William Waack, O Estado de S.Paulo
15 de julho de 2021 | 03h00
A CPI da Pandemia deve estar enchendo os olhos dos modernos historiadores, segundo os quais depende sobretudo da ação humana a gravidade das consequências de qualquer desastre de causas naturais (terremoto, erupção vulcânica, pandemia). Catástrofes como a da covid-19 apenas acentuam o que já existia. No caso do governo brasileiro, tal como a CPI vem expondo, a pandemia agravou uma extraordinária inépcia governamental.
“Extraordinária” pois outros governos em outros países também erraram, mas só o brasileiro conseguiu falhar nas cinco categorias de más práticas políticas enumeradas por Niall Ferguson em Doom (Ruína), que acaba de publicar sobre a maneira equivocada como sociedades e países enfrentaram catástrofes, especialmente a atual pandemia. As cinco categorias são: a) incapacidade de aprender da História; b) falta de imaginação; c) tendência de se orientar pela crise mais recente; d) subestimação da ameaça; e) procrastinação à espera de uma “certeza” que nunca se materializa.
Nesse contexto, prevaricação nem é o maior dos crimes, se a palavra “crime” for entendida no significado mais amplo, do mal causado a um país, seus habitantes e seu futuro. Não é consolo algum para quem perdeu entes queridos na tragédia da pandemia no Brasil, mas essa psicologia da incompetência ao lidar com um desastre cobra um preço fatal também do político que dela padece. Outro errático no enfrentamento da doença, Donald Trump tinha economia forte, emprego alto e adversários confusos, e perdeu a eleição.
O vírus derrotou Jair Bolsonaro politicamente. É impossível entender seu assombroso (dado o tamanho da onda disruptiva que o elegeu em 2018) derretimento sem levar em conta o profundo impacto psicológico do fracasso no combate à pandemia. O presidente não tem capacidade intelectual nem o instinto político para entender exatamente o que está acontecendo, o que o impede também de enxergar como suas reações desequilibradas (política e psicologicamente) pioram em vez de atenuar um quadro político-eleitoral que lhe é hoje francamente desfavorável e, com alta probabilidade, também irreversível.
Forma-se em elites dirigentes empresariais envolvidas no jogo político uma curiosa noção segundo a qual Bolsonaro é o único fator que explica o sucesso de Lula nas pesquisas de intenção de voto. Portanto, para evitar uma vitória de Lula, o caminho evidente seria tirar Bolsonaro do páreo eleitoral, eventualmente através de impeachment. Por enquanto esse caminho parece distante por uma série de motivos, entre os quais predomina a ausência de uma “massa crítica política” no Legislativo.
Mas esses dois fatos – o derretimento político-eleitoral de Bolsonaro e a imprevisibilidade associada a seu desequilíbrio – estão forçando os vários atores políticos a calcular talvez antes do que julgassem necessário o pós-Bolsonaro, seja por um impeachment, seja por uma derrota eleitoral que se antevê acachapante. No atual contexto (admita-se, bastante volátil) parece que só Bolsonaro leva ele mesmo à guilhotina, especialmente se partir para um tudo ou nada golpista.
A antecipação da candidatura de Rodrigo Pacheco é um sintoma dessa mudança de calendário de tomada de decisões. Os operadores políticos cheiraram uma atmosfera que parecia pouco provável dois meses atrás, quando muitos trabalhavam com uma espécie de inevitabilidade do confronto Lula-Bolsonaro – inclusive os próceres do Centrão, para os quais a diminuição de chances eleitorais de Bolsonaro amplia sua força de chantagem, mas é perigosa nas eleições que também terão de enfrentar.
Provavelmente também Lula terá de alterar seus cálculos políticos, até aqui bastante simples: como formar uma aliança de “centro” para derrotar o presidente, algo que surgia tão “natural” quanto “inevitável”. Não existe nem um nem outro em História, ensina Niall Ferguson.
JORNALISTA E APRESENTADOR DO JORNAL DA CNN
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