sábado, 6 de março de 2021

O QUE A FOLHA PENSA - Poluição amazônica

 São Paulo é a maior cidade do hemisfério Sul, com seus mais de 12 milhões de habitantes no município. Tamanha aglomeração urbana deveria despontar também como maior fonte brasileira de gases promotores do efeito estufa, porém não é esse o caso.

O primeiro posto entre emissores de carbono, no Brasil, cabe a São Félix do Xingu (PA). E, das 10 cidades do país que mais produzem poluição climática, 7 estão na Amazônia, contrassenso explicável por vir do desmatamento e da pecuária nossa maior contribuição para o aquecimento global.

Além de São Félix, figuram na lista suja, pela ordem de colocação: Altamira (PA), Porto Velho (RO), Pacajá (PA), Colniza (MT), Lábrea (AM) e Novo Repartimento (PA). Completam a relação São Paulo (quarto lugar), Rio de Janeiro (nono) e Serra (ES), décima colocação garantida por emissões de uma siderúrgica e outras indústrias.

O ranking partiu do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa, iniciativa do consórcio de organizações não governamentais Observatório do Clima. Pela primeira vez o grupo analisou emissões individuais, setor por setor, acumuladas de 2000 a 2018 nas 5.570 cidades do Brasil.

O banco de dados constitui fonte copiosa de informações surpreendentes. São Félix do Xingu emitiu em 2018 um total de 29,7 milhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (medida que equipara a influência de outros gases, como metano, à do CO2).

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Com 132 mil habitantes, o município polui mais que países como Uruguai, Chile, Costa Rica ou Noruega. Ali se encontra o maior rebanho bovino do país, cuja digestão lança na atmosfera o metano, potente gás do efeito estufa.

Direta ou indiretamente, a pecuária representa importante indutor de desmatamento, que na localidade paraense contribuiu com 25,44 milhões de toneladas equivalentes de emissões. A floresta derrubada libera na atmosfera todo o carbono da biomassa —madeira, folhas, raízes— quando é queimada ou apodrece sobre o solo.

Não são outras as razões para cidades amazônicas dominarem o ranking. A poluição nelas produzida não afeta só o clima, cumpre assinalar, mas a própria população local, exposta à fumaça das queimadas durante boa parte do ano.

Lideranças do agronegócio costumam alegar que não é necessário desmatar mais para produzir alimentos. Só falta viabilizar tal promessa com ações concretas e políticas públicas condizentes.

editoriais@grupofolha.com.br



Hélio Schwartsman Os sapatos de Bolsonaro, FSP

Você deceparia seu dedo mindinho para curar a enxaqueca de 5 milhões de pessoas na Ásia? E se for para salvar a vida de cinco desconhecidos em sua cidade? E para salvar seu filho?

Essa incomensurabilidade das dores (e dos prazeres) é um dos problemas que assombram o utilitarismo em particular e as éticas consequencialistas em geral. O fato de a dificuldade ser real não implica que não existam situações concretas em que a solução é óbvia. Todos, afinal, reprovamos a atitude do campeão de natação que deixa de resgatar uma criança que se afoga apenas para não estragar seu par de sapatos novos.

Faço essas considerações a propósito da imposição/retirada de restrições na epidemia de Covid-19. Embora não chancele, compreendo a posição do dono de restaurante prestes a falir que se insurge contra um "lockdown". Ele está, "mutatis mutandis", na situação do sujeito que pode salvar desconhecidos cortando o próprio dedo. Fazê-lo é a coisa certa, mas não obrigatória.

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Bolsonaro, sem máscara, ao lado de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco - Pedro Ladeira/Folhapress

Bem diferente é o caso do indivíduo que se recusa a usar máscara. O incômodo de fazê-lo é real, mas mínimo. A analogia cabível é com o campeão de natação devoto de Herodes.
É com preocupação, portanto, que leio nos jornais que o Texas, onde ainda ocorrem 7.600 novas infecções e 270 óbitos por dia, revogou a obrigatoriedade das máscaras e que o presidente Jair Bolsonaro, não satisfeito em sabotar a vacinação e militar contra "lockdowns", resolveu espalhar "fake news" sobre esses equipamentos de proteção de eficácia comprovada.

Eu não sei se mandaria o nadador para a cadeia. O que esse indivíduo fez merece vívida condenação moral, mas ele em nenhum momento assumiu o compromisso de zelar pelos outros. Já Bolsonaro, quando aceitou a Presidência, se comprometeu com obrigações constitucionais e legais em relação às quais está agora se omitindo. E, pior, nem tem a desculpa de que não quer sujar os sapatos.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

 

sexta-feira, 5 de março de 2021

O berne, Luís Francisco Carvalho Filho, FSP

 O desafio é remover Jair Bolsonaro da Presidência da República.

O problema não é ideológico ou partidário e transcende a estupidez ou as pilantragens do entorno familiar.

O governo federal transforma o Brasil em “Estado pária” —o que compromete o futuro de gerações.

É preciso traçar, com absoluta nitidez, a linha divisória. Quem participa de um governo que promove esta “estratégia genocida” (palavras do biólogo Atila Iamarino) de enfrentamento à pandemia, do presidente do Banco Central ao ministro da Ciência e Tecnologia, do ministro da Saúde ao ministro da Justiça, do presidente da Caixa Econômica Federal aos generais medíocres que despacham no Palácio do Planalto, é cúmplice da mortandade diária.

Morrem no Brasil mulheres e homens que poderiam estar vivos. Quem está com Jair Bolsonaro merece a perda do sono e da paz.

A imagem repulsiva do berne, tão presente no universo rural, explica o estado das coisas.

Berne (miíase ou bicheira) é a infecção parasitária provocada por larvas de moscas (como a varejeira azul ou verde-metálica) que invadem a pele e corroem tecidos vivos, devorando até cartilagens e ossos. É raro, mas em situações extremas, quando invadem o couro cabeludo do ser humano e alcançam o cérebro, são capazes de matar.

Bernes são extirpados para o bem da saúde. Jair Bolsonaro deve ser extirpado para o bem da Saúde.

Há um ano, o presidente da República boicota sistematicamente o distanciamento social e as recomendações médicas e científicas para a contenção da Covid-19.

Na contramão das estratégias adotadas pelos organismos internacionais e por todos os governos, independentemente da coloração ideológica, Jair Bolsonaro acredita que a superação da crise depende da disseminação do vírus, sendo irrelevante a perda de vidas, tratada como efeito colateral da equação econômica.

Por isso, o presidente da República, além de minar a credibilidade de instituições e valores humanitários e democráticos, aposta no caos e estimula a desobediência a medidas adotadas por governadores e prefeitos, desconexos e atordoados, para restringir a circulação de pessoas e reduzir internações e óbitos.

Por isso, o presidente da República alerta contra a “efetividade da máscara”, para ele, o “último tabu a cair” (26/11/2020), e insiste em criar desconfiança em relação à vacina que sempre desprezou: “não vou tomar” e “ponto final” (15/12/2020).

Para empresários e para o sempre tão sensível mercado, deve gerar desconforto o olhar retrospectivo dos 25 pronunciamentos que a jornalista Maria Cristina Fernandes relaciona e sintetiza no jornal Valor Econômico (26/2/2021): “Quando o léxico também mata”.

Na quarta-feira, o país atingia a assombrosa marca de 1.840 mortes em 24 horas e Bolsonaro exclamava mais um impropério: “Chega de frescura”.

O avanço da doença no Brasil, patrocinado pelo gestor homicida, impiedoso e temerário, é uma ameaça global.

O território brasileiro se transforma em campo aberto para a proliferação de variantes virais mais agressivas e contagiosas, o que compromete os esforços planetários para a superação da crise sanitária.

O Brasil de Jair Bolsonaro é inimigo público da humanidade. Além de aprofundar o isolamento internacional que desconstrói a soberania, o país poderá ser destinatário de sanções econômicas e (em situação limite) militares.

O desafio é remover Jair Bolsonaro da Presidência da República. Logo.

Luís Francisco Carvalho Filho

Advogado criminal, presidiu a Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos (2001-2004).

lfcarvalhofilho@uol.com.br