sexta-feira, 8 de março de 2019

Lula pede acesso a acordo bilionário do MPF com a Petrobras, FSP

O acordo, que teria envolvido autoridades dos EUA, está sendo fortemente questionado por políticos, advogados e até ministros do STF.

O ex-Presidente Lula ao deixar o velório de seu neto Arthur
O ex-Presidente Lula ao deixar o velório de seu neto Arthur - Marcelo Chello/CJPress/Folhapress
A defesa do ex-presidente Lula pediu à Justiça para ter acesso à íntegra de um acordo bilionário firmado entre o MPF (Ministério Público Federal) de Curitiba e a Petrobras.
Por ele, a estatal depositará R$ 2 bilhões em uma fundação que será administrada por pessoas e entidades selecionadas pelo próprio MPF.
O acordo, que teria envolvido autoridades dos EUA, está sendo fortemente questionado por políticos, advogados e até ministros do STF. 
Eles entendem que os recursos são públicos e deveriam ser destinados à União.
O MPF, portanto, não teria legitimidade para participar da administração do dinheiro.
Os advogados de Lula acreditam que os termos do acordo podem ter impacto em um processo do ex-presidente em que a Petrobras se coloca como vítima dos desvios de recursos e foi aceita como assistente de acusação.
Eles acreditam que há aspectos contraditórios que podem ser esclarecidos na comparação dos argumentos de vítima da Petrobras na ação de Lula com o papel que ela assume no acordo do MPF, em que tem que pagar indenizações.
Eles querem ter acesso a todas as tratativas feitas entre o MPF e a empresa.

quarta-feira, 6 de março de 2019

O QUE A FOLHA PENSA Disputa pela Alesp

Como grande parte de suas congêneres, a Alesp padece de governismo crônico, e um acirramento do debate programático fará bem à administração estadual

A disputa pelo comando da Assembleia Legislativa de São Paulo deixou neste ano a modorra de edições anteriores, embora até aqui se observe mais barulho do que embate de ideias e agendas.
A novidade é Janaina Paschoal, do PSL de Jair Bolsonaro, eleita deputada estadual com o recorde de pouco mais de 2 milhões de votos. Celebrizada por ter sido uma das autoras do pedido de impeachment da petista Dilma Rousseff, a advogada se lançou ao pleito, marcado para 15 de março, com um previsível discurso moralizador.
Seu partido obteve 15 das 94 cadeiras da Alesp, mas encontra severas dificuldades para agregar apoios.
A deputada Janaina Paschoal (PSL), que lançou candidatura à presidência da Alesp
A deputada Janaina Paschoal (PSL), que lançou candidatura à presidência da Alesp - Bruno Rocha/Fotoarena/Agência O Globo
Como ocorre no plano nacional, a virulência nas redes sociais e o bom desempenho nas urnas não se fazem acompanhar de habilidade para a costura política.
Janaina Paschoal e o PSL certamente não angariaram simpatias com a agressiva pressão desencadeada por militantes virtuais sobre os parlamentares, à base de termos chulos e ofensas pessoais. Trata-se de estratégia nociva, obviamente, para quem pretende de fato exercer o comando.
O favorito na contenda é Cauê Macris (PSDB), que busca mais dois anos na presidência da assembleia. Seus acertos de bastidores parecem bem encaminhados, assim como o apoio do governador João Doria, também tucano. No entanto uma eventual vitória não ocorrerá sem desgastes.
Um exemplo é a recente controvérsia em torno de um projeto do Executivo em favor dos agentes fiscais de renda do estado. Como noticiou esta Folha, o texto deu munição a questionamentos do PSL, uma vez que essa categoria, da elite do funcionalismo estadual, se destacou entre os doadores de recursos à campanha de Macris.
Segundo levantamento da Procuradoria Regional Eleitoral, 92 agentes contribuíram para a candidatura do presidente da assembleia com R$ 186 mil, equivalentes a 25% das doações recebidas.
A hegemonia do PSDB no Legislativo paulista, quase sem interrupção desde 1995, acompanha a longevidade da sigla no governo do estado. Se há méritos inegáveis a justificar uma presença tão duradoura, tampouco se podem ignorar os vícios dela decorrentes.
Como grande parte de suas congêneres, a Alesp padece de governismo crônico, que se traduz em inapetência para a contestação e a fiscalização de atos do Executivo. Tamanha boa vontade em nada contribui para a renovação de práticas e políticas públicas.
Qualquer que seja o desfecho da eleição para sua presidência, um acirramento do debate programático —que pressupõe uma oposição forte e articulada— fará bem à administração estadual.

Carlos Juliano Barros euforia dos aplicativos de serviços dá lugar à frustação dos trabalhadores


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Euforia com aplicativos de serviços dá lugar à frustração de trabalhadores

FEBRUARY 08, 2017


​​​[RESUMO] Euforia com aplicativos de serviços dá lugar à frustração de trabalhadores, em um cenário que deve se complicar com novas transformações.
​Em novembro do ano passado, um protesto de centenas de motoboys e ciclistas da Rappi trancou a avenida Paulista. Os entregadores da startup colombiana, um dos incontáveis aplicativos de delivery na cidade de São Paulo, reivindicavam aumento na remuneração das corridas —o valor mínimo fica na casa dos R$ 5.
As queixas se estendiam ao prazo para as tarefas e às penalidades em caso de atraso ou recusa do serviço. Além de bloqueios temporários, os entregadores estão sujeitos a dívidas se o aplicativo não processa a tempo o cancelamento de uma viagem.
Aplicativos de transporte
Meses antes, fiscais do extinto Ministério do Trabalho já haviam aplicado multas milionárias a duas concorrentes da Rappi: a Loggi e a Rappido, empresa do grupo Movile, um dos raros espécimes brasileiros de “unicórnio”, ou startup com valor de mercado de ao menos US$ 1 bilhão.
Ambas foram autuadas por infrações à legislação trabalhista decorrentes, na avaliação dos fiscais, de uma irregularidade primordial: deixar de registrar motofretistas como empregados. Só no caso da Loggi, o Ministério Público do Trabalho cobra indenização de R$ 200 milhões.
A explosão de aplicativos de delivery é provavelmente o caso mais representativo das rupturas geradas no Brasil pelo avanço da “gig economy” —a economia dos bicos. Até poucos anos atrás, os serviços de entrega eram pulverizados entre empresas de pequeno porte, que contratavam motoboys, reconhecidos como categoria profissional regulamentada.
Hoje a atividade está ao alcance de qualquer um que aceitar termos e condições de plataformas digitais. A avalanche de aplicativos é turbinada por fundos de venture capital (investimento de risco) inclinados num primeiro momento a perder dinheiro em ofertas a usuários e trabalhadores, para depois ganhar mercado.
Assim como nos EUA, que viram a ascensão das startups do Vale do Silício no rescaldo da crise de 2008, a “gig economy” deslanchou no Brasil com a recessão iniciada em 2014. Meia década depois, ela funciona como uma verdadeira bomba de sucção de 12,2 milhões de desempregados e 40,8% de trabalhadores informais.
Embaladas por um “tecnofetichismo”, as plataformas oferecem de faxina a passeio com cachorro e têm lado numa das batalhas ideológicas em curso no país: a aprovação de reformas de orientação liberal sob os mantras do corte de custos e da alergia à regulação do Estado. O presidente Jair Bolsonaro já afirmou que as leis trabalhistas devem “se aproximar da informalidade”.
Em geral, os aplicativos se apresentam como meros intermediadores entre consumidores e fornecedores. Apesar de seus algoritmos estipularem preços, controlarem a prestação do serviço e aplicarem penalidades, as empresas argumentam que os trabalhadores são autônomos. Assim, motoboys do iFood, faxineiras da Parafuzo e motoristas da 99, para citar algumas das mais conhecidas startups brasileiras, são considerados clientes, e não empregados.
A chamada “uberização”, referência à plataforma de transporte mais popular do mundo, é a mais recente e significativa das “mutações neoliberais” do mercado de trabalho desde a década de 1970, na definição de Veena Dubal, professora da faculdade de Direito da Universidade da Califórnia. Um sistema de gestão de mão de obra que se ancora no discurso de liberdade e autonomia para transferir a “empreendedores de si mesmos” os riscos da atividade econômica de gigantes digitais.
No Brasil, o exemplo dos entregadores é paradigmático da terceirização total de riscos. Para a prestação do serviço de entrega, diversos aplicativos exigem o registro de MEI (Microempreendedor Individual), pessoa jurídica criada em 2008 que limpou o terreno para a uberização. Se ficar impossibilitado de trabalhar, o trabalhador só terá o salário mínimo garantido pela contribuição paga por ele próprio ao INSS.
Para além da desproteção trabalhista, um estudo do Ipea de janeiro de 2018 acendeu outro alerta sobre a proliferação dos MEIs: o alargamento do rombo da Previdência. Segundo o documento, o número de microempreendedores individuais chegou a 7,7 milhões em dezembro de 2017. “Parece estar ocorrendo alguma migração de empregados formais para MEI”, detecta a publicação.
Como a contribuição mensal ao INSS é quase simbólica (5% do salário mínimo), o estudo estima uma necessidade de financiamento de ao menos R$ 464,7 bilhões nas próximas quatro décadas para cobrir o desfalque gerado por esse regime.
É inegável que plataformas bem-sucedidas da “gig economy” têm aceitação entre consumidores, não só pelos preços acessíveis mas também por centrarem fogo em nichos pouco eficientes. Dentre as cidades dos 65 países em que a Uber atua, São Paulo é a que mais usa o aplicativo.
Diante de altas taxas de desemprego e informalidade, baixa produtividade e precarização até dos postos com carteira assinada, também não surpreende que os aplicativos atraíam gente à caça de ocupação.
Porém, a longo prazo, essa mecânica pode desencadear o que Trebor Scholz descreve em seu livro “Uberworked and Underpaid” (“uberexplorados e sub-remunerados”): uma “corrida para o fundo do poço”. Quando motoristas concorrem entre si e assumem o risco da atividade de uma plataforma, o limite é rodar o dia todo e morar no próprio carro —o que já ocorre na Califórnia.
No setor de transporte de passageiros, aquilo que um dia já foi euforia parece estar com os dias contados. Um estudo do Instituto JP Morgan Chase revela um declínio considerável nas remunerações dos motoristas nos EUA. Em março de 2018, o rendimento mensal médio era 53% inferior em relação ao pico de 2014.
Neste ano, deve sair do papel a aguardada abertura de capital da Uber. Para analistas, os anos de prejuízo (US$ 1,8 bilhão só em 2018) forçarão a empresa a elevar tarifas para consumidores, a baixar repasses a motoristas ou a combinar as duas medidas. Não há para onde correr.
Se a princípio os fundos de venture capital bancam tarifas sedutoras para recrutar trabalhadores, a longo prazo tende a se consolidar “uma estratégia de baixa remuneração”, segundo Veena Dubal. Como compensação, premiações transformam o cotidiano de trabalho em uma espécie de gincana viciante, prolongada e perigosa. Na capital paulista, o número de mortes entre motociclistas aumentou 18% no ano passado .
A ressaca da “gig economy” vem colocando em xeque até mesmo modelos econômicos consagrados, como a Curva de Phillips. Grosso modo, ela relaciona a queda do desemprego ao crescimento da inflação.
Se há excesso de gente ocupada e com dinheiro para gastar, presume-se que os preços disparem. Porém economistas de peso vêm levantando a hipótese de que a Curva de Phillips perdeu a validade. Um deles é Lawrence Summers, secretário do tesouro no governo do ex-presidente norte-americano Bill Clinton.
Nos EUA, o desemprego despenca desde a crise de 2008. Hoje está em patamar historicamente baixo, inferior a 4%. Mas a inflação não decolou. Uma das explicações é justamente a nova diagramação do mercado de trabalho. As rendas geradas por bicos precários, instáveis e de baixa remuneração já não têm o poder de empurrar os preços para cima.
É por essa razão que, em artigo no Financial Times, Summers cravou: “A América precisa mais que nunca de seus sindicatos”. O palpite do economista é que o poder de barganha dos empregadores aumentou e o dos trabalhadores diminuiu. No caso dos aplicativos, em que a figura do patrão veste a fantasia imaterial de um algoritmo, reivindicar direitos se torna ainda mais desafiador.
No Brasil, a lógica da terceirização total de riscos para trabalhadores atomizados já deu mostras do seu potencial de estrago em maio do ano passado, com a histórica greve dos caminhoneiros. Desde 2007, com a aprovação da lei 11.442, que criou a figura do transportador autônomo de carga, a categoria também atravessa um processo de uberização.
Caminhoneiros fazem manifestação por dez dias e param o país
“Os caminhoneiros foram encorajados a se endividar e tentar adquirir veículo próprio, com o sonho de maior autonomia e de ‘não ter mais patrão’, e 44,8% dos caminhoneiros estão endividados, conforme pesquisa da Confederação Nacional do Transporte em 2016. Nada muito diferente do que ocorreu com trabalhadores que perderam empregos e adquiriram carros para trabalhar para aplicativos de transporte de pessoas”, compara Rodrigo Carelli, procurador do Ministério Público do Trabalho e professor de direito da UFRJ, em artigo de junho de 2018.
As plataformas da “gig economy” pegaram carona nas utopias igualitárias da sua irmã mais velha e virtuosa, a “sharing economy” (economia do compartilhamento), mas seguiram caminho oposto. Em vez de catalisar trocas diretas de bens e serviços a partir da internet, a primavera de apps “acabou se convertendo na oferta generalizada de trabalhos mal pagos e sem qualquer segurança previdenciária”, escreve Ricardo Abramovay, economista e professor da USP, no prefácio do livro “Uberização - A Nova Onda do Trabalho Precarizado”, de Tom Slee (Elefante, 2017).
A longo prazo, a “gig economy” pode aprofundar a “dualização econômica” já tão característica de países em desenvolvimento, como o Brasil, nos termos propostos pelo professor de Harvard Dani Rodrik em “Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy” (“conversa franca sobre o comércio: ideias para uma economia mundial saudável”, lançado em 2017). Nesse desenho, a ponta da pirâmide da economia digital fica reservada a uma minoria de profissionais criativos, altamente produtivos e bem remunerados.
Já a base é sustentada por uma massa de trabalhadores desprotegidos e facilmente substituíveis.
Resta ainda um complicador: os desafios da robotização e da inteligência artificial. Dos testes do carro sem motorista da Uber aos do delivery via drones da Amazon, as perspectivas de inovações tecnológicas para o mercado de trabalho não são das mais animadoras.
Carlos Juliano Barros é jornalista, documentarista e mestre em geografia humana pela USP.

 

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