domingo, 26 de maio de 2019

Como esvaziar barragens e fazer cimento, OESP (grandes ideias)

Produtos já se mostraram úteis como base de concreto, argamassa e pelotas de minério e podem ser aplicados na construção civil

Giovana Girardi, ENVIADA ESPECIAL 
26 de maio de 2019 | 06h00
PEDRO LEOPOLDO - Uma tecnologia desenvolvida na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) oferece uma alternativa de aproveitamento dos rejeitos de minério armazenados nas barragens que há no Brasil semelhantes às que romperam em Mariana e Brumadinho e ameaçam Barão de Cocais.
A pesquisa experimental conseguiu transformar o rejeito em uma espécie de cimento - pozolana -, em areia e em pigmento. Os produtos já se mostraram úteis como base de concreto, argamassa e pelotas de minério e podem ser aplicados na construção civil, na pavimentação de estradas e também na agricultura.
“Tudo o que estiver nas barragens de minério pode virar produto. A proposta é termos um sistema sustentável completo na cadeia da mineração. Isso é técnica e economicamente viável”, diz o pesquisador Evandro Moraes da Gama, que coordena o Laboratório de Geotecnologias e Geomateriais do Centro de Produção Sustentável da UFMG, em Pedro Leopoldo.
Na fábrica experimental é possível ver tijolos, lajotas de pisos e blocos, além do produto-base, a pozolana - um pó semelhante ao cimento convencional, mas que tem a vantagem de ser colorido, de acordo com a característica do minério: vermelho, alaranjado, ocre e marrom. 
No local, para ilustrar o potencial de aproveitamento, foi construída uma casinha vermelha, de 46 m2, com materiais desenvolvidos a partir da pozolana. De acordo com Gama, seu custo equivale a 1/3 de uma casa do mesmo tamanho feita com produtos convencionais.
O pesquisador afirma que as mineradoras não precisariam cuidar diretamente da produção, mas estabelecer parcerias com outras empresas para operar usinas de reaproveitamento dos rejeitos na própria área da mineração. Ele acredita que uma usina dessas precisaria de uma área de, no máximo, 2 km2. 
Tragédia em Minas Gerais
Moradores de Brumadinho observam a lama que atingiu a cidade. Foto: Washington Alves/Reuters
Ele afirma que a pozolana também poderia ser misturada ao cimento tradicional. “O cimento é feito com calcário, que precisa ser explorado. Em vez de fazer isso todo dia, é possível fazer uma mistura do cimento com a pozolana. Com isso se economizaria nos explosivos, na produção do calcário - que fica em grutas e é ambientalmente difícil de controlar - e ainda se aproveita parte do rejeito da mineração”, conta.
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Veja imagens do rompimento de barragem de rejeitos da Vale em Brumadinho

Redução de rejeitos

Gama fez um estudo com a Agência Nacional de Mineração (ANM) em que calculou o impacto que a geração de produtos a partir de rejeitos poderia ter no volume de material hoje colocado em barragens. Para o período de 2014 a 2039, ele estimou que o aproveitamento poderia promover uma redução de 42% dos rejeitos. A expectativa é de que cerca de 11 bilhões de toneladas de rejeitos sejam geradas no período.
“Teria de haver incentivos do governo para isso, como ocorre em outros países. O porcelanato chinês que compramos no Brasil é feito com rejeito de minério”, exemplifica ele. Segundo Moraes, 25% dos rejeitos da China viram outros produtos.
O projeto na UFMG começou há cerca de quatro anos e teve, além de financiamento da própria universidade e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas (Fapemig), recursos de empresas de mineração. “A Vale e a Samarco são sócias da patente do produto, só não fazem esse aproveitamento porque não querem. Dizem que o estatuto social não permite fazer outra coisa que não ferro.”
Ele defende que esse tipo de ação esteja nas medidas mitigadoras e compensatórias após os recentes desastres. “A região norte de Minas, por exemplo, é muito carente de pavimentação e calçamento. Se pegar o rejeito da Vale que está todo depositado, secá-lo, colocar em vagões, levar para lá e montar usinas de transformação para fazer a pozolana, areia e o agregado artificial, quem estiver lá produzindo bloco ou pavimento poderia usar esse material na cadeia produtiva local, com um custo muito mais barato, favorecendo o setor industrial em uma área carente.”
Segundo Gama, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 17 cidades do norte de Minas, como Janaúba, Jaíba e Monte Azul, têm hoje uma demanda de calçamento de 1,67 milhão de metros quadrados, além de necessidade de pavimentar 4.200 km de estradas. Pelo cálculos do pesquisador, os 50 milhões de metros cúbicos armazenados nas barragens da Vale no entorno de Brumadinho e que possivelmente são alvo de descomissionamento poderiam ser usados para suprir a necessidade.
Gama disse que está desenvolvendo um projeto para ser encaminhado ao governo do Estado. “Isso ajudaria até a Vale. Vai desobstruir a área dela, vai fazer crescer uma outra. O que matou em Brumadinho poderia construir e trazer o desenvolvimento no norte do Estado.” Ele defende que tal medida poderia entrar em um eventual termo de ajustamento de conduta (TAC). “Eles terão de tirar esses rejeitos. Vão fazer o quê? Mandar para a Lua?”

Sem sentido

O pesquisador, que em outros momentos da carreira ajudou a projetar muitas barragens, diz que hoje elas não fazem mais sentido. Se Mariana não causou essa mudança, diz, agora a mineração tem de se repensar. “Todo mundo tem de contribuir para repensar, criar uma nova economia do País, da reciclagem, da sustentabilidade. É tão árduo morar em uma área de mineração onde não se tem alternativa. Precisa de um pouco mais de sensibilidade.”
Procurada pelo Estado, a Vale não se posicionou especificamente sobre as alternativas desenvolvidas na UFMG. Disse, por meio de nota, que “já apresentou às autoridades brasileiras um plano para acelerar a descaracterização de todas as suas barragens construídas pelo método de alteamento a montante” e esse plano tem o objetivo descaracterizar as estruturas como barragens de rejeitos para reintegrá-las ao meio ambiente. “Os rejeitos já são recuperados e incorporados à produção mineral”, disse a empresa.

Além de vacas, árvores também expelem metano, Marcelo Leite, FSP


Governos e opiniões ideológicas sobre mudança climática passam, mas a ciência objetiva fica

Florestas absorvem carbono quando crescem. Esse é o padrão ensinado em incontáveis artigos, livros e escolas, e provavelmente é a pura verdade. Só que há um probleminha chamado metano.
 
Quando se fala em emissão ou absorção de carbono, em geral se entende o dióxido de carbono (CO2). É o principal gás da atmosfera a agravar o efeito estufa, porque sua concentração é alta e está aumentando: tendo partido de 280 ppm (partes por milhão) na era pré-industrial, estamos em mais de 400 ppm.
 
A última vez em que a Terra teve tanto CO2 na atmosfera foi há pelo menos 3,6 milhões de anos. No Ártico, a região do planeta que ora se aquece mais rápido, a temperatura estava 8ºC acima do que os termômetros registram hoje.
Outro gás do efeito estufa, o metano (CH4), tem concentração muito menor na atmosfera, mas cada molécula sua causa pelo menos 20 vezes mais estrago que uma de CO2. Vale dizer, o metano retém muito mais calor do Sol perto da superfície, aquecendo a atmosfera.
 
Por essa razão os climatologistas ficam de olho nas fontes de metano, também. A maior parte do que a humanidade emite dessa modalidade de carbono vem da agropecuária (digestão de celulose pelo gado e campos alagados de arroz, por exemplo). Também há perdas do composto na exploração de petróleo e gás natural.
 
Leio agora na revista National Geographic, em curiosa reportagem de Andrew Revkin, que árvores também emitem metano. Em algumas ocasiões, isso pode ser constatado a olho nu, na forma de bolhas que brotam de troncos recém-cortados.
 
A observação episódica era vista como curiosidade há mais de um século. Não mais, conta Revkin: acumulam-se artigos científicos com medições de metano oriundo de árvores. Algumas o absorvem perto do solo e o emitem no alto, pelos galhos e folhas; outras fazem exatamente o contrário. É, até certo ponto, um enigma.
 
Sabia-se que a emissão de metano acontecia em árvores de florestas sazonalmente inundadas, como os igapós da bacia do rio Negro, como se fossem chaminés para o metano produzido na decomposição anaeróbica de matéria orgânica alagada. Mas o gás vem sendo detectado e medido até em árvores de florestas de terra firme.
 
Importa agora descobrir qual é o balanço do metano produzido e emitido em cada tipo de floresta e região ou clima do globo. Isso ajudará a calibrar os modelos de computador que projetam as mudanças do clima no futuro.
 
Ninguém parece acreditar, contudo, que esteja ameaçado o paradigma segundo o qual florestas naturais ou plantadas ajudam a combater o aquecimento global, na medida em que sequestram o excesso de carbono da atmosfera. Muito menos que o metano eventualmente expelido por árvores possa representar qualquer apoio à ideia de que desmatamento seja algo positivo.
 
A lição a tirar dessas descobertas e mensurações são duas: 1. A química da atmosfera e sua interação com a biosfera terminam por revelar-se sempre mais complicadas do que sabemos hoje; 2. Quem faz o conhecimento sobre isso progredir são pesquisadores, e não políticos, lobistas ou blogueiros que se especializaram em pôr a mudança do clima em dúvida.
 
No presente, o equívoco mencionado na lição 2 tomou o poder no palácio do Planalto e no Ministério do Meio Ambiente —melhor dizendo, no governo todo de Jair Bolsonaro (PSL). Mas governos e opiniões ideologicamente motivadas passam, enquanto a pesquisa objetiva fica.
 
Uma das coisas boas do verdadeiro jornalismo —e da ciência— é ver-se com frequência constrangido a rever conhecimentos e convicções. Quem prefere ideias prontas e crenças arraigadas que busque outra profissão, ou outro tipo de leitura.
Marcelo Leite
Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”.