o Procel sempre atuou em energia elétrica. Porém, nos últimos anos, as melhores práticas internacionais passaram contemplar a análise integrada das diversas formas de energia para avaliar os potenciais de eficiência energética na indústria, uma abordagem que somente agora começa a dar os primeiros passos no país.

“Por meio de estudo realizado em conjunto com a Confederação Nacional das Indústrias (CNI) em 2010, a Eletrobras e o Procel constataram que mais de 80% do potencial de economia de energia no setor industrial se concentra em sistemas térmicos. Sob outra perspectiva, em termos de potencial de evitar o desperdício de energia elétrica, o maior potencial está em sistemas motrizes, fato este que justifica a atuação histórica do Procel Indústria neste sistema. Apesar de o Procel, por definição, ser o Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica, tornava-se imperativo estruturar projetos que enfatizassem também a energia térmica. Essa evolução de entendimento é fruto de aplicação de metodologias que conseguem identificar as ações de maior impacto, mesmo que a fonte primária não esteja diretamente vinculada à eletricidade”, explica Samuel Moreira.

O engenheiro destaca que os setores com maior potencial de economia de energia são os de siderurgia, cerâmico, de cimento, papel e celulose, químico, alimentos e bebidas, e indústria têxtil. Em alguns segmentos, o potencial de economia de energia em sistemas térmicos pode superar os 60%.

Chamada Pública busca indústrias interessadas na aplicação de metodologia de eficiência energética em sistemas térmicos

Diante do potencial ainda inexplorado para elevar a eficiência na indústria nacional, o Procel, em parceria com a Fundação de Pesquisa e Assessoramento à Indústria (Fupai), entidade vinculada à Universidade Federal de Itajubá (Unifei), estão com Chamada Pública aberta para a seleção de até 14 indústrias de médio e grande portes que utilizem sistemas térmicos nos seus respectivos processos produtivos. A seleção visa a um trabalho conjunto com as indústrias para que seja aplicada, de forma prática, a metodologia de realização de diagnóstico energético em sistemas térmicos, nas condições e exigências estabelecidas no edital da Chamada Pública, sem custos para as indústrias participantes. Além dos diagnósticos, as indústrias participantes poderão indicar profissionais que receberão um treinamento para que estejam capacitados a identificar oportunidades de eficiência energética em sistemas térmicos.

Para Luiz Augusto Horta Nogueira, professor da Unifei e coordenador da Chamada Pública, o desenvolvimento desse projeto chega em um momento de grande importância para a indústria nacional, já que a iniciativa tem como objetivo utilizar métodos que permitem uma análise muito mais consistente das perdas de energia em processos industriais.

“O potencial de eficiência energética na indústria, na média, permite obter ganhos da ordem de 35 a 40% no uso da energia. E é na indústria onde existe o maior potencial e os mais interessantes projetos para serem explorados em termos de redução de perdas energéticas. Então, esse trabalho desenvolvido em conjunto com o Procel vai permitir, de forma gratuita, a aplicação dessa metodologia na indústria. Por isso, estamos abrindo a possibilidade para as indústrias, de graça, disponibilizem alguns equipamentos para que sejam testados, avaliados, diagnosticados e façam um programa de treinamento dos seus profissionais para aplicar esse método”, explica Luiz Horta.

O professor revela que nesse trabalho será feita uma análise muito mais consistente das perdas de energia em processos industriais, que é a análise exegética, um estudo que incorpora a primeira e a segunda Lei da Termodinâmica, oferecendo resultados mais coerentes com as perdas energéticas.

“Basicamente, existem dois tipos de energia. Energia de caráter térmico e energia elétrica. E nos processos de análises das perdas, nos quais são tomadas medidas para reduzir as perdas, tipicamente a gente considera as duas coisas iguais. E a eletricidade é uma forma de energia muito nobre e precisa ser tratada de forma mais competente. E, tradicionalmente, não é isso que é feito. Numa linguagem mais popular, é como somar ‘banana com laranja’. E isso não pode dar certo. Por sua vez, os estudos de eficiência de uma forma geral não reconhecem o alto valor da eletricidade comparados aos fluxos de energia térmica. Uma quantidade de energia com combustível vale muito menos que uma energia com eletricidade. E o método exegético permite à gente identificar essas perdas. E o que nós estamos oferecendo, dentro desse projeto com a Fupai e o Procel é desenvolvermos as metodologias, que já estão prontas para caldeiras, fornos, para motores, e estamos querendo aplicar isso agora nas indústrias. ”, completa Luiz Horta.

Já o engenheiro eletricista do Procel, Thales Terrola e Lopes, defende que a a indústria pode obter ganhos significativos de eficiência energética com a implementação da metodologia de diagnósticos energéticos considerando os sistemas térmicos, principalmente com a introdução da Teoria da Exergia nessa análise.

“Como já apontado no estudo realizado em 2010, foi constatado que mais de 80% do potencial de economia de energia no setor industrial se concentra em sistemas térmicos. Assim, torna-se vital o desenvolvimento de um projeto que elabore uma metodologia robusta para diagnóstico, considerando os sistemas térmicos e elétricos em conjunto. A introdução da Teoria da Exergia em diagnósticos energéticos permite o desenvolvimento de um diagnóstico mais acurado, com análise do estado termodinâmico de um sistema e a correta modelagem dos efeitos térmicos associados. Com esta análise exergética é possível a modelagem de todos os processos térmicos relevantes, não abarcados na tradicional análise energética, permitindo avaliar e caracterizar de forma consistente as perdas térmicas e elétricas e identificar de modo mais efetivo as oportunidades de redução de consumo e o incremento da eficiência em sistemas, equipamentos e processos com aplicações térmicas”, explica Thales Lopes.

Projeto não terá custos para as indústrias participantes

As indústrias selecionadas na Chamada Pública receberão gratuitamente a aplicação da metodologia de diagnóstico energético considerando os sistemas térmicos, metodologia essa desenvolvida no projeto, devendo para tanto disponibilizar pelo menos um equipamento com utilização de energia térmica para o diagnóstico. Ao todo, serão realizados 10 diagnósticos energéticos em sistemas térmicos, aplicando a metodologia proposta no edital. Cada diagnóstico energético deverá verificar as condições operativas dos equipamentos selecionados e sistemas térmicos que compõem as plantas industriais, no que tange ao consumo energético no ambiente de operação e produção.

De acordo com o edital, o “diagnóstico deverá abranger também a verificação dos valores dos setpoints que controlam os equipamentos avaliados, o estabelecimento de uma linha de base referente ao consumo energético verificado por ocasião do diagnóstico energético, além da proposição de ações com o objetivo de aumentar a eficiência dos equipamentos e sistemas térmicos, utilizando, para tanto, simulações computacionais realizadas no aplicativo adotado na metodologia para verificar o desempenho dos sistemas avaliados.
Projeto prevê a realização 10 diagnósticos energéticos além da capacitação de profissionais das empresas selecionadas para que possam identificar potenciais de eficiência energética em sistemas térmicos

O professor Luiz Horta lembra que o projeto visa a setores industriais com grande consumo de energia elétrica e térmica, como a indústria de alimentos e bebidas, o setor metalúrgico e de siderurgia, a indústria química, indústrias que envolvem processamento de metais, além da indústria do vidro, cerâmica e cimento. Ele também destaca que todas as análises serão feitas sem nenhum custo para as indústrias interessadas que, além dos diagnósticos energéticos, também terão a oportunidade de capacitar dois profissionais em análises avançadas de perdas energéticas.

“Todo o processo de diagnóstico energético dos equipamentos e o treinamento dos profissionais serão oferecidos de graça para as indústrias participantes. Além disso, o tempo de coleta de dados é muito rápida, de no máximo um dia e sem interferência nos processos produtivos. Com os dados coletados, eles passarão por um processo de análise em um programa de computador que a indústria também terá acesso. Os diagnósticos completos dos equipamentos serão feitos em algumas semanas. Entre 60 e 90 dias a empresa terá todos os dados dos diagnósticos. Anteriormente a realização do diagnóstico será oferecido um treinamento de 40 horas para capacitar até dois profissionais de cada empresa, e assim possam aplicar a metodologia em cada unidade de produção”, revela Luiz Horta.

O prazo das inscrições para a Chamada Pública vai até o dia 23 de setembro de 2022. O edital completo da Chamada Pública pode ser consultado neste link. As inscrições e informações adicionais podem ser obtidas pelo e-mail compras@fupai.com.br .

Pontos de inflexão do aquecimento global, Fernando Reinach , OESP

 

Coloque uma garrafa de cerveja em cima de uma mesa e, com o dedo indicador, comece a empurrar o gargalo. A garrafa vai se inclinar, mas se você retirar o dedo ela volta à posição vertical.

Agora continue a empurrar. Vai chegar a um momento em que ela se inclina de tal modo que a queda é inevitável. Esse ponto, quando não adianta mais tirar o dedo e a queda ocorre de maneira inexorável, é o tipping point. Em português, é o ponto de inflexão.

Nas últimas décadas, à medida que o planeta esquenta com as mudanças climáticas, os cientistas têm se preocupado com a possível existência de tipping points.

Será que a partir de uma certa temperatura a calota polar do ártico vai derreter de maneira irreversível? Ou as geleiras vão deixar de ser restauradas a cada inverno? Ou os corais vão desaparecer?

Nem todas as mudanças passam obrigatoriamente por um tipping point. Quem já brincou com um João Bobo na infância lembra que esse boneco, ao contrário da garrafa de cerveja, sempre volta à vertical, independentemente de quanto o empurramos.

Devido a esse fato, a primeira preocupação dos cientistas foi descobrir quais fenômenos causados pelas mudanças climáticas poderiam passar por pontos de inflexão.

Nos últimos anos, foram identificados 16 fenômenos nos quais podem ocorrer tipping points, caso a temperatura do planeta continue a aumentar. Entre eles estão o colapso da camada de gelo da Groenlândia, o colapso do gelo no oeste da Antártica, a morte dos recifes de coral, o derretimento do permafrost na Rússia, o colapso da corrente marítima de Labrador, a perda dos glaciais, a morte da Floresta Amazônica, o colapso da corrente do Atlântico, a morte das florestas sub-tropicais e o colapso da calota polar do Ártico.

Continua após a publicidade

Para que a Floresta Amazônica atinja o ponto de inflexão, os cientistas acreditam que a temperatura tenha de estar entre 2 e 6 graus centígrados acima da temperatura em que o planeta estava antes da revolução industrial.
Para que a Floresta Amazônica atinja o ponto de inflexão, os cientistas acreditam que a temperatura tenha de estar entre 2 e 6 graus centígrados acima da temperatura em que o planeta estava antes da revolução industrial.  Foto: Dida Sampaio/Estadão

Identificados os fenômenos, os cientistas tentaram estimar quanto a temperatura do planeta ainda precisa subir para atingirmos o ponto de inflexão. Mas, ao contrário do caso da garrafa de cerveja, em que as leis da física nos permitem calcular com precisão o ângulo a partir do qual a garrafa cai de forma inexorável, para esses fenômenos planetários os cientistas só conseguem calcular um intervalo de temperatura em que o fenômeno deve ocorrer.

Exemplo: para que a Floresta Amazônica atinja o ponto de inflexão, os cientistas acreditam que a temperatura tenha de estar entre 2 e 6 graus centígrados acima da temperatura em que o planeta estava antes da revolução industrial.

Temos casos como o degelo da Groenlândia que deve ocorrer quando a temperatura atingir de 1 a 3 graus acima da temperatura da era pré-industrial ou o degelo do Ártico, que só deve atingir o tipping point mais tarde, quando a terra aquecer entre 4 e 7 graus.

Nosso planeta já está 1,1 grau mais quente do que na era pré-industrial, e para cinco dos 16 fenômenos em que deve ocorrer o tipping point, já entramos no limite inferior do intervalo de temperatura em que ele pode ocorrer.

O mais preocupante é que no limite de aquecimento máximo acordado na convenção de Paris (entre 1,5 e 2 graus centígrados) oito desses fenômenos vão entrar no intervalo de temperatura em que o tipping point pode ocorrer.

Continua após a publicidade

É claro que esses intervalos de temperatura podem estar errados, mas esses valores são as melhores estimativas que temos hoje. O fato de em muitos casos já estarmos dentro do intervalo é preocupante.

A humanidade pode relaxar e esperar mais algumas décadas sem se preocupar com o aquecimento global e descobrir se essas estimativas estão certas ou erradas, ou conter o aquecimento hoje. Mas é bom lembrar que, tal qual a garrafa de cerveja, quando o tipping point é atingido o fenômeno se torna irreversível. Vale a pena pagar para ver?

Mais informações: Exceeding 1.5°c global warming could trigger multiple climate tipping pointsScience https://doi.org/10.1126/science.abn7950 (2022)

Por que apartamentos em SP estão cada vez menores? E como é viver nesses imóveis?, OESP

O casal Luan e Gil não queria mais perder horas no trajeto para o trabalho. Ao procurar uma alternativa, decidiu compactar a própria vida, de uma casa para 24 m². E junto de uma gata e uma cachorrinha. A ideia inicial não era essa, mas era o que cabia no orçamento. Experiências do tipo são cada vez mais comuns na cidade de São Paulo, que vive um movimento de migração interno: de residências de maior porte para apartamentos pequenos.

Um ou mais dormitórios, para baixa ou alta renda, as habitações estão em dimensão cada vez menor. Hoje, 76% dos lançamentos na capital paulista têm até 45 m², enquanto opções amplas tendem a ser um luxo nos centros urbanos. Os motivos são variados, envolvem mercado imobiliário, custo, mudanças comportamentais e redução no tamanho das famílias.

Nem mesmo a pandemia e a vontade de parte da população em viver em áreas mais amplas abalaram a tendência. A metragem média das unidades de até um dormitório na cidade caiu 40% em uma década, por exemplo, de 46,1 m² para 27,5 m², em 2021, segundo dados da Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp). Os apartamentos de dois dormitórios perderam mais de 13 m², de 57,5 m² para 42,3 m², no mesmo período.

A consequência dessa compactação é uma mudança nos padrões da moradia. Há uma tendência de redução no número de cômodos, cada vez mais integrados, em que um mesmo espaço é sala, cozinha, área de serviço e o que mais precisar. Por outro lado, outros estão quase em extinção, como lavanderia, escritório, cozinha segmentada e até corredores, enquanto as varandas estão quase onipresentes. As janelas, a altura do pé direito e outros aspectos que impactam na iluminação, ventilação e confortos térmico e ambiental também reduziram ou foram impactados.

A mudança nem sempre resulta em uma adaptação tão fácil para os novos moradores, que medem centímetro por centímetro e, por vezes, recorrem à troca de dicas na internet e à contratação de especialistas em reforma. Enquanto alguns se dizem satisfeitos com a situação e não querem trocar para um espaço maior tão cedo, outros falam nas limitações de viver em espaços reduzidos.

Para o maquiador Luan Siqueira Freitas, de 27 anos, e o atendente Gil Lima da Silva, de 28 anos, a mudança para um microapartamento exigiu adaptação de todos. “Nossa sala (anterior) era do tamanho do apartamento (novo)”, compara Luan.

Continua após a publicidade

O casal pesquisou referências nas redes sociais, visitou decorados e desenhou o próprio projeto. Todos os móveis da casa em que viviam anteriormente foram doados ou vendidos, por causa das dimensões. “Para conseguir me localizar em um lugar tão pequeninho, eu me esbarrava o tempo inteiro”, comenta Luan.

A cachorrinha Atena foi a que mais teve dificuldades, descontando na mobília, mas ganhou passeios no condomínio para compensar a falta do quintal. Agora, o casal não tem planos de uma nova mudança e diz que “pensando bem, cabe tudo.”

Gil e Luan (juntos da cadela Atena) moram em um apartamento de 24 m² desde março deste ano.
Gil e Luan (juntos da cadela Atena) moram em um apartamento de 24 m² desde março deste ano. Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 25/08/2022

Já a secretária Janaína Wagner, de 29 anos, divide o apartamento de 34 m² e dois quartos com o marido e o filho de 3 anos. Anos atrás, havia adquirido um imóvel maior, de 56 m², mas a incerteza trazida pela pandemia a fez trocá-lo por um de menor porte. “Nosso apartamento é pequeno e tem tudo o que a gente precisa”, avalia. “Tem um sofá confortável, tem cozinha, tem cama de casal normal. Pra que mais?”

Assim como Luan e Gil, ela também compartilha a experiência de viver em apartamento pequeno no Instagram. Perfis em que os moradores narram as dúvidas e desafios para esse tipo de moradia têm se popularizado nos últimos anos. “Montei para guardar as minhas inspirações e tirar dúvidas de outras pessoas”, conta Janaína.

Janaína mora com o marido e o filho de 3 anos em um apartamento de 34 m²
Janaína mora com o marido e o filho de 3 anos em um apartamento de 34 m² Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Já a advogada Donata Alencar, de 33 anos, e o marido fizeram o caminho inverso. Ela deixou um studio de 22 m² para morar na casa da sogra. Um dos principais motivos foi o convívio ininterrupto (e barulhento) com a adesão ao home office.

Continua após a publicidade

“A gente trabalhava fora. Chegava em casa, assistia Netflix, descansava, era tranquilo”, conta. “Com a pandemia, ficou um pouco estressante duas pessoas trabalhando no mesmo ambiente, o dia todo no telefone. E a rotina estressante de dormir e trabalhar no mesmo ambiente…”

Quando o enteado de Donata começou a morar com o casal, a mudança já cogitada foi decidida, a fim de garantir privacidade a todos. “Saímos de 22 m² para 200 m²”, compara. O studio foi colocado para locação de curta duração. “Ele atende mesmo casal e solteiro. Não sei se contempla para quem tem família.”

Ao mesmo tempo, apartamentos menores resultam em mudanças de hábitos. Um artigo de pesquisadores da FGV, de 2016, identificou de redução no consumo, por não ter onde guardar, até restrições a visitas e maior frequência de atividades variadas fora da residência, por exemplo.

‘Comprei um studio e não sei por onde começar’

No mercado imobiliário e entre pesquisadores, as novas configurações de família são citadas como influência também na compactação das habitações. Segundo o IBGE, por exemplo, o número de pessoas que moram sozinhas aumentou 43% em 10 anos. Esse grupo inclui solteiros, divorciados, idosos que enviuvaram e pessoas que decidiram não residir junto com o cônjuge. Há, ainda, perfis de coabitação que ganharam mais espaço, como a residência com amigos e conhecidos (para além dos jovens universitários) e casais com um ou nenhum filho.

É esse o perfil dos clientes que buscam o arquiteto Glaucio Gonçalves, especializado em apartamentos compactos. Segundo ele, dos 180 trabalhos nos últimos dois anos, praticamente todos eram para jovens e casais que compraram o primeiro imóvel, saindo da casa dos pais ou do aluguel.

Continua após a publicidade

“‘Comprei um studio e não sei por onde começar’. Essa é a pergunta que recebo pelo menos umas 10 vezes por dia”, relata.” Chegam lá (para a vistoria ou pegar as chaves), e é um quadradinho de 20 m², 30 m². Bate o desespero.”

O arquiteto avalia não somente o espaço, mas o perfil dos moradores. É um espaço tão pequeno que, para cada cantinho, precisa saber por que se está fazendo aquilo”, diz. Entre as alterações mais comuns, estão a retirada da porta da varanda, a instalação de portas de correr e a encomenda de móveis multifuncionais e planejados.

Um dos projetos mais recentes foi para um microapartamento de 10 metros quadrados, igualzinho ao que viralizou na internet meses atrás. Segundo ele, a proposta vai deixar o espaço mais funcional e alinhado ao perfil da futura moradora. “É só para uma pessoa. Se for uma pessoa e um passarinho, já não dá.”

Redução na metragem ocorre em imóveis de diferentes propostas e públicos.
Redução na metragem ocorre em imóveis de diferentes propostas e públicos. Foto: Tiago Queiroz/Estadão - 25/08/2022

Apartamentos estão menores, mas seguem pouco flexíveis

Os apartamentos estão encolhendo, mas seguem um mesmo padrão há mais de um século. “Ficou, de certa forma, ultrapassado. As famílias mudaram, as necessidades mudaram completamente, a tecnologia foi sendo inserida”, comenta Simone Villa, professora de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coordenadora do grupo de pesquisa Morar.

“A pandemia trouxe uma reflexão muito grande sobre isso. As pessoas passaram muito tempo em casa e puderam ver como os espaços estão desatualizados”, avalia. “Isso impacta na saúde das pessoas. A falta de espaço e privacidade impacta nas relações.”

Continua após a publicidade

Há pouca flexibilização das plantas, diferentemente do que ocorre no setor corporativo, por exemplo, desde as instalações elétricas à divisão dos espaços, como portas que não abrem completamente ao serem parcialmente bloqueadas pelo mobiliário. “Poderia permitir intervenções mais rápidas. Em vez de alvenaria, com painéis mais leves, pré-fabricados, com qualidade acústica e que possam ser removidos modificados”, compara.

Capital paulista vive 'boom' de microapartamentos
Capital paulista vive 'boom' de microapartamentos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Plantas de apartamentos passaram por transformações

A redução na metragem dos apartamentos foi ainda maior se comparada a décadas ainda mais distantes na avaliação do professor de Arquitetura Urbanismo e coordenador do Núcleo de Estudos de Habitares Interativos (Nomads) da USP São Carlos, Marcelo Claudio Tramontano. “Os intermediários foram os que mais perderam.”

Além da migração de parte dos espaços (como a lavanderia) para as áreas comuns dos condomínios, ocorreram também transformações na distribuição do espaço interno. Nos compactos, a mesa de refeições virou um balcão, que ocupa o espaço de uma parede, enquanto a área de serviço é uma extensão da pia da cozinha, por exemplo. Em paralelo, as varandas ganharam terreno. “Utiliza-se um guarda-corpo, que é barato, e se amplia a área, mas, na verdade, isso diminuiu a sala.”

Nas habitações de famílias com filhos, os quartos se tornaram mais do que um local de descanso e estão ainda mais individualizados. Também são o local de estudo, home office, entretenimento e até refeições rápidas, alguns até com frigobar. “Passa a ser um conjunto de apartamentos individuais”, comenta Tramontano. Ao mesmo tempo, as novas tecnologias e a maior oferta de móveis e eletrônicos reduzidos e multifuncionais (do computador à cama retrátil) contribuíram para a compactação.

Por outro lado, como consequência, o arquiteto cita a busca de uma parte da população em busca de unidades mais antigas, por terem qualidade ambiental, pé direito alto e espaços mais generosos. Outro movimento já noticiado pelo Estadão é a profusão de “self storages” como extensão dos apartamentos.

Continua após a publicidade

Mercado e incentivos legais

Como o Estadão mostrou, São Paulo vive um boom com 250 mil unidades pequenas lançadas em seis anos, por influência de uma redução recorde de juros (2018-2020) e de um decreto municipal que permitiu que os studios fossem classificados como não residenciais e dessem acesso a incentivos do Plano Diretor, dentre outros fatores.

Números expõem essa miniaturização. As unidades até 30 m² foram de 10% para 22% do total dos lançamentos em quatro anos, enquanto as de 30 a 45 m² subiram de 49% para 57%, no mesmo período, segundo dados compilados pelo anuário do sindicato das empresas do setor imobiliário (Secovi-SP). Em valores, os lançamentos de até R$ 240 mil foram de 25% para 41% dos lançamentos, enquanto caíram os de R$ 240 a R$ 500 mil, de 43% para 36%.

Entre os imóveis já existentes, os apartamentos pequenos são uma parcela menor da oferta. Um levantamento feito pela Zap Imóveis a pedido do Estadão, por exemplo, identificou que as unidades de até 50 m² foram 21% das ofertadas para o aluguel e 12% para a venda na plataforma do grupo, um dos principais do setor.

Contexto econômico

Professor de Arquitetura e Urbanismo na Mackenzie, Antonio Claudio Fonseca associa o avanço dos apartamentos pequenos ao contexto econômico, com a perda do poder de compra e a crise vivida por parte da população. Embora o metro quadrado dos compactos seja mais caro, o preço final acaba mais acessível, especialmente por meio de financiamentos. “Décadas atrás, um apartamento de um quarto era exceção. Isso foi se transformando″, comenta.

Continua após a publicidade

Ele destaca que a compactação é um processo que ocorre há anos, no Brasil e no exterior. “São Paulo lidera esse processo porque a velocidade aqui em tudo é maior, a capacidade de dinheiro, o financiamento, a construção.”

Diretor de Incorporação da Setin Incorporadora, Eduardo Pompeo comenta que os lançamentos da empresa passaram por uma “mudança muito grande”, especialmente nos últimos 15 anos. “Muita gente achava impossível morar em um apartamento de 20 m²”, comenta.

“Antes, três ou quartos dormitórios partia de 180 a 200 m² para cima, hoje a gente consegue bons três dormitórios acima de 80 m².” Ele avalia que serviços sob demanda, de hospedagem, transporte e delivery de alimentos influenciam nesse movimento, tanto pelo aluguel para curta duração quanto para dispensar uma maior estrutura de cozinha e geragem.

Já a MPD Engenharia avalia que a redução nos espaços abrange todos os mercados, mesmo o de apartamentos maiores e de alto padrão. “A gente pensa em compatibilizar, mas sem afetar a experiência do cliente”, explica Allan Caetano, especialista em inteligência da incorporadora. A empresa aposta, contudo, em opções menos compactas. “Temos área vendável para fazer studio, mas preferimos privilegiar os de dois e três dormitórios, que era o cliente que queríamos atingir.”

Entre os compradores, principalmente dos compactos, grande parte da procura é de investidores. O empresário Mario Henrique Meireles, de 38 anos, é um exemplo de quem se voltou a esse mercado recentemente, com o objetivo de comprar duas unidades por ano, todas pequenas e na região central, a fim de serem disponibilizadas para aluguel de curta temporada, como “hotelaria”.

Ele conta que investia em outros ativos, mas, após algumas perdas na pandemia, viu os imóveis compactos como uma estratégia mais certeira. “Esse de 16 m², quando olhei, pensei: É um Ibis (em referência à rede hoteleira), é isso que eu quero”, comenta sobre uma das compras mais recentes.