Com frequência demais, debatemos intensamente o problema das informações falsas que circulam no ambiente digital. Falamos também de ondas de cancelamentos. Do processo de radicalização provocado em alguns ambientes. Mas há um tema sobre o qual raramente discutimos, até por ser mais sutil. A maneira como os algoritmos das redes sociais, o Twitter em particular, lidam com debates faz com que eles se tornem uma máquina de dissenso. Uma máquina de desmonte de consensos.
Democracia tem uma lógica que não é difícil de compreender. Ideias vão sendo lançadas na sociedade. Por vezes, essas ideias são a descoberta de um novo problema. Ou a percepção de ângulos novos para encarar problemas conhecidos. Pode ser igualmente uma sacada de como resolver algo. Grupos políticos abraçam umas ideias, rejeitam outras. Um debate se estabelece, argumentos são lançados e, aos poucos, vai se formando um consenso.
Claro, não há consensos absolutos. Mas ocorre de maiorias se formarem ao redor de determinadas ideias.
É isso que move democracias. Quando funcionam bem, são máquinas bem azeitas que incentivam o surgimento dessas novas ideias, acolhem o debate a seu respeito, e facilitam o processo que permita, com a consolidação dessas maiorias, que passemos da ideia à ação. Vários dos instrumentos democráticos servem para esse propósito. As liberdades de expressão e de imprensa, formação de partidos políticos, eleições regulares em que oposição e situação disputem a oportunidade de chegar ao governo. Tudo serve a isso. Ao estímulo do debate amplo, franco, aberto, sobre as coisas da sociedade.
Mas lance um tuíte à “tuitosfera”. Um algoritmo de aprendizado de máquina, que é a inteligência artificial (IA), imediatamente definirá quem será exposto àquela mensagem. Quantas pessoas serão expostas. Seu objetivo é um só: fazer com que as pessoas voltem ao Twitter. É assim ali, como é no YouTube, como é no Facebook, como é no Instagram, por aí vai.
Ninguém programou ativamente para que o algoritmo se comportasse dessa maneira. Esses programinhas aprendem com a prática. Ele tem um objetivo e se esforça para atendê-lo.
Assim, o tuíte lançado à rede não é apresentado a gente que fique indiferente a ele. É apresentado a dois grupos. Aqueles que ficarão indignados e aqueles que concordarão entusiasticamente. A hipótese de gerar consenso é zero. O que qualquer ideia um pouco mais diferente formará é o contrário: vai provocar uma luta que derramará muito sangue virtual.
Porque há um mecanismo discreto que opera em paralelo. Mesmo que o distinto tuiteiro busque ativamente o diálogo, e comece a conversar com cada um que ele sinta ter levantado um contra-argumento honesto, imediatamente se forma no entorno daquele diálogo uma torcida. Gente de um lado e do outro acusando os dois engajados no diálogo de heresia.
Sim, porque em todas as redes se há algo que funciona é a sinalização de virtude. O curtir, o republicar, o comentar para avisar a todos de sua tribo que a cartilha está sendo seguida à risca. Qualquer um que escape à cartilha, aos dogmas tribais, é imediatamente apontado em seu deslize. A máquina que estimula a sinalização de virtude é uma que também intimide qualquer um que escape a fórmulas predeterminadas. Ou seja: ideologias são congeladas.
O problema é que sociedades avançam justamente quando dogmas são quebrados, consensos antigos são desfeitos em detrimento dos novos. Sociedades avançam quando há o estímulo a se mudar de ideia. No Twitter, há plena consciência do problema – o CEO Jack Dorsey já falou dele publicamente. A solução prometida, porém, segue ausente. Hoje, ganha audiência o polêmico que quer só provocar.
*É JORNALISTA