segunda-feira, 11 de abril de 2022

Quem será a próxima pessoa a presidir a França?, The News

 

(Imagem: Francois Mori | AP)

Élections françaises. Nesse domingo, depois de comerem sua baguette e lerem seu jornal matinal, os franceses foram às urnas para as eleições presidenciais. 

Qual o cenário atual? Vão para o segundo turno o atual presidente, Emmanuel Macron, mais ao centro, e a candidata da extrema direita Marine Le Pen. A briga está acirrada — as projeções mostraram 27,6% dos votos em Macron e 23,4% em Le Pen.

O presidente francês estava em vantagem sobre sua adversária, mas isso diminuiu nas últimas semanas. Ao focar na ferida do aumento de preços dos combustíveis e dos alimentos, Le Pen conquistou mais eleitores e se aproximou do primeiro lugar. 

A candidata é nacionalista — já tendo criticado até mesmo a União Europeia — e linha-dura em relação à imigração. Polemicamente, ela chegou a propor a proibição de lenços de cabeça muçulmanos em espaços públicos.

A relevância disso… A França é uma das maiores economias do mundo, com enorme influência na Europa. Caso Le Pen vença, o clima no continente pode mudar bastante — um impacto parecido ao da votação do Brexit. 

Além disso, se Macron sair como vencedor, ele será o primeiro presidente francês a se reeleger em 20 anos. O segundo turno está por vir.

domingo, 10 de abril de 2022

Um francês e os rios ameaçados, OESP

 Milton Hatoum, O Estado de S.Paulo

10 de abril de 2022 | 03h00

Às vezes, um amigo some do mapa. Não sei por onde anda um simpático francês que conheci em Manaus, em 1989. Gérard era engenheiro e trabalhava numa fábrica da Zona Franca; dois anos depois, mudou-se para Cingapura, e eu mudei apenas de bairro: saí do centro para as margens da cidade. 

Naquele mundo sem celular e sem internet, perdi o contato com ele; lembro que adorava os pratos da Amazônia, tinha amigos brasileiros e estrangeiros, e casou-se com uma amazonense; adaptou-se ao ritmo lento das pessoas, e ria quando era chamado de “mano”.

Certa vez, me disse: “Você mal conhece uma pessoa e ela já te trata de ‘maninho’, petit frère. Não é incrível? Isso é inimaginável na Europa. Em Manaus, aprendi a arte da hospitalidade”. 

Às vezes, a gente tende a idealizar o outro; outras vezes, e com mais frequência, o outro é hostilizado. Mas Gérard não era ingênuo. Sabia que as fábricas da Zona Franca tinham sido atraídas pelos incentivos fiscais, e que o salário em Manaus era inferior ao de São Paulo; sabia como moravam os operários, pois conhecia os bairros pobres da cidade. Mas lembrava que, na década de 1950, imigrantes da Argélia e de outros países da África moravam em favelas em plena Paris. 

Aliás, ele não hesitava em falar das atrocidades de lá, como a matança durante a guerra de libertação da Argélia. Ainda me lembro de uma frase sua, Gérard, quando a gente tomava guaraná Baré, ali perto da Banca do Largo: “A história da Europa é também uma história de guerras”. 

Não sei o que você diria do sufoco dos manauaras durante a pandemia. Sei que você se maravilhava com a visão do encontro das águas, e quando voltava de um passeio de barco, exclamava, emocionado: “Quelle merveille, mano!”.

Rio Negro
Passarelas construídas sobre as águas do Rio Negro no Centro Histórico de Manaus. Foto: EFE/ Raphael Alves

Mas você não sabe que querem construir o novo porto de Manaus bem em frente daquela maravilha. É o nefasto Projeto das Lages, iniciativa de uma empresa privada, referendada pelo governo do Estado. O terreno “escolhido” para o novo porto vai prejudicar o turismo e causar danos irreversíveis à natureza. O Iphan decretou o tombamento do encontro das águas, mas, antes de ser homologado, foi contestado por um ex-governador. O caso está no STF há anos. 

Se você ler esta crônica, envie uma mensagem à ministra Cármen Lúcia. Escreva uma carta de amor a Manaus e à natureza amazônica. Ou, quem sabe, uma carta desesperada. Mas se essas palavras não chegarem a Cingapura, escreva você, caro leitor brasileiro. Só nos restam as palavras, antes da destruição total.

*Milton Hatoum é escritor e arquiteto, autor de Dois Irmãos e Cinzas do Norte

Banditismo evangélico corrói na surdina instituições republicanas, Marilene Felinto, FSP

 Eis que a farsa já pode receber o nome de fraude, de banditismo. Banditismo evangélico. Eis que escrevo aqui cheia de raiva desses evangélicos —é que minha mãe, à espera da morte neste exato momento, na inconsciência ou semiconsciência, em um leito de hospital, está muito provavelmente tentando se comunicar com o Deus dela, o Deus do embuste cristão-evangélico.

Até mesmo ela, criada nos bancos duros da Assembleia de Deus desde criança, até ela reconhecia há tempos que a promessa evangélica de paraíso carrega uma nódoa de falsidade, indecência, exploração e trapaça —desiludida com a Assembleia, mudou-se para a Metodista e depois para a Batista. Passou a criticar todas elas. Recolheu-se na sua própria fé octogenária, na sua própria Bíblia, na sua própria harpa de hinos, enfurnada em casa durante a pandemia.

Eis que, enquanto ela aguarda senão pelo Deus que a leve embora desse mundo que já lhe era insuportável, enquanto repousa num leito fatal e frio, eis que minha raiva se avoluma, num velório que não contará com nenhum desses falsários pastores evangélicos. Penso em proibir a presença deles, pois se até minha mãe já percebia a aberração em que se transformou o ethos das igrejas evangélicas no Brasil.

Agora mesmo essas igrejas, que já vinham tão desmoralizadas pela prática de coerção de seus fiéis por dinheiro (antigamente chamado dízimo), em troca da falsa promessa de felicidade em outro mundo, essas igrejas amargariam a derrocada final se o país tivesse governo, regramento e Justiça decente.

Que nada. O banditismo grassa de norte a sul, faz negócios no balcão da promiscuidade entre política e religião evangélica. A recente revelação de que o demitido ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, fazia tráfico de influência com recursos públicos da pasta já não seria o bastante para indiciá-lo por crime? Indiciar a ele e a seu superior imediato, o fascista Jair Bolsonaro.

O tráfico, segundo o tal pastor, atendia a solicitação direta de Bolsonaro. "Foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim", disse Ribeiro sobre a prática espúria.

O tráfico consistia em intermediar, na base da propina em dinheiro ou barras de outro, liberação de verbas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) para municípios por meio de representantes evangélicos, numa rede de negociatas liderada por dois pastores da Assembleia de Deus, Gilmar Santos e Arilton Moura.

Crime de tráfico de influência está no Código Penal, no artigo 332: "Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função".

Sobre a pena que pune esse crime, o mesmo artigo diz: "Reclusão, de dois a cinco anos, e multa. Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário".

O banditismo evangélico vai corroendo na surdina as instituições republicanas, cagando em cima de uma Constituição supostamente laica. Ora, o ethos político e o ethos moral são diferentes, ressaltam os estudiosos do tema, "e não há fraqueza política maior do que o moralismo que mascara a lógica real do poder". Mascarados, criminosos, bandidos. Pois esses moralistas, esses fascistas vestidos de pastores serão vetados!

Enquanto minha mãe se põe a morrer, toda pequena, encolhida e ainda crente, lá no seu leito final, minha raiva se avoluma como uma onda —consigo inclusive ouvir o mar se derramando na praia de Boa Viagem, Recife, eu sentada ao lado dela no culto enfadonho da Assembleia de Deus do bairro. Por vezes os pastores gritavam alucinados lá no púlpito, incorporando algum espírito ou bebendo o sangue de Cristo, diziam, assustando as criancinhas como eu. Um inferno. Falsários, criminosos.

Mas minha mãe cantava lindamente, à capela, muito afinada, entre as pregações e orações da liturgia aterradora. Eu admirava aquela mulher que sabia de cor os hinos, única hora em que a p*a do culto valia a pena, em que o sofrimento dela parecia se dissipar.

Tentou de tudo para que os filhos se convertessem ao credo dela. Não conseguiu. Mas não lamentava —sabia, decepcionada, da fraude, do crime. Espero que ela suba aos céus dela cantando um hino.

Não oro, não rezo, não acredito em nada. Deus para mim tem outro nome: "Propofol", alívio, esquecimento, anestesia contra a dor desse mundo brutal. Hoje derramam-se por aqui apenas essas lágrimas do mar triste do meu coração, do mesmo sal da antiquíssima Boa Viagem.

Perder mãe é ver perder-se um pouco de todo o resto. Naquela infância evangélica, ao menos um pai ateu nos esperava em casa, fazia o contraponto. Amém.