Celso Ming, O Estado de S.Paulo
08 de maio de 2020 | 19h24
O trabalho profissional executado em casa, e não no local da empresa previsto para isso, não é propriamente uma novidade neste mundo altamente conectado, mas foi uma das mais relevantes descobertas desta temporada de reclusão.
Graças à sua grande capacidade de redução de custos, veio para ficar e, mais do que isso, será cada vez mais praticado no Brasil e no mundo. Mas atenção: para ser adotado definitivamente, o home office, como o preferem chamar os anglófilos, enfrenta um punhado de problemas, especialmente no Brasil, que precisam ser previamente equacionados.
Para começar, a empresa tem de estar disposta a partilhar seus arquivos e seus sistemas de processamento, sem medo de que dados sigilosos possam ser acessados por terceiros e escapar para onde não devem. Se esse ponto não estiver bem resolvido, mais cedo ou mais tarde, a empresa corre riscos de enfrentar dores de cabeça.
Outro problema é o de que nem todos os funcionários dispõem em casa de instalações adequadas para tocar seu trabalho, como escritório, por mais simples que seja, cadeira confortável e equipamentos eletrônicos em bom estado de funcionamento.
E há a exasperante instabilidade das conexões pela internet. Nestas primeiras semanas de confinamento no Brasil, as reclamações de queda do sistema proporcionado principalmente pela Claro e pela Vivo foram recorrentes e até agora não foram satisfatoriamente atendidas. O fornecedor vende um plano de banda larga a uma velocidade de 300 megabits por segundo e entrega uma fração disso.
Em casa, os funcionários estão também muito mais sujeitos a interrupções do trabalho por fatores aleatórios. Se chove um pouco mais forte, é comum nas cidades do Brasil a queda do fornecimento de energia e, para esse caso, é preciso prover baterias ou nobreaks que podem ser acoplados imediatamente aos computadores.
E não é só por essa via que surgem imprevistos. Computadores, impressoras e equipamentos periféricos estão sempre sujeitos a defeitos, bugs e tilts. Numa empresa organizada, sempre há uma equipe de plantão para proporcionar socorro imediato. Em casa, é mais complicado. Contratempos mais simples podem ser resolvidos a distância por técnicos, por meio de aplicativos do tipo TeamViewer, mas sempre podem acontecer quebra de conexão com servidores eletrônicos ou avarias mais sérias no próprio hardware do equipamento.
O diretor executivo de tecnologia da consultoria Accenture na América Latina, Fernando Teixeira, observa que, neste momento, o home office foi implantado às pressas, sem que todos os requisitos técnicos tenham sido cumpridos. Por isso, tanto os funcionários como seus chefes devem se munir de dose especial de paciência para enfrentar imprevistos. Qualquer um pode ter filhos ou pessoas idosas na família que, a qualquer momento, podem exigir cuidados especiais que interrompem tarefas em execução. “Mas se o sistema do home office for adotado permanentemente, situações como essas pedirão solução também permanente. Não pode haver perda de qualidade no trabalho”, diz.
Teixeira observa, também, que o regime de trabalho em casa não pode se submeter às mesmas condições de controle convencional, como registro de ponto, cálculo de horas extras e atualização de banco de horas. Embora já existam aplicativos que, sem invadir a privacidade, monitorem a tela do computador e contabilizem automaticamente as horas trabalhadas, nem as empresas nem a legislação preveem as situações novas, como essa.
Para o sócio da consultoria PwC Federico Servideo, “é um pouco incongruente o trabalho remoto com controle de jornada”. Além de atualizações na legislação, ele sugere que, para não ficarem presos ao registro de ponto, empregador e empregado definam metas a serem cumpridas ao longo de um determinado período, como de um ou dois dias, semana ou mês, como acontece nos serviços contratados por empreitada. “O home office requer trabalho muito mais por resultado do que por tempo de serviço.”
Afora isso, nem todos os problemas de uma rotina podem ser resolvidos a distância. É preciso prever, também, temporadas presenciais que incluam não só reuniões de grupos com as chefias, mas também execução de determinadas tarefas também no escritório central da empresa. Tudo bem executar as tarefas em casa, mas o funcionário não pode se desplugar da cultura da empresa. / COM GUILHERME GUERRA
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