Quando pela primeira vez se registrou um buraco negro no coração da Via Láctea, como o caso da foto do corpo celeste Sagitário A*, o fascínio e a admiração do público foram imediatos. Já quando se descobre que a queima de combustíveis fósseis causa mudanças climáticas, ou que a contaminação por um vírus letal só pode ser evitada com máscaras e distanciamento social, a resposta dos políticos e do público tende a ser bem menos favorável. No Brasil, temos assistido, catatônicos, a muitos cientistas e especialistas que sofreram agressões e ameaças, tornando-se alvos de discurso de ódio e teorias da conspiração.
A pandemia da covid-19 ilustra à perfeição o imbricado elo entre política e ciência. Certos argumentos políticos têm maior capacidade persuasiva quando associados a certa percepção pública da ciência. Estamos diante de uma guerra de narrativas que polariza a população, e na qual questionar ou negar consensos científicos são uma estratégia central para a manipulação das massas.
A desinformação sobre a pandemia foi disseminada nas redes sociais, porém seus efeitos mais perversos ocorreram no mundo real, com consequências fatais. Chefes de Estado como Donald Trump e Jair Bolsonaro amplificaram informações falsas ou imprecisas: um estudo recente aponta que Trump foi o maior disseminador de desinformação do mundo durante a pandemia – e Bolsonaro, sua principal marionete.
Mas qual seria o interesse em divulgar mentiras diante de uma das maiores crises sanitárias da história da humanidade? A resposta não é nova, mas nem por isso deixa de ser espantosa: a fabricação da dúvida para uso político.
Numa crise, a disputa da opinião pública é fundamental. E não à toa nessa hora o questionamento sobre a legitimidade das descobertas científicas ocupa o centro do debate. O negacionismo científico tem a função de distorcer a percepção pública da realidade e dividir a sociedade. A polarização acirra a hostilidade, abre espaço para ações excludentes e permite o avanço de uma agenda autoritária.
O objetivo último consiste em minar a confiança em especialistas e cientistas para desestabilizar as instituições democráticas, espalhando mentiras sobre a vulnerabilidade das urnas eletrônicas ou fabricando pesquisas eleitorais fakes cujo intuito é dar insumo para um determinado grupo questionar a vulnerabilidade das urnas e a validade do pleito –caso o resultado das eleições não os agrade.
A desinformação virou um mercado muito lucrativo, dominado por atores altamente organizados. Segundo estudo do MIT (Massachusetts Institute of Technology), as informações falsas têm 70% mais chance de serem compartilhadas do que as verdadeiras. Produtores de desinformação maximizam lucros a curto prazo, atraindo usuários para cliques e compartilhamentos.
Estima-se que em 2021 os sites que publicaram repetidamente notícias falsas faturaram 2,6 bilhões de dólares em receita publicitária. E o negacionismo também faz parte dessa indústria rentável: uma análise recente mostra que os principais mobilizadores da campanha online antivacina acumulam receitas anuais de 35 milhões de dólares, e seus 62 milhões de seguidores geram uma receita de mais de um bilhão de dólares por ano para as grandes plataformas.
Mas a desinformação não é só um problema de incentivos econômicos ou interesses ideológicos. Atinge todo o tecido conjuntivo da democracia: se os cidadãos não confiam nas instituições, são enganados ou não querem participar do processo democrático, a democracia está gravemente ameaçada.
Em ano de eleição, enfrentar o flagelo das narrativas falsas é fundamental para garantir aos eleitores a escolha do futuro que queremos.