segunda-feira, 8 de março de 2021

Incidência de covid em escolas públicas e particulares de SP é menor que a média do Estado, OESP

 Renata Cafardo, O Estado de S.Paulo

08 de março de 2021 | 18h02

 A incidência de covid nas escolas públicas e particulares desde a primeira semana de janeiro foi de 41 casos por 100 mil habitantes , enquanto no Estado de São Paulo é de 1.393 por 100 mil, mais de 30 vezes maior. Os dados são da Secretaria Estadual de Educação, que criou um sistema de notificação e monitoramento para ser acessado obrigatoriamente pelas escolas quando houver estudantes e profissionais sintomáticos ou já com resultado do teste. Foram 4.084 casos confirmados de alunos ou profissionais contaminados nesse período, desses 59% na rede estadual e 37% na particular.

O Estado tem cerca de 9 milhões de alunos nas redes pública e privada. Foram notificadas 21 mortes, de 2 alunos e 19 servidores. Segundo a secretaria, os casos ainda estão sendo investigados para saber se houve, de fato, relação com a escola ou se eles já haviam se infectado antes da abertura. Cerca de 2 mil do total de 29 mil escolas paulistas notificaram casos confirmados, a maior parte na rede pública. Desde que as aulas presenciais foram autorizadas, esse é o primeiro estudo sobre covid na educação do Estado.

Escolas
Aula durante a pandemia do novo coronavírus Foto: Werther Santana/Estadão

"São dados preliminares, mas que mostram que a escola é, sim, um ambiente seguro e deve ser parte de um processo de abertura", disse o epidemiologista Wanderson de Oliveira, ex-secretário do Ministério da Saúde e coodenador da Comissão Médica da Educação do Estado de São Paulo, que auxilia a secretaria na abertura das escolas. As educação foi autorizada a funcionar no dia 1 de fevereiro em São Paulo, quando a rede particular começou as aulas presenciais. A estaduais foram em 8 de fevereiro.

A partir dos dados do Sistema de Informação e Monitoramento da Educação para Covid-19 (Simed), também foi possível analisar que, em regiões do Estado onde há mais contaminação, as escolas também tiveram maior número de casos, como em Araraquara e São José do Rio Preto. "É importante olhar onde essa correspondência ocorreu, mas também onde não ocorreu, para investigar e tomar medidas mais restritivas, como fechar escolas se houver mesmo mais transmissão", diz Oliveira. Uma delas é a região de Itapeva, no sul do Estado.

"É natural que se tenha caso, ninguém prometeu risco zero. Mas esperamos que seja inferior ao da comunidade envimos que é infinitamente menor", afirma. Oliveira explica que a intenção é, em breve, ligar totalmente o sistema da educação com o da saúde para que haja acompanhamento dos casos. Atualmente, a escola apenas notifica e aguarda que a unidade de saúde local tome as providências sobre tratamento e testes. O próprio aluno ou professor que tiver um exame confirmado para covid depois precisa comunicar a escola. A rede privada, no entanto, tem pago testes para seus funcionários em caso de suspeita, o que torna a notificação mais efetiva.

Dessa forma, apesar da rede privada representar só 20% do sistema de ensino no Estado, 30% dos 24.345 casos notificados (confirmados ou não) vieram dela. Entre os confirmados, a maioria é de mulheres - algo que segue o perfil de profissionais das escolas. A maior parte tem entre 40 e 49 anos.

Para a pediatra Luciana Becker, que também faz parte da comissão, os dados podem ajudar as famílias a decidir sobre enviar ou não os filhos às aulas presenciais. O sistema pode também ajudar a rastrear os contatos que um aluno infectado teve, com cruzamento de dados de diários de classe digitaisNeste momento, no entanto, Estado está em fase vermelha e o secretário da Educação, Rossieli Soares, pediu que apenas os "alunos que mais precisam" frequentem a escola.

O infectologista pediátrico Renato Kfouri, que não participou do estudo, diz que ele é importante porque demonstra, assim como outros internacionais, que a escola não aumenta a transmissão na comunidade. Mas diz que a população na educação é majoritiamente de crianças, que se infectam menos e tem também menos sintomas, por isso é esperada uma incidência mais baixa.

Dados internacionais indicam que as crianças representam cerca de 2% dos casos de covid. Segundo estudo da Fiocruz sobre abertura das escolas, há 51 casos por 100 mil habitantes de crianças de menos de 14 anos na França.

"Defendo que a escola seja a última a fechar, mas talvez a gente esteja já bem perto desse momento", diz Kfouri. Ele acredita que a educação deveria ter começado a funcionar em setembro, quando o número de casos e mortes havia caído no País. "Nesse momento de pré-colapso um caso a mais pode ser ser muito prejudicial".

Seca reduz produção agrícola e atrasa colheitas no país, FSP

 Marcelo Toledo

RIBEIRÃO PRETO e CURITIBA

Cana-de-açúcar, grãos, laranja, café. Algumas das culturas responsáveis pela força do agronegócio nacional, elas sofreram o impacto da seca nos últimos meses, que reduziu a produção, causou mortes de plantas e provocou atrasos na colheita.

Enquanto há usinas produtoras de etanol e açúcar no centro-sul retardando o início da moagem na expectativa de que a planta se desenvolva e diminua as perdas, no Nordeste produtores tentam meios de construir açudes para evitar a morte de canaviais.

Enquanto isso, em outros estados, produtores de grãos lamentam duplamente: primeiro a seca no fim do ano passado, que atrasou o plantio, e depois a chuva em excesso, que tem prejudicado a colheita.

A produção de cana no centro-sul do país deve encolher 21 milhões de toneladas, ou 3,45% do estimado pela consultoria Datagro, em razão da seca, que fez usinas atrasarem a colheita.

A previsão é que a safra 2020/21, que termina dia 31, alcance 607 milhões de toneladas, mais que os 586 milhões estimados para a próxima safra, afetada pelas chuvas abaixo da média dos últimos 30 anos.

Imagem mostra pés de laranja pequenos, com frutas murchas, ao lado de uma estrada de terra
Pomar novo de laranja afetado pela seca no interior paulista; fruta não se desenvolveu e murchou - Divulgação

Além da disponibilidade menor, a qualidade da cana também será pior, segundo Plinio Nastari, presidente da Datagro, devido a incêndios que atingiram as lavouras.

A consequência é atraso no reinício da moagem, já que algumas usinas optaram por deixar a cana se desenvolver mais para compensar o atraso provocado pela seca.

“Esse atraso faz com que os estoques de açúcar e etanol fiquem mais apertados. O aumento da gasolina nas refinarias, transmitido às bombas, faz com que abra um espaço de alta no etanol, porque o estoque está ficando cada vez mais curto", diz Nastari. Ele afirma que não há risco de desabastecimento.

A Usina Batatais é uma das poucas que iniciou a safra, na última segunda (1º), e prevê redução na moagem, que deve alcançar 4,1 milhões de toneladas, ante 4,419 milhões da última safra —redução de 7,2%.

Segundo a usina, a seca deve afetar a produtividade, mas uma eventual regularidade nas chuvas nos próximos meses pode reduzir o impacto.

O cenário de lavouras no Nordeste do país não é diferente, o que fez com que entidades de Pernambuco buscassem o governo do estado para tentar viabilizar medidas para reduzir o impacto da estiagem.

A alternativa estudada é construir pequenos açudes nas cidades mais atingidas, como Aliança e Nazaré, que registram quebra de produção de até 50%, com custo de R$ 100 mil cada, para represar a chuva em cidades.

“A Zona da Mata seca, ao norte, teve até mortalidade de canaviais. Choveu um pouco nesta semana, amenizou, mas o que morreu não recupera”, afirmou Alexandre Andrade Lima, presidente da AFCP (associação dos fornecedores).

Segundo ele, 92% dos associados produzem menos de mil toneladas de cana por safra, ou seja, são pequenos, e não têm condições de investir.

Se a seca no fim de 2020 atrasou o plantio da soja, a chuva em excesso tem prejudicado a colheita em 2021, o que deve trazer ainda mais danos para o produtor no próximo ciclo. Entre os estados atingidos estão Mato Grosso e Tocantins.

“Tivemos de sete a oito dias de chuva sem trégua, justamente na colheita”, contou o produtor Luciano Mokfa, que possui 2.050 hectares em Silvanópolis (TO) e estima perdas de ao menos 25%.

Em Mato Grosso, além do prejuízo sobre o produto, a chuva tem imposto um desafio a mais no escoamento da safra, já que muitas estradas estão em condições precárias.

O Vale do Araguaia é uma das regiões mais afetadas. A MT-322 e a BR-158, principais rodovias de passagem dos grãos, estão intransitáveis, segundo a Aprosoja/MT (associação dos produtores).

Caminhoneiros têm ficado até três dias na fila para carregar os grãos e transportá-los até o porto do Pará.
“Também sofremos há vários anos com problemas de armazenagem, já que apenas 50% da nossa produção é armazenada, e temos pedido mais crédito para poder garantir esses armazéns”, disse Nathan Belusso, produtor em Nova Ubiratã (MT).

Segundo dados do Imea (Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária), a colheita da soja apresenta atraso de 32% em relação ao ano anterior. Assim, boa parte do milho, usado na alternância de cultura, que teria de estar plantado até fevereiro, será semeado fora da janela indicada.

A pecuária também está de olho na safra de grãos, já que o preço da saca de milho, insumo para ração bovina, teve mais que o dobro de alta no último ano.

“Com certeza deve ter impacto, em que pese o produtor não ser quem decide o valor, é o mercado. Além do problema do insumo, há áreas no estado ainda com falta de chuvas e com vacas que não conseguiram atingir peso suficiente para procriar”, disse Francisco Manzi, diretor técnico da Acrimat (associação dos criadores).

Na região Sul do país, também há atrasos. No Paraná, segundo o Deral (Departamento de Economia Rural), até a última semana de fevereiro 8% da área cultivada foi colhida –no mesmo período de 2020, o índice era de 22%. Mesmo assim, a expectativa é que o estado gere 20,34 milhões de toneladas do grão, cerca de 2% menos do que no ano passado.

Produtores paranaenses de feijão estão colhendo prejuízos ainda maiores. Já no final da colheita, a primeira safra apresenta produção esperada de 254,5 mil toneladas, 19% menos do que o registrado no período anterior. A estiagem, primeiro, e o excesso de chuvas no final de dezembro e janeiro, depois, reduziram a produtividade e a qualidade do produto.

citricultura também foi atingida e fez com que a quebra na safra fique entre 30% e 50% para alguns produtores, dependendo da região, segundo Antônio Carlos Simonetti, presidente da ABCM (Associação Brasileira dos Citros de Mesa).

“A fruta não se desenvolveu, não ganhou peso. Em vez de ter caldo, ficou mais bagacenta, com pouco caldo, e isso postergou a colheita”, afirmou.

A safra toda, conforme o Fundecitrus (Fundo de Defesa da Citricultura), foi reestimada em 269,01 milhões de caixas (de 40,8 kg), 6,52% inferior à estimativa feita em maio.

A avaliação do setor é de que os preços deverão apresentar alta no decorrer da safra. Hoje, a caixa custa de R$ 38 a R$ 40 (laranja de mesa) e R$ 28 (indústria). "Vai ter vácuo de laranja, vai faltar fruta", disse Simonetti.

Diretor-executivo da CitrusBR (associação dos exportadores), Ibiapaba Netto afirmou que o cenário em algumas regiões foi desolador. “O fruto não se desenvolveu nos pomares e não foi possível colher para vender. Em outro, árvores morreram.”

No café, desde março de 2020 as condições estão diferentes no cerrado e no sul de Minas Gerais, com chuvas abaixo da média e irregulares, o que, aliado às altas temperaturas entre agosto e outubro, prejudicaram a planta.

Com isso, a perspectiva na área de atuação da Cooxupé, sediada em Guaxupé (MG) e maior cooperativa do mundo, é a de que a próxima safra seja inferior à de 2019 --o café é uma cultura marcada pela bienalidade, ou seja, produz muito um ano e menos no seguinte, daí a comparação ser com dois anos atrás.

A previsão de safra deste ano não está fechada, mas em 2019 foram colhidas 7,7 milhões de sacas de café. “A planta precisa de nutrição e controle de pragas e doenças no período correto. Se não tem chuva regular, atrasa a nutrição e ela não tem o desenvolvimento adequado”, disse o engenheiro agrônomo Eder Ribeiro dos Santos, coordenador do departamento de geoprocessamento da Cooxupé.


Não aprendemos, Daniel Martins de Barros, O Estado de S.Paulo

 

08 de março de 2021 | 05h00

Várias pessoas estão com a sensação de que, assim como a Terra fez em tornou do sol, a pandemia deu uma volta completa nos últimos trezentos e sessenta e cinco dias e chega em março de 2021 no mesmo ponto em que estávamos em março de 2020. Lockdowns sendo decretados em meio ao medo crescente diante da elevação do número de infectados e mortos. 

Não estamos exatamente no mesmo ponto – os óbitos se acumularam às centenas de milhares nos últimos doze meses, e no ano passado ainda levaríamos algum tempo para chegar ao pico em que agora nos vemos. Pelo lado positivo, a doença era quase totalmente desconhecida, a vacina era uma promessa distante que agora já se materializa no braço de milhões de brasileiros. Ainda assim a sensação de retrocesso, de reinício, é inescapável.

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Fase vermelha passou a vigorar neste sábado no Estado de São Paulo Foto: REUTERS/Carla Carniel

Não precisaria ser assim. Poderíamos ter evitado as novas ondas de contágio. Se ao menos fôssemos seres racionais. Porque para impedir esse caráter cíclico bastava que nosso comportamento fosse pautado pelo conhecimento da dinâmica da doença e suas formas de contágio. Então, todos agiríamos racionalmente, nos protegendo, cuidando para não sermos infectados, reduziríamos a velocidade de propagação, daríamos tempo para o desenvolvimento e aplicação das vacinas, e não haveriam mais ondas depois de finda a primeira. Bastava que fôssemos outra espécie de criatura. Porque infelizmente não é assim que o ser humano se comporta.

Em abril de 2020 eu já escrevia que o impacto emocional que então se abatia sobre a sociedade aos poucos desvaneceria. A perspectiva de vacinas, a abertura de leitos de UTI e o achatamento da curva não eliminariam os óbitos, mas os manteriam num nível no que chamei de “mortes normais”. Todo dia morrem milhares de pessoas, afinal. Desde que tenham assistência garantida e não se empilhem em nossas portas, vida que segue – para a maioria. E assim foi. Pouco tempo depois era exatamente essa a sensação no país: numa coluna de agosto eu refletia sobre a ilusão de que a pandemia havia acabado para muita gente, com a retomada progressiva da normalidade.

A queda na percepção de risco, não só pelo controle parcial das infecções como também pela redução de medo que se segue a grandes sustos iniciais, levava cada vez mais gente a se proteger cada vez menos. Era óbvio que haveria um recrudescimento. “Há modelos que explicam a partir dessa oscilação a característica cíclica das epidemias – a gente se protege inicialmente, o tempo passa, a gente relaxa, os casos aumentam, a gente se amedronta, e assim por diante”, escrevi então.

Não é uma característica só de brasileiro. Não é consequência – apenas – de decisões políticas e atitudes de lideranças. É do ser humano. Nossa cultura e nossos políticos são elementos a mais a temperar esse prato que foi servido assim em praticamente todas as epidemias (o que não exime ninguém da responsabilidade por seus atos e falas, fique claro).

Ou seja, a curva irá novamente cair. Tragicamente muitas vidas ainda serão perdidas no caminho, mas cedo ou mais tarde atingiremos um novo pico e voltaremos a ver a queda dos casos. Arrisco dizer que, dessa vez, não teremos um platô longo como o do ano passado, principalmente se a vacinação acelerar como esperamos.

Mas é só um chute. Certeza mesmo é que a proliferação das notícias atuais, de pessoas morrendo na fila das UTIs, trazendo a ameaça de uma morte anormal, uma morte não aceitável, vai impactar mais no comportamento coletivo. Parece que quem morre depois de esgotados os recursos, morreu porque era hora. Mas se isso acontece por falta de recursos a nossa responsabilidade fica mais clara, aumentando a quantidade de pessoas se protegendo melhor.

E pode esperar: quando novamente a vida estiver normal, houver vagas e respiradores para todos os doentes necessitados, quando a emoção ruim gerada por esse tsunami arrefecer, de novo as pessoas baixarão a guarda. Nós não aprenderemos a lição. A única chance é que, quando esse período chegar, as vacinas mantenham sua eficácia e tenhamos vacinado em número suficiente. Senão, apertem os cintos e se preparem para a próxima subida. 

É PROFESSOR COLABORADOR DO DEPARTAMENTO E INSTITUTO DE PSIQUIATRIA DA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (FMUSP)