Últimos governos nutriram a ilusão de que país se tornaria petro-Estado e isso resolveria os problemas
No final de outubro, quando passava o chapéu na Ásia a pedido de Paulo Guedes e dos executivos da Petrobras, que já antecipavam o fracasso do leilão de petróleo da ANP, Jair Bolsonaro encerrava, da forma mais melancólica possível, uma década marcada pela descoberta do pré-sal.
Na virada da década passada, Lula surgia com as mãos banhadas pelo ouro negro. A Petrobras era a empresa mais valorizada do planeta. Especialistas comparavam o Atlântico Sul à Arábia Saudita.
Logo depois, Dilma fez campanha prometendo fundo soberano e recursos infinitos para a educação. No meio de tanta euforia, a queda abrupta do preço do petróleo em 2015 foi vista como um mero acidente de percurso. O ajuste fiscal seria rapidamente compensado pela iminente ascensão do Brasil ao status de petro-Estado. Só que isso nunca aconteceu.
Durante décadas analistas profetizaram sobre um possível pico da produção de petróleo previsto para 2005, 2018 e agora 2025. Porém, revelou-se que o problema não estava na oferta, mas na demanda.
A transição dos Estados Unidos de importador a exportador de hidrocarbonetos, o abrandamento da economia chinesa e a pressão política e social na Europa, onde os carros elétricos são onipresentes, alteraram o cálculo das grandes corporações.
Só neste ano, Repsol, BP e Chevron reavaliaram para baixo o valor de todos os seus ativos. Rompendo arranjos do tempo colonial, Exxon e Total desinvestiram na Nigéria e na Argélia para apostar na produção de gás natural em Moçambique. Até ontem impensável, a maior petroleira do mundo, a Saudi Aramco, iniciou um processo de abertura de capital.
Nada disso é surpresa. Qualquer pessoa remotamente ligada à indústria petrolífera sabe que os EUA iniciaram, no começo do século, uma revolução no setor do gás de xisto.
Estratégias de diversificação e sustentabilidade começaram a ser concebidas nessa mesma década. A despeito das evidências, o Estado brasileiro achou bom aproveitar a década de 2010 para estruturar a produção industrial em torno da Petrobras.
Os geniais engenheiros da empresa não mereciam dirigentes com o cérebro congelado nos anos 1950. E tampouco merecem os atuais, que preferem uma política de obsolescência programada a uma estratégia de transição energética.
O fim da ilusão do petro-Estado trará profundas mudanças nos discursos políticos. Para evitar o ridículo, a esquerda nacionalista terá de inventar outro motivo além do petróleo para explicar o intervencionismo norte-americano, e a direita liberal terá de parar de vender a privatização da Petrobras como a solução milagrosa para as contas do Estado.
No médio prazo, o Brasil terá de repensar o seu lugar no mundo, secularmente definido pela posição da Petrobras na economia internacional. É fato que não nos tornaremos uma Venezuela, muito menos uma Noruega.
O fim da ilusão do petro-Estado também é o fim de uma ideia de modernidade que definiu as aspirações dos brasileiros, não apenas na última década, mas no último século.
Mathias Alencastro é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra)
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