segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

População de moradores de rua cresce 31% em São Paulo na pandemia, FSP

 O número de pessoas que vivem nas ruas de São Paulo cresceu 31% durante a pandemia de Covid-19. Em 2021, segundo a gestão Ricardo Nunes (MDB), havia 31.884 pessoas sem-teto na cidade, são 7.540 a mais do que o registrado em 2019, quando eram 24.344 nessa situação.

Em relação a 2015, quando havia 15.905 moradores de rua, o número dobrou.

Os dados foram obtidos pela Folha com exclusividade e fazem parte do censo da população de rua encomendado pela prefeitura. O levantamento, feito entre outubro e dezembro de 2021, ainda indica uma mudança do perfil daqueles que não têm um lar. O número de famílias que foram morar nas ruas quase dobrou durante a pandemia.

Dos 31.884 moradores de rua, 28% afirmaram viver com ao menos um familiar, somando 8.927 pessoas. Em 2019, esse percentual era de 20%, alcançando 4.868.

Fábio de Mello, 41, e Ângela Santos, 32. foram despejados da casa onde moravam no ano passado e passaram a viver nas ruas do centro de São Paulo
Fábio de Mello, 41, e Ângela Santos, 32. foram despejados da casa onde moravam no ano passado e passaram a viver nas ruas do centro de São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

A quantidade de pessoas que preferem ocupar as ruas em vez dos abrigos também aumentou. Em 2019, 52% da população abordada pelos pesquisadores preferia as calçadas aos centros de acolhimento, em 2021, esse percentual subiu para 60%.

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​"A crise econômica se agravou, o desemprego disparou, a inflação subiu e, nesse período, a política pública da prefeitura para essa população continuou a mesma. Os centros de acolhida não são pensados para as demandas de quem vive na rua", diz o padre Julio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua.

Carlos Bezerra, secretário de Assistência e Desenvolvimento Social do município, reconhece a necessidade de reestruturação do sistema de acolhimento na cidade. Ele disse que a pasta pretende ampliar o número de centros para diversificar o perfil dos serviços e anunciou um programa que vai oferecer moradias temporárias para famílias em situação de rua.

"Quanto mais tempo a pessoa passa na rua, menores são as chances de conseguir recuperar a autonomia. Precisamos agir rápido para quebrar essa trajetória triste que começou na pandemia", disse. O programa prevê a construção de casas de 18 m² destinadas a famílias que estão na rua, elas poderão ficar nas moradias temporárias por até 12 meses.

Fábio de Mello, 41, e Ângela Santos, 32, estão juntos há seis anos e foram despejados da casa onde moravam, na zona leste, no ano passado. Já são mais de dez meses vivendo nas ruas do centro de São Paulo e nunca recorreram aos abrigos.

"A gente enfrenta frio, chuva, calor, medo de ser roubado ou agredido, mas não vai para abrigo. Não vamos nos separar para ir a um lugar que somos ainda mais humilhados e corremos mais risco", diz Mello.

Ele e a mulher vendem balas no semáforo e procuram bicos para se alimentar. "Ninguém dá emprego para quem não tem endereço. E sem emprego, eu nunca vou conseguir uma casa. Entramos numa situação que não tem saída."

Ainda de acordo com o censo, houve aumento de 230% do número de barracas de camping e de barracos de madeira instalados em vias públicas como moradias improvisadas. Em 2019, o censo encontrou 2.051 pontos desse tipo. Em 2021, foram localizados 6.778.

Segundo especialistas, moradias improvisadas são normalmente ocupadas por famílias ou pessoas que foram para as ruas recentemente e, por isso, buscam formas de manter a privacidade e aumentar a sensação de segurança.

"Desde o início da pandemia, a gente já observava não só um aumento da população de rua, mas também essa mudança de perfil. Já era possível identificar que grupos mais vulneráveis, como mulheres, famílias e idosos, tiveram que ir morar nas ruas", diz Juliana Reimberg, pesquisadora do CEM (Centro de Estudos da Metrópole), da USP.

É o caso de Rosângela dos Santos, 40, que vive nas ruas do centro com o pai, de 60 anos, e o filho, de 12. "As pessoas humilham, mandam a gente ir trabalhar, parar de ser vagabundo. Mas quem dá uma oportunidade? Ninguém me chama para trabalhar", diz.

Ela diz que às vezes é chamada para fazer faxina em lojas ou casas da região, que pagam de R$ 30 a R$ 50 pelo serviço. "Ajuda muito, mas é um dinheiro que acaba rapidinho. Compro uma comida melhor para o meu menino ou uma roupa do tamanho dele e, pronto, acabou."

Reimberg diz que há anos estudos nacionais e internacionais mostram que políticas eficientes para a população de rua não são aquelas que se concentram apenas em centros de acolhida, mas em ações para que as pessoas consigam deixar a situação, como acesso a emprego e moradia.

"A demanda dessa população não é por centro de acolhimento, mas sim por moradia. Sem um lugar para morar, essas pessoas não conseguem romper o ciclo porque não encontram emprego. A política de abrigamento não é solução", diz a pesquisadora.

O censo perguntou aos moradores de rua o que os ajudaria a deixar a situação. Dos entrevistados, 45,7% disseram que seria encontrar um emprego fixo, e 23,1%, ter uma moradia permanente. Outros 8,1% declararam que seria retornar à casa de familiares e 6,7% responderam que seria superar a dependência de álcool e outras drogas.

Conseguir um emprego é o sonho de Bruna Felix, 23, desde que chegou a São Paulo no início do ano passado. Ela saiu de Paranaíba, no Mato Grosso do Sul, com a esperança de que a capital paulista teria mais oportunidades de emprego, o que não aconteceu.

"Cheguei aqui e não encontrei nada. O dinheiro foi acabando e eu não tive escolha, não tinha para onde ir e acabei ficando na rua", conta. Nas ruas, conheceu Rodrigo Pereira, 38, que vive nas calçadas de São Paulo há mais de três anos.

O casal mora junto em uma barraca na praça do Correio, no centro da cidade. "Sonho em encontrar um lugar para morar em paz com a minha mulher, mas todo dia acordo e vejo que o mais urgente é resolver o que fazer para conseguir comer", diz Pereira.

Quem acompanha a situação dos moradores de rua na cidade diz que o dado apontado pelo censo está subestimado, o que pode levar a elaboração de políticas públicas ineficazes.

A empresa Qualitest, contratada para fazer o censo, fez um relatório em que apontava uma série de dificuldades para abordar os sem-teto. O contrato custou R$ 1,7 milhão aos cofres municipais.

"Esse número é subestimado pela total inadequação com a qual foi feito esse censo. E a prefeitura foi alertada dos problemas metodológicos. Um número subestimado vai resultar, mais uma vez, em políticas públicas insuficientes e equivocadas, que não respondem quantitativamente nem qualitativamente às demandas da população de rua", diz padre Julio Lancellotti.

O secretário Bezerra rejeita as críticas ao censo e diz que a metodologia utilizada é a única forma para se chegar ao número e perfil da população de rua. "Olhando apenas para os novos moradores de rua, são mais de 8.000, é mais do que toda a população de 70% dos municípios do interior paulista. Essa comparação nos mostra o tamanho do desafio que temos pela frente, o censo nos ajuda a desenhar políticas de forma célere, efetiva e com impacto", diz.

Desde o início da pandemia é visível o aumento da população de rua principalmente na região central da cidade, onde há maior concentração de sem-teto pela facilidade de acesso a doações e equipamentos públicos. Por conta do crescimento, a prefeitura antecipou a realização do censo, que antes era feito a cada quatro anos.

O ANTAGONISTA O perigo das teorias da conspiração

 Para Hélio Angotti Neto (foto), secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, a prova de que as vacinas contra a Covid não funcionam está no fato de que elas são recomendadas por entidades médicas e de que a indústria farmacêutica financia estudos a respeito de sua eficácia.

Com a hidroxicloroquina, acontece o contrário: como especialistas negam a sua eficácia e os testes sobre ela não são “predominantemente financiados pela indústria”, Angotti Neto a considera o remédio realmente útil para combater a pandemia.

Minha proposta neste post é levar Angotti Neto a sério.

Calma. Não são as declarações do médico olavista sobre vacinas e o “kit covid” que eu proponho levar a sério, mas apenas a possibilidade de que ele acredite de verdade no que está dizendo: que laboratórios e instituições científicas do mundo todo estão mentindo para os 8 bilhões de habitantes da Terra, com a finalidade de ganhar dinheiro, ou até mesmo realizar um plano ainda mais sinistro…

Dando crédito a Angotti Neto nesse sentido específico, entramos no mundo lisérgico das teorias da conspiração, onde parecem viver, em desassossego perpétuo, grandes fatias do bolsonarismo.

Alguém vai perguntar: para que fazer isso? A razão é simples, segundo um dos mais conhecidos estudiosos da “mente conspiratória”, o filósofo inglês Quassim Cassam, da Universidade de Warwick: teorias da conspiração se tornaram perigosas.

Pode até ter existido um tempo em que elas não passavam de maluquices sem consequências, mas episódios como a invasão do Capitólio por adeptos da seita Q-Anon e o falatório do movimento antivacina em meio à pandemia mostram que não é mais assim.

Além de perigosas, teorias da conspiração não podem ser combatidas apenas com informação técnica. Não adianta tirar do bolso o melhor estudo de todos os tempos para embasar um argumento, se o seu interlocutor acha que os autores do estudo são desonestos e têm objetivos malignos.

Sim, gente que pensa desse jeito existe mesmo. Em 2014, pesquisadores da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, ouviram americanos a respeito de suas percepções sobre o trabalho científico. O resultado mostrou que as pessoas que mais rejeitam os consensos da ciência sobre temas como vacinas ou aquecimento global não são aquelas que têm menos informação sobre esses assuntos, mas as que desconfiam dos cientistas e acreditam que há motivações secretas por trás do seu trabalho.

Uma das linhas de estudo sobre o pensamento conspiratório vai em busca das causas psicológicas e cognitivas que fazem uma pessoa olhar o mundo desse jeito. Cassam contribui com essas investigações, especialmente as que dizem respeito aos “vícios intelectuais”.

Ele afirma que há um padrão de pensamento comum na origem de todas as teorias da conspiração. Esse padrão tem cinco elementos: ele é pré-moderno (“há um punhado de pessoas que controla o mundo”), esotérico (“há causas inimagináveis por trás de tudo”), especulativo (baseado em conjecturas e não em conhecimento), amadorístico (não se importa com as fontes da informação), e “do contra” (“se é óbvio, não pode ser verdade”).

Mas, em “Conspiracy Theories” (2021), Cassam apresenta uma sexta característica das teorias da conspiração, que ele considera fundamental: elas sempre têm um objetivo ideológico.

“O fato de uma pessoa acreditar sinceramente em teorias da conspiração não é incompatível com o fato de aquilo ser propaganda”, diz o autor. “A função real da teoria é promover uma agenda política.” Segundo pesquisas citadas no livro, essa agenda em geral é extremista.

Nada disso deve surpreender um leitor brasileiro. São explicações estruturadas de coisas que já ficaram claras intuitivamente, depois de três anos de bolsonarismo.

Tendo em vista o conjunto de traços do conspiracionismo, Cassam menciona três armas que precisam ser usadas em conjunto para combatê-lo. A primeira é a educação. Eliminar os vícios intelectuais que tornam as pessoas mais inclinadas ao conspiracionismo deve ser uma das tarefas do ensino.

As outras duas armas são para uso em discussões concretas. É preciso ser obstinado e refutar cada informação errada divulgada pelos teóricos da conspiração, pois isso evita que os erros se propaguem. Além disso, é preciso questionar, sempre, o pensamento político e os propósitos de um conspiracionista.

“A batalha contra as teorias da conspiração não acaba nunca”, diz Cassam.

Pois é. As loucuras do bolsonarismo terão de ser refutadas e denunciadas até o final de seu mandato.

E depois talvez venham outras, sobre as artimanhas do imperialismo, ou sobre como os Estados Unidos usaram a Lava Jato para derrubar um governo de esquerda.

Se for assim, a batalha continua. Esperemos que não.


sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

'Isso é para valer', diz Ciro Gomes ao lançar pré-candidatura à Presidência, FSP

 Julia Chaib

BRASÍLIA

O ex-ministro Ciro Gomes (PDT) lançou sua pré-candidatura à Presidência da República nesta sexta-feira (21), em Brasília, disparando críticas aos três principais adversários na disputa: o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-juiz Sergio Moro (Podemos).

Incorporando o slogan de sua campanha, Ciro apresentou-se como o nome "da rebeldia e da esperança" e elencou uma série de propostas, que vão de planos econômicos de combate à corrupção até propostas como parcelar smartphones em 36 vezes sem juros para a população mais pobre.

"Tão pensando o quê, isso é para valer!", disse o pedetista, antes de começar a discursar.

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Ciro Gomes (PDT) durante lançamento de sua pré-candidatura à Presidência da República, em convenção do partido, em Brasília. - Pedro Ladeira/Folhapress

O recado de Ciro é direcionado a parlamentares do PDT e a setores da esquerda para os quais ele pode desistir de seguir na disputa pelo Palácio do Planalto caso não melhore nas pesquisas.

Correligionários do pedetista, inclusive, chegaram a pressioná-lo, há cerca de dois meses, a abrir mão da candidatura caso não alcance 15% nas pesquisas eleitorais até março.

Segundo a última pesquisa Datafolha, divulgada em dezembro, Ciro tem 7%, empatado tecnicamente no terceiro lugar com o ex-juiz Sergio Moro (Podemos), com 9%.

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De acordo com o levantamento, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva lidera a corrida, com 48% dos votos, contra 22% de Bolsonaro.

A decisão da cúpula do PDT de lançar agora o nome do pedetista também teve como objetivo marcar posição de que ele não abrirá mão da corrida.

Antes do início da fala de Ciro, foi veiculado um vídeo de campanha acompanhado do jingle que traz as palavras do slogan do pré-candidato: "A rebeldia da esperança".

O tema foi criado pelo marqueteiro João Santana, que participou do evento de lançamento, durante convenção do PDT. "Quero ser o presidente da rebeldia e da esperança", afirmou.

Buscando espaço na chamada terceira via, Ciro disse que Bolsonaro é responsável por uma "política genocida", afirmou que Lula privilegiou os ricos em políticas econômicas e se referiu a Moro como "inimigo da República" e com currículo de "rosário de vergonhas".

"Todos esses presidentes repetiram e querem continuar repetindo a mesma história, com modelo político apoiado no conchavo e na corrupção", discursou Ciro, ao tentar equiparar políticas de governos petistas e de Bolsonaro.

O pré-candidato voltou a afirmar que acabará com o teto de gastos se for eleito e que taxará grandes fortunas. "Podem tremer de medo, famílias de banqueiros", disse.

Esta é a quarta vez que Ciro se lança candidato à Presidência da República.

A primeira vez foi em 1998. Em 2002, também foi derrotado no primeiro turno e decidiu apoiar na rodada seguinte o petista Luiz Inácio Lula da Silva, que acabou eleito. Ciro então se tornou ministro da Integração Nacional. Em 2018, disputou mais uma vez e terminou em terceiro lugar.