Com a variante Ômicron já espalhada pelo País, o médico sanitarista Gonzalo Vecina calcula que o número de casos de covid continuará alto por duas ou três semanas. Ele adverte que medidas para diminuir a transmissão do vírus são necessárias – e a volta da meninada à escola está nesse debate. “É preciso discutir postergar o início das aulas para quando todas as crianças tiverem tomado a primeira dose”. Professor da Faculdade de Saúde Pública da USP e ex-presidente da Anvisa, Vecina afirma que não se pode deixar toda a população ser contaminada porque isso lota os hospitais: “Só a vacina pode impedir o caos hospitalar”. Leia a seguir trechos da entrevista concedida à repórter Paula Bonelli, por videoconferência, na semana passada.
Quando todas as crianças serão vacinadas?
Depende de governo. Tem que comprar vacina e aprovar a do Butantan. A Pfizer liberou 6 milhões de doses, são necessárias 40 milhões, tem 12 milhões aí da Coronavac. Precisa-se de mais vacinas e rapidamente. Nas próximas duas semanas, haverá reflexos a serem observados no número de casos em crianças. É preciso discutir sobre postergar o início das aulas para quando todas as crianças já tiverem tomado a primeira dose. A tendência normal seria voltar às aulas assim mesmo. Mas, como essa doença é muito contagiosa, provavelmente vai atrasar um pouco até todas as crianças terem pelo menos essa primeira dose.
Não faria sentido deixar toda a população se contaminar, já que a gravidade do contágio pela Ômicron é menor?
Não, isso iria lotar os hospitais. É preciso diminuir a possibilidade de transmissão do vírus sempre que possível, e por isso vacinar as crianças antes de elas irem para a escola também é importante. Só a vacina pode impedir o caos hospitalar.
Qual o seu balanço do quadro atual da pandemia?
Haverá esse pico imenso de casos por duas ou três semanas, como aconteceu na África do Sul. E se todo mundo for para uma UPA, para um pronto-socorro, não vai ter solução, não tem assistência hospitalar e teste para tanta gente. A recomendação é, se está gripado, fique em casa, pode ser Ômicron ou H3N2. Se piorar, vá ao hospital. Trate como as gripes que sempre teve a vida toda. Use antitérmicos, analgésicos, e não tome ácido acetilsalicílico, o famoso AAS. A hidratação e a alimentação são fundamentais.
A 3.ª dose da vacina não evita a variante Ômicron?
Não evita, a única coisa que ela e as duas doses conseguem fazer é, na grande maioria, impedir doença grave, hospitalização e morte. A Ômicron não dribla as vacinas do ponto de vista de doença grave e morte.
O sr. prevê novos picos de mortes como os de 2021?
Aconteceu na África do Sul, agora ocorre na Europa, nos Estados Unidos há um aumento exponencial do número de casos, e também no Brasil. Não tem muito caso grave, mas muita gente que precisa se internar por não estar conseguindo engolir por causa de inflamação aguda na garganta ou porque a febre está alta. Se é um hipertenso, diabético, obeso mórbido, cardiopata, transplantado, está fazendo quimioterapia ou tem uma doença que baixa a sua imunidade, um lúpus, significa que está num equilíbrio clínico instável e que a covid pode derrubar esse equilíbrio.
Quais são os maiores gargalos no Brasil para o enfrentamento da pandemia?
Precisa de governo para explicar em quais situações as pessoas devem ir ou não ir para o hospital, fazer ou não testes. Hoje o Ministério da Saúde está pedindo para a Anvisa liberar o autoteste, que é bem mais barato do que o de farmácia e tem lá sua eficácia. Quando for liberado, os produtores vão ter que pedir para fazer o registro para depois vender. Se tudo correr muito bem em um mês vai haver esse autoteste, que custa dois euros na Europa.
A pandemia está no fim?
Falta terminar de vacinar as crianças. Uma pandemia acaba quando acabam os suscetíveis. Dada a capacidade que essa pandemia tem de produzir variantes, não está muito certa a história da imunidade de rebanho. Porque se aparece uma variável nova todo mundo volta a ser suscetível. Com a Ômicron reproduzindo tão rapidamente, e sabendo que uma variante é fruto de um erro probabilístico, existe, sim, uma chance de ocorrer uma variante mais competente. Por outro lado, se a Ômicron varrer o mundo e nós conseguirmos nos vacinar, talvez estejamos chegando ao fim da pandemia.