domingo, 11 de outubro de 2020

Salles precisa sair, Editorial FSP

 O governo de Jair Bolsonaro enfrentará em semanas um bombardeio da opinião pública, doméstica e externa, no front ambiental. Em meio à proliferação de incêndios florestais, urge que indique de modo claro ao menos o início de uma nova orientação para o setor.

Aproxima-se a publicação, pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do dado anual de desmatamento da Amazônia. Não se trata do retrato do presente, porque se encerrou em 31 de julho a coleta das imagens de satélite que mostrarão em detalhe onde ocorreu corte raso da floresta desde agosto de 2019.

No período anterior, 2018-19, a devastação cresceu 34% e alcançou 10.129 km², o equivalente a metade da área de Sergipe. Agora, projeta-se que a cifra poderá ultrapassar 13 mil km², expondo o governo federal a nova saraivada de críticas.

Não será boa notícia para uma administração impotente diante do fogo que consome um quarto do Pantanal. Até terça-feira (6) contavam-se 19.215 focos de queima na planície alagável, desde janeiro, maior número registrado pelo Inpe desde 1998 e o triplo do detectado no mesmo período de 2019.

Seria tolo, decerto, atribuir toda a culpa às políticas de Bolsonaro e de seu ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A estiagem deste ano no Pantanal é a maior em décadas, e a temperatura atmosférica sobe com frequência para a casa dos 40ºC, o que torna tarefa quase impossível controlar as chamas.

A década que se encerra é a mais quente já registrada no planeta, com seu corolário de ondas de calor e secas prolongadas. Incêndios florestais devastadores têm acontecido noutras partes do planeta em 2020, como Califórnia e Austrália; em anos recentes, também na Europa e na Sibéria.

Alguns proprietários pantaneiros foram identificados como iniciadores de queimadas não autorizadas, mas não se tem notícia de iniciativa criminosa como o “dia do fogo” na Amazônia em 2019.

A tempestade perfeita, ademais, surpreendeu o poder público em condição debilitada, com as limitações impostas pela pandemia e pela penúria orçamentária.

Seria despropositado, porém, concluir que apenas a falta de recursos impediu o combate a incêndios e derrubadas. Se a situação seria difícil para qualquer governante, torna-se dramática quando gerida por um presidente negacionista da crise do clima e um ministro empenhado no desmonte da área.

Recorde-se que Salles cometeu a proeza de desmantelar o acordo bilionário do Fundo Amazônia com Noruega e Alemanha, em nome da soberania supostamente ameaçada. Em verdade, o BNDES gerenciava a aplicação dos recursos em iniciativas de combate à devastação.

Um indicador da inoperância de sua pasta está no baixo número de autuações pelo Ibama, uma fixação do presidente. O órgão definha, assim como o ICMBio, encarregado das unidades de conservação.

Fiscais são transferidos como punição por agir com rigor ou ficam indisponíveis pelo risco da Covid; a destruição legal de máquinas de infratores termina desautorizada pelo presidente e pelo ministro. Salles preenche cargos de chefia das autarquias com policiais militares inexperientes na Amazônia.

Com tal retrospecto, o ministro se associa irremediavelmente ao presente desastre pantaneiro e amazônico. Ameaça o futuro dos biomas e o prestígio do país, que vê soçobrar na voga crescente de condenação o acordo da União Europeia com o Mercosul. Faz crescer o risco de boicote internacional a commodities brasileiras.

Disparou-se o alarme. Empresas de diferentes portes e ramos de atividade se engajam na defesa da Amazônia; os setores mais arejados do agronegócio articulam a rejeição às políticas antiambientais.

Bolsonaro e seu vice, o general Hamilton Mourão, insistem na tese de uma injusta campanha contra o Brasil, como repisou o presidente na ONU. Fazem crer que tudo se resume a uma batalha de narrativas, quando é de fatos atestados por satélites que se trata.

Seja por pragmatismo comercial e diplomático, seja para manter a sustentação política de seu governo, o presidente precisa fazer um gesto mais sensato do que enterrar centenas de milhões numa aventura militar inócua na Amazônia.

O primeiro passo deve ser a saída de Ricardo Salles. Manter auxiliar com tal reputação só servirá para inspirar desconfiança permanente sobre o governo —que, após o prudente apaziguamento com o Congresso e o Supremo Tribunal Federal, precisa demonstrar que seu instinto de sobrevivência supera as obsessões ideológicas.

editoriais@grupofolha.com.br

Brasil é o país que mais expandiu gasto público em uma década, FSP

 Gustavo Patu

BRASÍLIA

Entre as principais economias do mundo, o Brasil contabilizou o maior aumento do gasto público no período que vai do final da década passada às vésperas da pandemia do novo coronavírus.

De 2008, ano de crise financeira global, até 2019, a despesa conjunta de União, estados e municípios avançou de 29,5% para 41% do PIB (Produto Interno Bruto), sem incluir na conta os encargos com juros —os maiores do planeta.

Com a evolução, o país ostenta hoje o maior aparato estatal fora da Europa —e muito superior ao de qualquer um dos principais emergentes com dados disponíveis.

Fila do lado de fora de agência da Caixa Econômica Federal na Avenida Santa Catarina na zona sul da cidade de São Paulo devido ao pagamento do auxilio emergencial do Governo Federal
Fila do lado de fora de agência da Caixa Econômica Federal na Avenida Santa Catarina na zona sul da cidade de São Paulo devido ao pagamento do auxilio emergencial do Governo Federal - Mister Shadow / ASI / Agência O Globo

As informações foram obtidas em uma base de dados do FMI (Fundo Monetário Internacional) que procura harmonizar as estatísticas orçamentárias de todo o mundo, facilitando as comparações.

O levantamento da Folha abarcou um grupo de 20 países selecionados entre as mais importantes economias globais e da América Latina.

Ficaram de fora China, Índia e Argentina, para as quais não há dados. Das três, porém, sabe-se que apenas a vizinha Argentina pode ter despesa pública comparável à brasileira.

Relativamente recentes, os dados retratam um período de alta do gasto governamental em boa parte do mundo, em reação à crise disseminada pela quebra do Lehman Brothers, em setembro de 2008.

No caso brasileiro, o choque financeiro deu início à política intervencionista das administrações do PT, e a expansão fiscal se prolongou. A adoção do teto constitucional para a despesa federal, em 2016, apenas desacelerou o aumento.

Os números permitem detectar os motivos que fazem do Estado brasileiro uma anomalia entre os países de renda média —e com participação na economia superior à verificada em potências como EUA, Japão e Reino Unido.

A escalada do gasto público nacional se deveu, principalmente, aos benefícios sociais, nos quais a metodologia do FMI agrupa ações de Previdência e assistência social.

Esses pagamentos saltaram de 9,8% para 18,4% do PIB entre 2008 e 2019 (o dado do ano passado foi apurado pelo Tesouro Nacional, com base nas diretrizes do Fundo).

Movido em especial pelos encargos com aposentadorias, o crescimento equipara hoje o gasto brasileiro com seguridade aos de países ricos com população bem mais idosa.

São muito menores as cifras em emergentes como Turquia (12,8% do PIB), Rússia (11,1%), Colômbia (7%), África do Sul (6,2%), Chile (4,9% do PIB), México (4,3%) e Peru (2,1%).

Embora não tenha passado por uma expansão comparável no período, os encargos com servidores são outra distorção dos orçamentos das três esferas de governo.

As despesas com o funcionalismo ativo, que ultrapassaram o patamar de 13% do PIB, só são superadas na Arábia Saudita e na África do Sul (o critério do FMI considera contribuições previdenciárias e outros benefícios concedidos pelo empregador).

Além disso, os pagamentos a servidores inativos e seus pensionistas, na casa dos 5% do PIB, ajudam a inflar o desembolso com benefícios sociais.

Por fim, se salários e aposentadorias respondem pelos excessos na despesa primária (não financeira), a conta de juros da dívida pública constitui uma excrescência à parte.

Na metodologia do Fundo, esse gasto caiu de 9% para 7,3% de 2018 para 2019, mas permanece sem paralelo.

Mesmo no cálculo do Banco Central, que desconta as receitas com juros do governo, os 5,1% do produto apurados no ano passado bastam para liderar o ranking global.

Em grande medida, a expansão das despesas primária e financeira está associada —o endividamento público viabilizou parcela expressiva da ampliação dos programas de governo.

A alta da dívida inspira desconfiança do mercado credor, que se reflete em alta das taxas cobradas. O gasto com juros chegou ao recorde de 11,9% em 2015, nos estertores da gestão Dilma Rousseff (PT).

Desde a adoção do teto para as despesas primárias federais, curiosamente, foram as despesas financeiras que ingressaram em trajetória de queda, graças à queda das taxas dos títulos públicos.

Esta, por sua vez, foi permitida pela persistente estagnação da economia brasileira.

O tempo de campanha de TV ainda importa?. FSP

 9.out.2020 às 23h15

Jairo Pimentel

Pesquisador do FGV Cepesp (FGV) e doutor em ciência política pela USP

Nos últimos tempos, sobretudo após a vitória de Bolsonaro, tornou-se lugar comum questionar se a TV ainda importa para as campanhas eleitorais. Na verdade, e por incrível que possa parecer, a ciência política nunca foi conclusiva em apontar que a campanha de TV seja um fator crucial para definir os resultados dos pleitos. Há certo consenso de que as campanhas são importantes para fazer variar as intenções de voto, mas a maioria dos estudos sobre o tema aponta que outras variáveis exógenas às campanhas (tais como a economia ou avaliação de governo) seriam mais relevantes para definir vencedores e perdedores dos pleitos.

A despeito dessa celeuma, é possível afirmar de maneira peremptória: mesmo no atual contexto, os candidatos mais fortes eleitoralmente tendem a ser aqueles que têm mais tempo de TV. Tomando como parâmetro as eleições para prefeito nas 26 capitais estaduais brasileiras de 2000 a 2016, observa-se que, em média, 54% dos candidatos eleitos tinham o maior tempo de TV e 81% deles tinham ou o primeiro ou segundo maior tempo de TV. Diferentemente do que se poderia supor, essa dinâmica não tem arrefecido no decorrer do tempo, com variações que parecem relacionadas à própria natureza do processo de reeleição.

Na eleição de 2000, 65% daqueles que foram eleitos tinham mais tempo de TV, enquanto em 2004 apenas 31%. Essa dinâmica provavelmente se relaciona ao fato de em 2000 termos tido a primeira reeleição para prefeitos, enquanto em 2004 esses prefeitos estavam saindo de cena pois não podiam se reeleger novamente e seus indicados, apesar de construírem um bom tempo de TV, lograram menos sucesso eleitoral. Pesquisas acadêmicas sobre o tema indicam que candidatos governistas conseguem ser mais bem sucedidos na construção de tempo de TV. Adicionalmente, outras pesquisas indicam também que quando o próprio governante busca se reeleger ele tende a ter mais sucesso do que quando indica um sucessor.

Em 2008, muitos dos prefeitos incumbentes dessas capitais buscaram a reeleição e elas vieram em nível recorde de 95%, índice impulsionado pelo ótimo momento econômico do Brasil. Em 2012, novamente os incumbentes saíram de cena, o que fez decair a relação entre os prefeitos eleitos e o primeiro maior tempo de TV, que subiu novamente em 2016, ano que marca o fim da doação empresarial e que, provavelmente, tornou o tempo de TV mais relevante para o desempenho das campanhas. A despeito dessas variações, observa-se certa estabilidade quando somados o percentual de primeiro e segundo tempo de TV entre as candidaturas vencedoras.

O tempo de campanha de TV representa assim uma ótima heurística para analisar o peso competitivo das candidaturas. Mesmo nas últimas eleições, quando muito se falou de “disrupção das campanhas eleitorais”, 56% dos governadores eleitos tinham o maior tempo de TV e 67% tinham o primeiro ou o segundo maior tempo. Os casos fora da curva foram justamente daqueles candidatos a governador que se apoiaram no bolsonarismo. Dessa forma, as vitórias de Bolsonaro e de seus correligionários parecem ser ainda hoje mais a exceção do que a regra na dinâmica das disputas eleitorais majoritárias. É possível que esse seja o novo normal e cada vez mais vejamos a emergência de "novos Bolsonaros", mas ainda hoje é mister analisarmos o tempo de TV se quisermos entender quem são os favoritos nas eleições para prefeito.