Um desafio para qualquer sociedade que pretenda perdurar é encontrar o balanço entre mudança e estabilidade, entre a saudável contestação e o necessário consenso. A liberdade de expressão é a chave para isso. É ela que permite que as pessoas vão experimentando com ideias, isto é, que as coloquem sob escrutínio público para ver se de seu entrechoque afloram novos pontos de equilíbrio.
Sempre preciso, o colega Sérgio Rodrigues captura bem a origem do mal-estar provocado pelo texto de AntonioRisério: "Não é de hoje que me incomoda a postura sensacionalista de fabricar polêmicas contra consensos progressistas". Se seu objetivo, leitor, é vencer uma batalha cultural e tornar a recém-conquistada posição inexpugnável, deve mesmo gritar contra Risério.
Se seu compromisso —e nisso divirjo de Rodrigues— é com a transformação social de forma mais geral, então deve desejar que consensos em torno de ideias e valores sejam questionados com frequência. Se a contestação for fraca, a tendência é que o consenso passe incólume ou até que seja reforçado; se for pertinente, é que ele saia enfraquecido ou seja substituído. Deve-se ressaltar aqui a palavra "tendência".
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Não há garantia lógica de que o progresso se imponha. Ideias e práticas ruins podem vigorar por séculos. A aposta liberal, porém, é a de que, no longo prazo, se estiverem sob exame constante, as melhores triunfarão.
Vale lembrar que a ideia de que negros são inferiores e a de que homossexuais deveriam mortos já fizeram parte dos consensos sociais. Felizmente, houve quem os desafiasse. A menos que você considere que o mundo já é um lugar perfeito, deveria apoiar contestações. A liberdade de expressão vem, já há um par de séculos, nos prestando excelentes serviços. Não acho que devamos desistir dela só porque emplacamos dois ou três consensos progressistas e porque a extrema direita aprendeu a explorar as redes sociais.
“De que planeta você veio”, indagou Ary Barroso em 1953, ironizando a aparência de uma cantora negra e pobre em seu programaCalouros em Desfile. “Do Planeta Fome”, respondeu Elza Soares (Spotify), então com 23 anos. Essa irreverência, somada ao talento incomum, marcou uma longa carreira que se encerrou ontem, com amorte da cantora, aos 91 anos. Elza não estava brincando na resposta a Ary. Àquela altura já era viúva, perdera para a desnutrição dois filhos recém-nascidos e tivera outra sequestrada — só a reencontraria 30 anos depois. Mas o sonho de cantar era maior. O sucesso viria em 1959, com o sambaSe Acaso Você Chegasse(Spotify). Graças à experiência como crooner nos anos 1950, Elza também dominava o jazz e a Bossa Nova, e logo era uma artista reconhecida internacionalmente. Ao longo dos anos 1970, emplacou sambas tradicionais de sucesso, comoSalve a Mocidade(Spotify), mas entrou na década seguinte no ostracismo. Voltou aos holofotes graças a Caetano Veloso, com quem cantouLíngua(Spotify), do álbumVelô, de 1984. Em 1999, a BBC inglesa a escolheu A Voz Brasileira do Milênio. Era suficiente? Não, Elza manteveintensa produção, interagindo com artistas de todos os estilos e gerações. “Eu sempre quis fazer coisa diferente, não suporto rótulo, não sou refrigerante”, brincava. Lançou seu último trabalho em 2019, chamado exatamentePlaneta Fome(Spotify). “O negócio é caminhar. Eu caminho sempre junto com o tempo”, dizia. Segundo a família, ela morreu em casa, de causas naturais. (g1)
Elza produziu até o fim. Literalmente. Dois dias antes de morrer gravou um DVD de memórias e ainda deixou prontos dois documentários e um álbum de canções inéditas falando da crise política brasileira, previsto para agosto. “Elza queria lançar este álbum antes da eleição presidencial, e a vontade dela será cumprida”, diz Pedro Loureiro, empresário da cantora. (Folha)
“Deusa”, “guerreira, “gigantesca”. Com palavras assim, todas justas, fãs e colegas usaram as redes sociais para lamentar a morte da estrela. (UOL)
O prefeito do Rio, Eduardo Paes, decretou luto oficial de três dias pela morte da cantora, e o governador Cláudio Castro ofereceu o Theatro Municipal - que, apesar do nome, é do estado - para o velório. (Metrópoles)
Ponto final. Elza morreu no mesmo dia, exatos 39 anos depois, de Mané Garrincha, craque das copas de 1958 e 1962, com quem foi casada entre 1966 e 1982 e que sempre considerou seu grande amor. (g1)
“No nosso gabinete é consenso a obrigatoriedade de os pais vacinarem os filhos. Não só para a covid-19, mas todas as outras. Não temos nenhuma dúvida que a Constituição Federal pondera a liberdade de crença, religião, convicção dos pais, inclusive na criação de seus filhos. Porém, em contraponto com o bem jurídico da integridade física e saúde das crianças, que prepondera e indica de forma muito clara a obrigatoriedade de os pais de vacinarem seus filhos, especialmente agora”, pontuou.
Nesta quarta-feira, 19, Lewandowski oficiou os procuradores-gerais de Justiça dos 26 Estados e do Distrito Federal sobre o assunto. A determinação considerou previsões na Constituição e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) sobre os direitos das crianças e adolescentes – entre eles, a vacinação.
O procurador explicou que a postura inicial será, no primeiro momento, de diálogo entre o promotor e os responsáveis pelo menor, seguida de advertência por não imunizar a criança. “A partir daí, prosseguindo com ações injustificadas, procedimentos específicos serão aplicados, que podem chegar a punições (mais severas), como advertências, multas e até perda temporária do poder familiar, o que não esperamos que aconteça”, ponderou. Leia a entrevista completa:
Como o Ministério Público de São Paulo irá cumprir a determinação do ministro Lewandowski referente a vacinação das crianças?
Já estamos trabalhando dessa forma, tenho me pronunciado na imprensa, feito recomendações. No nosso gabinete, é consenso a obrigatoriedade dos pais vacinarem os filhos. Não só para a covid, mas com todas as outras. Não temos nenhuma dúvida que a Constituição Federal pondera o bem jurídico; liberdade de crença, religião, convicção dos pais, inclusive na criação de seus filhos; em contraponto com o bem jurídico da integridade física e saúde das crianças, que prepondera e indica de forma muito clara a obrigatoriedade de os pais de vacinarem seus filhos, especialmente agora.
Já há investigações de recusas de vacinação infantil em andamento?
A vacinação começou esta semana. A expectativa é que os casos possam aparecer nos próximos dias. O fluxo é o indicado pelo ministro, esperamos que as escolas possam informar aos conselhos tutelares e, na sequência, o Ministério Público possa ser acionado para as providências cabíveis.
Como será a atuação? Cada caso será tratado de forma específica ou existe determinação mais genérica?
Penso que cada caso é um caso, pois pode ter justificativa de ordem médica para a não vacinação. É raro, mas pode acontecer. E dessa forma não é caso para conselho tutelar ou Ministério Público atuar. Agora, não tendo justificativa médica plausível para a recusa dos pais, podemos atuar e promotor irá agir nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
De qual forma isso irá acontecer?
O promotor deve chamar esse pai em primeiro lugar para um diálogo e dar uma advertência na forma de proceder com a vacinação. Em seguida, prosseguindo com ações injustificadas, ações específicas serão tomadas, como punições, advertências e até a perda temporária do poder familiar, o que não esperamos que aconteça.
Em caso da perda tutelar, com quem a criança fica?
Quando ocorre por qualquer razão a perda do poder familiar, a criança é colocada sob tutela de outros adultos, que tenham capacidade para isso. Pode ser um tio, avô, entre outros. Insisto que é uma medida que esperamos não acontecer. É um debate que, particularmente, acho absurdo. Funcionamos aqui em São Paulo orientados por um comitê de crises composto por médicos do mais alto gabarito. Eles nos dão a mais absoluta segurança de que não existe nenhum risco com a vacina em adultos e crianças.
As escolas de São Paulo deverão exigir a carteirinha de vacinação?
Sem dúvida. Sustentei oralmente no STF, há um ano, casos que os pais se recusavam a dar qualquer tipo de vacina aos filhos. O Supremo consolidou a tese no sentido de que os responsáveis são obrigados a vacinar e, portanto, as escolas devem exigir a carteirinha. Isso envolve a saúde coletiva. Uma vez vacinada, as crianças ajudam a frear a cadeia de contaminação.
Qual será o papel dos conselhos tutelares nesse novo contexto?
Normalmente, os conselhos são acionados quando se verifica a violação dos direitos da criança, como é o caso da não vacinação. Podem ser chamados para fazer a averiguação para, em seguida, encaminhar ao Ministério Público. É uma ação conjunta visando que as providências sejam tomadas.