O Brasil é muito desigual desde o início de nossa história. Pessoas com nível de renda tão díspares vivem em mundos diferentes, dentro do mesmo país. Frequentam escolas e hospitais distintos. Não compartilham os mesmos meios de transporte e espaços públicos. Não se veem como iguais.
Desigualdade gera baixa coesão social. Sociedades pouco coesas não têm aptidão para negociar em prol do bem coletivo. Não há confiança de que o outro cumprirá a sua parte.
Falam mais alto os interesses imediatos de cada grupo social, restringindo o espaço para cada um aceitar perdas imediatas em prol da construção da prosperidade conjunta.
Prevalece o incentivo a extrair benefícios do resto da sociedade ou para ela empurrar perdas. O governo, acumulando dívidas a serem pagas pelas próximas gerações, e tributando de forma pouco transparente, é o instrumento em que se dá o jogo do mico preto.
O Estado deixa de ter como função primordial ser um prestador de serviços, como segurança jurídica, proteção dos contratos, educação e segurança. Converte-se em um transferidor de rendas, com programas que vão desde a política social para os pobres até a Bolsa Empresário, passando pela classe média da aposentadoria precoce e a classe alta da universidade gratuita e do emprego público bem remunerado.
Esses programas têm custo e, depois de três décadas de expansão do Estado, levaram a carga tributária e a dívida pública a níveis muito altos, além de prejudicar o crescimento da economia. O conflito distributivo se aguça, e renovam-se as pressões por mais subsídios e políticas sociais.
A Covid-19 nos alcançou quando já amargávamos seis anos de recessão e baixo crescimento, gerados por esse modelo autofágico.
Reagimos à crise como sociedade fraturada que somos.
Nada mais ilustrativo que o líder do governo no Congresso defendendo a preservação do “direito” a aumento de salário de servidores públicos, quase todos entre os 10% mais ricos, em um momento em que empregos e renda no setor privado estão sendo pulverizados.
Os lobistas de sempre já engataram o discurso da proteção comercial em prol da autossuficiência de produtos essenciais. Só esqueceram que por décadas aplicamos as mais altas tarifas do mundo na importação de produtos médico-hospitalares, sem que isso levasse a uma produção local diversificada e competitiva.
Por outro lado, surgem propostas inconsistentes de programas assistenciais, como a criação de renda mínima permanente para mais de 30% da população brasileira, perenizando-se o atual auxílio emergencial de R$ 600.
Ainda que o valor dessa nova bolsa fosse de R$ 200 por mês, e as concessões, limitadas à metade dos prováveis 70 milhões de beneficiários do auxílio emergencial, teríamos um gasto anual de R$ 84 bilhões por ano. Outros programas já aprovados, como linha de crédito subsidiado a pequenas empresas e expansão do Bolsa Família e do BPC (Benefício de Prestação Continuada), levam a conta para mais de R$ 100 bilhões. De onde tirar esse dinheiro?
Esse valor equivale a 40% da receita de CSLL e IRPJ em 2019. Aumento de carga tributária dessa monta, em plena crise, inviabilizaria as empresas que ainda resistem. A fórmula populista de “tribute-se o capital” não resiste à aritmética.
Não dá mais.
A recuperação pós-crise exigirá um acordo social que até agora não fomos capazes de construir. Quem sabe o fato de que a doença está matando igualmente ricos e pobres nos ajude a perceber que estamos todos no mesmo mundo?
O objetivo de médio e longo prazo deve ser a redução da pobreza e da desigualdade, de forma consistente, sem populismos, dentro da realidade fiscal. Focar a assistência social nos realmente pobres, e investir no capital humano de todos, reconvertendo o Estado em um eficiente prestador de serviços essenciais. Aumentar a produtividade da economia, derrubar protecionismos, desmontar mecanismos oportunistas de apropriação de renda.
Se não formos capazes de empreender esse redesenho do Estado, o cenário será de agravamento da pobreza, da desigualdade e da tensão social.