quinta-feira, 15 de julho de 2021

O QUE A FOLHA PENSA Política sem panaceia.

 


Sempre que as instituições passam por algum estresse, surgem propostas de mudanças profundas do sistema político. No Brasil, por muito tempo, era o parlamentarismo que fazia as vezes de panaceia. Mais recentemente, começou-se a falar em semipresidencialismo.

Trata-se de um regime em que convivem um presidente com poderes, normalmente eleito pelo voto direto, e um primeiro-ministro, encarregado do dia a dia da administração, que responde ao Parlamento. Como em todos os arranjos do gênero, há prós e contras.

PUBLICIDADE

No contexto brasileiro, a vantagem seria conciliar o pendor nacional por eleições diretas para presidente —evidenciado nos plebiscitos de 1963 e 1993, quando a sociedade optou pelo presidencialismo— com virtudes do parlamentarismo, notadamente a maior responsabilização do Congresso e a agilidade na solução de crises.

Pelo lado negativo, o semipresidencialismo tende a promover uma certa confusão entre as responsabilidades do presidente e do premiê. Outro ponto fraco potencial é a coabitação (quando os dois líderes máximos pertencem a grupos políticos rivais), que pode levar a períodos difíceis, marcados por imobilismo e obstruções.

Se o Brasil tivesse sido descoberto ontem e estivéssemos debatendo qual sistema político adotar, o semipresidencialismo seria uma alternativa. Entretanto o país já conta com um sistema político que, a despeito de seus problemas peculiares, está longe de ser inviável.

Um erro comum quando se está em busca do ideal é menosprezar os custos de mudanças, em especial se elas forem muito profundas. Um novo regime demandaria um novo período de aprendizado por parte de eleitores e políticos, durante o qual o desempenho dos atores tende a ser subótimo.

Foi por considerações como essa que esta Folha deixou a defesa do parlamentarismo e decidiu adotar uma posição mais realista, com o apoio a aperfeiçoamentos sucessivos do sistema atual que tragam ganhos incrementais.

Alguns deles, como a cláusula de barreira e o fim das coligações em eleições proporcionais, estão tecnicamente em vigor. Se essas regras forem mantidas, deverão resultar na diminuição do número de partidos políticos, o que em tese favorecerá a formação de coalizões mais estáveis e com menor custo de administração.

O risco que corremos é que parlamentares por demais adaptados ao modelo ameaçam promover uma reforma política capaz de reverter, no todo ou em parte, as medidas salutares já contratadas.

editoriais@grupofolha.com.br

Ninguém errou tanto, OESP

 William Waack, O Estado de S.Paulo

15 de julho de 2021 | 03h00

CPI da Pandemia deve estar enchendo os olhos dos modernos historiadores, segundo os quais depende sobretudo da ação humana a gravidade das consequências de qualquer desastre de causas naturais (terremoto, erupção vulcânica, pandemia). Catástrofes como a da covid-19 apenas acentuam o que já existia. No caso do governo brasileiro, tal como a CPI vem expondo, a pandemia agravou uma extraordinária inépcia governamental.

“Extraordinária” pois outros governos em outros países também erraram, mas só o brasileiro conseguiu falhar nas cinco categorias de más práticas políticas enumeradas por Niall Ferguson em Doom (Ruína), que acaba de publicar sobre a maneira equivocada como sociedades e países enfrentaram catástrofes, especialmente a atual pandemia. As cinco categorias são: a) incapacidade de aprender da História; b) falta de imaginação; c) tendência de se orientar pela crise mais recente; d) subestimação da ameaça; e) procrastinação à espera de uma “certeza” que nunca se materializa.

Bolsonaro
Presidente Jair Bolsonaro. Foto: Adriano Machado/Reuters

Nesse contexto, prevaricação nem é o maior dos crimes, se a palavra “crime” for entendida no significado mais amplo, do mal causado a um país, seus habitantes e seu futuro. Não é consolo algum para quem perdeu entes queridos na tragédia da pandemia no Brasil, mas essa psicologia da incompetência ao lidar com um desastre cobra um preço fatal também do político que dela padece. Outro errático no enfrentamento da doença, Donald Trump tinha economia forte, emprego alto e adversários confusos, e perdeu a eleição.

O vírus derrotou Jair Bolsonaro politicamente. É impossível entender seu assombroso (dado o tamanho da onda disruptiva que o elegeu em 2018) derretimento sem levar em conta o profundo impacto psicológico do fracasso no combate à pandemia. O presidente não tem capacidade intelectual nem o instinto político para entender exatamente o que está acontecendo, o que o impede também de enxergar como suas reações desequilibradas (política e psicologicamente) pioram em vez de atenuar um quadro político-eleitoral que lhe é hoje francamente desfavorável e, com alta probabilidade, também irreversível.

Forma-se em elites dirigentes empresariais envolvidas no jogo político uma curiosa noção segundo a qual Bolsonaro é o único fator que explica o sucesso de Lula nas pesquisas de intenção de voto. Portanto, para evitar uma vitória de Lula, o caminho evidente seria tirar Bolsonaro do páreo eleitoral, eventualmente através de impeachment. Por enquanto esse caminho parece distante por uma série de motivos, entre os quais predomina a ausência de uma “massa crítica política” no Legislativo.

Mas esses dois fatos – o derretimento político-eleitoral de Bolsonaro e a imprevisibilidade associada a seu desequilíbrio – estão forçando os vários atores políticos a calcular talvez antes do que julgassem necessário o pós-Bolsonaro, seja por um impeachment, seja por uma derrota eleitoral que se antevê acachapante. No atual contexto (admita-se, bastante volátil) parece que só Bolsonaro leva ele mesmo à guilhotina, especialmente se partir para um tudo ou nada golpista. 

A antecipação da candidatura de Rodrigo Pacheco é um sintoma dessa mudança de calendário de tomada de decisões. Os operadores políticos cheiraram uma atmosfera que parecia pouco provável dois meses atrás, quando muitos trabalhavam com uma espécie de inevitabilidade do confronto Lula-Bolsonaro – inclusive os próceres do Centrão, para os quais a diminuição de chances eleitorais de Bolsonaro amplia sua força de chantagem, mas é perigosa nas eleições que também terão de enfrentar.

Provavelmente também Lula terá de alterar seus cálculos políticos, até aqui bastante simples: como formar uma aliança de “centro” para derrotar o presidente, algo que surgia tão “natural” quanto “inevitável”. Não existe nem um nem outro em História, ensina Niall Ferguson.

JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN


quarta-feira, 14 de julho de 2021

Proposta dá ao plenário da Câmara possibilidade de iniciar análise de impeachment, OESP

 André Shalders, O Estado de S.Paulo

14 de julho de 2021 | 16h28

BRASÍLIA – No Brasil, o presidente da Câmara dos Deputados ocupa uma das cadeiras mais poderosas da Esplanada. É ele quem decide quais projetos de lei serão votados e também quando – e se – algum pedido de impeachment será analisado pelos outros 512 colegas. Em relação ao impedimento, está em discussão no Congresso a ideia de que o processo contra o presidente da República possa começar a tramitar se tiver a assinatura da maioria dos deputados.

No começo do mês, a deputada Adriana Ventura (Novo-SP) e outros deputados da sigla apresentaram um projeto de resolução (PRC) que pretende mudar o poder absoluto do presidente da Câmara em relação ao impeachment. Pela proposta, o presidente da Câmara teria um prazo total de sessenta dias para dar resposta aos pedidos de impeachment. E mais importante: o ato contra o presidente da República poderia começar a tramitar ao receber o apoio da maioria absoluta dos deputados, ou seja, 257.

ctv-9hw-jair-bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro.  Foto: Adriano Machado/REUTERS

Até esta terça-feira, dia 13, o presidente Jair Bolsonaro tinha contra si 130 pedidos de impeachment, recebidos pela Secretaria-Geral da Mesa da Câmara desde o começo do mandato dele, em janeiro de 2019. Alguns foram descartados por problemas técnicos, mas a maioria estava “em análise”, isto é, aguardando despacho do atual presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Nem ele e nem seu antecessor no cargo, Rodrigo Maia (DEM-RJ), analisaram o mérito de nenhum dos pedidos até agora.

Além de Adriana, outros quatro deputados do Novo, um partido de direita liberal, assinam a proposta: Paulo Ganime (RJ) Alexis Fonteyne (SP), Tiago Mitraud (MG) e Vinicius Poit (SP).

O requerimento representa a adesão de uma parte da direita a uma ideia que já era defendida por partidos de esquerda que fazem oposição a Bolsonaro: a de que o presidente da Câmara não pode ter o monopólio sobre o tema do impeachment. 

Pedidos anteriores com o mesmo objetivo do apresentado pelo Novo já tinham sido feitos pelos deputados Henrique Fontana (PT-RS), em maio deste ano; e Denis Bezerra (PSB-CE), em maio de 2020. Como a proposta do cearense é a mais antiga, os outros dois projetos foram apensados a ela.

‘Falta de prazo para impeachment não é saudável’

“O que a gente está discutindo é que, se a Câmara é a Casa do Povo, esta Casa não pode ficar à mercê da vontade de uma única pessoa, que é o seu presidente. Não é porque é este presidente (Arthur Lira). É qualquer presidente da Câmara. Ele tem um poder absurdo. Decide o que entra ou não em pauta, o que vai ou não para frente”, diz Adriana Ventura ao Estadão.

“O que o projeto de resolução busca é dar um prazo para isto (decisão sobre os pedidos de impeachment). Isto (protelação indefinida) não é saudável. Qual o sentido disso?”, questiona ela.

“O projeto de resolução dá 30 dias, que podem ser prorrogados por mais 30, para que o presidente analise. Se arquiva, ou se instala a Comissão Especial (que começa análise do pedido de impeachment), como prevê o Regimento (Interno). O problema é não ter nada que obrigue o presidente da Casa a fazer isto. Hoje, se ele quiser deixar anos engavetado ele deixa”, diz ela.

Assim como outros tipos de projetos, a tramitação de um PRC deste tipo depende da Mesa Diretora da Casa, comandada por Lira. No caso dos projetos de resolução (PRCs), como o apresentado pelo Novo e pelos deputados do PT e do PSB, a tramitação começa pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Na opinião de Adriana Ventura, um pedido de impeachment que alcance o apoio de mais da metade dos deputados teria legitimidade suficiente para, ao menos, ser analisado pela Câmara — no rito do impeachment, o julgamento do mérito é feito depois, pelo Senado. “Vamos supor que tenha um pedido de impeachment com 257 deputados apoiando. A gente está falando da maioria da casa. Neste caso, vai direto para a Comissão Especial. O projeto de resolução estabelece isso, que eu acho que é justo”, diz ela.