quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Seis meses de pandemia equivalem a anos de experiência em muitas dimensões da vida, Jorge Abrahão, FSP

 É quase unânime (91%) o apoio ao investimento em ciência para melhorar o futuro e antecipar respostas para futuras crises sanitárias. Está no mesmo patamar (88%) os que consideram adequado o fechamento das escolas. Esses dados fazem parte da mais recente pesquisa da Rede Nossa São Paulo com o Ibope Inteligência e mostram a valorização e a obediência à ciência que, desde sempre, trabalha em favor da vida.

As conclusões da pesquisa revelam (e impressionam justamente por isso) o grau de consciência da população paulistana sobre os impactos do novo coronavírus. Seis meses de pandemia parecem equivaler a anos de experiência em muitas dimensões da vida.

A visão de que a desigualdade atravessa todos os temas da sociedade se consolidou.

Aproximadamente oito em cada dez pessoas declararam que os estudantes têm dificuldades devido à falta de infraestrutura. As limitações para o acesso à internet, a carência de equipamentos e de um ambiente em casa que permita a concentração nas aulas denotam a desigualdade no processo educativo. Daí a necessidade do poder público considerar as condições dos alunos neste momento.

Está claro o impacto da pandemia nas condições de emprego, renda e sobrevivência. Aumentou a precarização do trabalho, dizem 77% dos entrevistados. Seis em cada dez perderam renda total ou parcial e quase a metade teve redução na jornada de trabalho. Confirma-se aqui o papel da renda emergencial.

PUBLICIDADE

Ao serem questionados sobre a quem cabe a decisão pela volta às aulas, fica evidente a importância da política como orientadora durante as crises. Quatro em cada dez disseram que a decisão cabe ao Ministério da Educação e 35%, à Secretaria Estadual de Educação. Os números deixam claro a importância de mensagens unificadas das diferentes esferas de governo. A falta disso no Brasil foi, lamentavelmente, fator agravante do número de mortes.

Nove em cada dez deram a receita para a manutenção da saúde mental: cultura, arte e entretenimento. Foram os artistas e os escritores, as músicas e os filmes, as crônicas e os romances, que seguraram a onda do isolamento e da solidão e nos transmitiram alento e conforto. O que seria de nós sem a arte e a cultura?

Se os dados estatísticos são fundamentais para a elaboração de diagnósticos, as pesquisas de percepção revelam o olhar e as expectativas da população em relação à experiência que vivenciamos na pandemia. A combinação de indicadores e da pesquisa de percepção tem potência e permite uma visão integrada e o encaminhamento de soluções que, além de estabelecer metas de melhoria, atendam às expectativas das pessoas.

Depois de seis meses desta difícil experiência que envolve medos, angústias e riscos, surgem aprendizados e ficam cada vez mais claras: a necessidade do investimento em saúde pública, na ciência e na educação; a importância de priorizar a redução das desigualdades nas cidades e no país; a necessidade de uma renda básica que supra as necessidades mínimas da população mais pobre; e o fundamental apoio à cultura, boia salva-vidas em tempos de isolamento, entre outros temas.

Ficou evidente a importância do Estado e da política na pandemia, e o poder local nas cidades foi valorizado. Daí a relevância das eleições municipais deste ano e de propostas que encaminhem soluções para a superação de problemas que, embora já existissem, se evidenciaram durante a pandemia.

Jorge Abrahão

Coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, organização realizadora da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis.

Compensação de risco e Covid-19, Esper Kallás, FSP

 Devemos usar capacete todas as vezes que saímos de bicicleta? Por que usar cinto de segurança se o carro tem air bags? Precisamos usar camisinha em toda relação sexual com parceiro casual? Depois de tomarmos vacina, ainda teremos que nos preocupar com a Covid-19?

A discussão sobre esse assunto ganhou corpo no debate de medidas de segurança na indústria automobilística, em 1975. Naquele ano, o professor emérito da Escola Booth de Administração da Universidade de Chicago, Sam Peltzman, publicou no Jornal de Política Econômica um trabalho intitulado "Os efeitos das regulamentações de segurança em automóveis". Seu argumento ficou conhecido como efeito Peltzman e diz respeito à tendência da maioria das pessoas em se tornarem mais cuidadosas quanto maior o risco percebido.

Essa teoria da compensação de risco usa a mesma linha de raciocínio, mas na via inversa: ao se sentirem mais protegidas, as pessoas tendem a minimizar o risco à sua volta e a abandonar os cuidados que antes mantinham, com isso, reduzindo o efeito da sua proteção. Trata-se de uma discussão extremamente importante, especialmente em meio à pandemia de Covid-19.

O feriado prolongado de Sete de Setembro mostrou que muitas pessoas não estão observando as recomendações de proteção contra a infecção. Para muitos, é como se a pandemia tivesse terminado.

Esse relaxamento das medidas de segurança pode vir, por exemplo, da percepção de que a epidemia está em retração. De fato, os dados da média móvel de casos e mortes diárias pela Covid-19 no país vêm apontando uma queda progressiva, porém lenta, nas últimas semanas.

Ao saber disso, muitos podem supor que, se a pandemia está diminuindo, também está diminuindo o risco ao qual todos estamos submetidos. Assim, entendem que as atitudes de proteção não são mais necessárias. Deixam de observar os cuidados com o uso de máscaras, com o distanciamento social e com a necessidade de evitar aglomerações.

É inegável o benefício que uma vacina eficaz pode oferecer ao arsenal de combate às doenças contagiosas. Mas seu efeito poderá sofrer interferência de adaptação comportamental e compensação de risco? Receber a vacina significa receber um passe livre para que se abandone o uso de máscaras e a redução da mobilidade? Essas são questões importantes envolvidas no cálculo do impacto das vacinas contra o novo coronavírus.

A Organização Mundial da Saúde recomenda que uma vacina seja considerada caso proteja, no mínimo, metade dos vacinados de ter Covid-19. Supondo que tenhamos uma vacina com 50% de proteção, isso significa que a outra metade ainda poderia desenvolver a doença, como se não tivesse tomado a vacina. Se todos estes vacinados abandonarem as recomendações de segurança poderíamos observar um aumento da infecção e adoecimento por Covid-19?

Para impedir que isso aconteça, a adoção de uma potencial vacina como política pública de saúde não deve ser instituída de forma isolada. A manutenção de outras medidas de prevenção deve fazer parte de um conceito, também empregado na abordagem de infecções sexualmente transmissíveis, conhecido como prevenção combinada.

Estamos, sem dúvida, ansiosos por uma vacina que ofereça o mais alto nível de proteção possível. Entretanto, alguma limitação é esperada, tal como é observada em todas as outras vacinas, mesmo as mais eficazes que dispomos hoje.

Embora parte da solução, as vacinas não são a solução única, como muitos imaginam. Será preciso analisar sua implementação com o devido cuidado, junto às outras formas de prevenção.

Esper Kallás