segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

Decadência do petróleo fará Brasil repensar seu lugar no mundo, Mathias Alencastro, FSP

Últimos governos nutriram a ilusão de que país se tornaria petro-Estado e isso resolveria os problemas

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No final de outubro, quando passava o chapéu na Ásia a pedido de Paulo Guedes e dos executivos da Petrobras, que já antecipavam o fracasso do leilão de petróleo da ANP, Jair Bolsonaro encerrava, da forma mais melancólica possível, uma década marcada pela descoberta do pré-sal.
Na virada da década passada, Lula surgia com as mãos banhadas pelo ouro negro. A Petrobras era a empresa mais valorizada do planeta. Especialistas comparavam o Atlântico Sul à Arábia Saudita.
Logo depois, Dilma fez campanha prometendo fundo soberano e recursos infinitos para a educação. No meio de tanta euforia, a queda abrupta do preço do petróleo em 2015 foi vista como um mero acidente de percurso. O ajuste fiscal seria rapidamente compensado pela iminente ascensão do Brasil ao status de petro-Estado. Só que isso nunca aconteceu.
Plataforma de petróleo da Petrobras que fica na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro,.
Plataforma de petróleo da Petrobras que fica na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro,. - Bruno Domingos/REUTERS
Durante décadas analistas profetizaram sobre um possível pico da produção de petróleo previsto para 2005, 2018 e agora 2025. Porém, revelou-se que o problema não estava na oferta, mas na demanda.
A transição dos Estados Unidos de importador a exportador de hidrocarbonetos, o abrandamento da economia chinesa e a pressão política e social na Europa, onde os carros elétricos são onipresentes, alteraram o cálculo das grandes corporações.
Só neste ano, Repsol, BP e Chevron reavaliaram para baixo o valor de todos os seus ativos. Rompendo arranjos do tempo colonial, Exxon e Total desinvestiram na Nigéria e na Argélia para apostar na produção de gás natural em Moçambique. Até ontem impensável, a maior petroleira do mundo, a Saudi Aramco, iniciou um processo de abertura de capital.
Nada disso é surpresa. Qualquer pessoa remotamente ligada à indústria petrolífera sabe que os EUA iniciaram, no começo do século, uma revolução no setor do gás de xisto.
Estratégias de diversificação e sustentabilidade começaram a ser concebidas nessa mesma década. A despeito das evidências, o Estado brasileiro achou bom aproveitar a década de 2010 para estruturar a produção industrial em torno da Petrobras.
Os geniais engenheiros da empresa não mereciam dirigentes com o cérebro congelado nos anos 1950. E tampouco merecem os atuais, que preferem uma política de obsolescência programada a uma estratégia de transição energética.
O fim da ilusão do petro-Estado trará profundas mudanças nos discursos políticos. Para evitar o ridículo, a esquerda nacionalista terá de inventar outro motivo além do petróleo para explicar o intervencionismo norte-americano, e a direita liberal terá de parar de vender a privatização da Petrobras como a solução milagrosa para as contas do Estado.
No médio prazo, o Brasil terá de repensar o seu lugar no mundo, secularmente definido pela posição da Petrobras na economia internacional. É fato que não nos tornaremos uma Venezuela, muito menos uma Noruega.
O fim da ilusão do petro-Estado também é o fim de uma ideia de modernidade que definiu as aspirações dos brasileiros, não apenas na última década, mas no último século.
Mathias Alencastro é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)
Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

OPINIÃO Expressa a opinião do autor do texto FÁBIO ULHOA COELHO E RODRIGO ROCHA MONTEIRO DE CASTRO Justiça especializada e corrupção judicial, FSP

A especialização judicial é muito bem-vinda, por aumentar a segurança jurídica, reduzir a duração do processo e assegurar maior qualidade técnica nas decisões judiciais.
A formação média dos juízes da Justiça Estadual está fortemente centralizada nas áreas em que trabalharão em boa parte da carreira, principalmente no início, em cidades menores (civil, penal e processo). Mas, muitas vezes, os juízes serão chamados a decidir as causas complexas do direito empresarial: propriedade industrial, concorrência desleal, questões societárias, inovações financeiras, mercado de capitais, crise de empresa, contratos empresariais etc. Nesses casos, será sempre melhor se o processo judicial ficar a cargo de um juiz especializado.
Rodrigo R. Monteiro de Castro - Doutor em Direito (PUC-SP), professor de direito empresarial (Ibmec-SP) e coautor do livro “Futebol, Mercado e Estado” (ed. Quartier Latin)
O advogado Rodrigo Rocha Monteiro de Castro, professor de direito empresarial - José Luís da Conceição
A especialização judicial em direito empresarial é tão importante para o bom desempenho da economia de um país que é levada em conta nas avaliações globais de ambientes de negócios (por exemplo, o “Doing Business” do Banco Mundial).
Atentos à complexidade do direito empresarial e às vantagens da especialização, tribunais de todo o país estão aperfeiçoando a organização judiciária, em busca da prestação jurisdicional especializada nas questões empresariais. Em São Paulo, o aperfeiçoamento institucional, iniciado em 2005, progride com reconhecido sucesso, culminando com a recente (e elogiável) criação das varas especializadas regionais (compreendendo a Grande São Paulo).
especialização judicial em direito empresarial é, na verdade, antiga. Já no Império havia os Tribunais do Comércio. O que se presencia hoje é o desenvolvimento de um processo histórico.
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Um processo em que houve alguns retrocessos, a despeito das vantagens da especialização. Já se implantaram varas especializadas em algumas capitais que foram, depois, extintas. E sempre se sussurrou nos corredores dos fóruns a mesma explicação: corrupção judicial. Era mais fácil acabar com a função especializada que investigar e punir seriamente o magistrado infrator.
Que o problema da corrupção judicial não está bem equacionado no Brasil vê-se pela esdrúxula “aposentadoria compulsória” que a lei prevê como “pena”: o juiz infrator é “punido” com vencimentos até o fim da vida sem precisar trabalhar. 
Quando se acaba com a especialização judicial empresarial como meio de responder a uma suspeita de corrupção, estamos diante de outra distorção no modo pelo qual o tema às vezes é tratado.
Corrupção judicial pode macular tanto as varas especializadas como as comuns. Não é menos grave numa ou noutra e deve sempre ser duramente reprimida. Combate-se o ilícito com a demissão de todo magistrado corrupto, independentemente de ter sido o crime cometido na vara especializada ou comum.
Inadmissível é sacrificar uma medida institucional de extrema valia para a economia brasileira em nome de um pretenso “menor desgaste” no enfrentamento de uma suspeita de corrupção.
Fábio Ulhoa Coelho
Advogado, professor titular da PUC-SP e diretor do UCEJ (Ulhoa Coelho Estudos Jurídicos)
Rodrigo Rocha Monteiro de Castro
Advogado, doutor em direito (PUC-SP) e professor de direito empresarial (Ibmec-SP)
TENDÊNCIAS / DEBATES

Ruy Castro Capturados no ar, FSP (É o capitalismo, estúpido !)


Um compositor americano, Irving Burgie, morreu outro dia em Nova York, aos 95 anos, sob compreensível silêncio. Burgie não era famoso. Mas uma canção já antiga e de autoria incerta, formada por apenas duas frases musicais, a que ele aplicou letra em 1956, tornou-o um homem rico. A música era "Day-O", mais conhecida por "The Banana Boat Song", e consagrou um cantor: Harry Belafonte. Por causa deles, todo mundo na época pensou estar descobrindo um novo gênero musical: o calipso.
Novo? O calipso já vinha do século 19, e "Banana Boat", sem esse título, do começo do século 20. Era uma canção de trabalho dos carregadores de banana nos portos jamaicanos, e sua letra, uma obra coletiva e anônima, a que se iam empilhando estrofes. Mas seu tema, desde sempre, já era o dos homens saudando o raiar do dia e esperando que o capataz americano viesse contar a carga que eles tinham passado a noite embarcando, para que pudessem ir para casa.
Burgie, nova-iorquino e filho de uma jamaicana, ajeitou a letra para que, no disco, Belafonte dialogasse com um coro masculino, tendo um implacável tambor como acompanhamento. O resultado final era hipnótico. Os calipsos eram quase sempre de protesto --o que não os livrou de, por décadas, serem capturados no ar por americanos espertos e registrados nos EUA como de autoria de seus adaptadores. 
Outros dois calipsos mundialmente consagrados foram "Rum and Coca-Cola", do venezuelano Lionel Belasco e do trinidadiano Rupert Grant, e "Matilda", do também trinidadiano Norman Span. Outros os assinaram e eles não ganharam nada. "Rum and Coca-Cola" estourou com as Andrews Sisters em 1945 e "Matilda", com o mesmo Belafonte, em 1956.
Pouco antes de morrer, Burgie admitiu que "Banana Boat" lhe rendera, nos últimos 60 anos, US$ 50 milhões. Nada mal para um investimento equivalente a uma gota de tinta.
O cantor Harry Belafonte, que gravou a canção "Banana Boat Song"
O cantor Harry Belafonte, que gravou a canção "Banana Boat Song" - Reprodução