segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Trindade Básica, opinião FSP

O QUE A FOLHA PENSA

Trindade básica

Pilares da gestão econômica completam duas décadas, mas falta assimilar responsabilidade, autocontenção e transparência no manejo das principais políticas

A mera lembrança de que o chamado tripé da política econômicacompletará 20 anos de existência demonstra, decorridos cinco mandatos presidenciais, a dificuldade do país em chegar à normalidade.
Nenhum dos três pilares que sustentam o arranjo, afinal, é marcante ou exótico a ponto de justificar a efeméride. Trata-se de práticas e princípios que, a esta altura, já deveriam estar incorporados à rotina.
Deveriam fazer parte do passado, sobretudo, as mazelas que levaram a sua introdução.
Compõem o tripé o regime de câmbio flutuante, pelo qual as cotações do dólar e de outras divisas são determinadas pelos movimentos de compra e venda do mercado; as metas de inflação, que balizam a definição dos juros do Banco Central; e as metas para os resultados do Orçamento, de modo a manter finanças equilibradas.
Tais políticas são encontradiças, com variações locais, em grande parte do mundo civilizado. No Brasil suscitaram debates ideológicos que, embora relevantes, muitas vezes tomaram o lugar da comprovação factual ou serviram de pretexto para medidas irresponsáveis.
Note-se que, em sua essência, os ditames introduzidos em 1999 —no início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em resposta ao colapso do Plano Real— limitaram a capacidade de intervenção estatal na economia e estabeleceram mecanismos de prestação de contas.
Desse modo, o governo não mais iria buscar uma taxa de câmbio que fosse conveniente em período eleitoral ou amigável ao lobby da indústria; o BC precisaria apresentar argumentos e projeções ao estabelecer os juros; os gastos públicos ficariam condicionados à existência de receitas suficientes para manter a dívida sob controle.
Forças à esquerda combateram tal ideário desde o nascedouro, tachando-o de neoliberal e avesso aos programas sociais. Em todo o espectro político houve pressões para que os limites fossem afrouxados.
Foi no governo Dilma Rousseff (PT), como se sabe, que o tripé acabou desfigurado. Tentou-se encarecer o dólar para estimular exportações, reverteu-se o processo de queda da inflação e cumpriram-se as metas orçamentárias à base de manobras de contabilidade.
O surto intervencionista resultou em impeachment da presidente petista, por manejo irregular das contas públicas, e enorme desordem econômica, da qual o país ainda convalesce.
Se as finanças federais permanecem em situação ruinosa, houve progresso notável na contenção da alta dos preços, com variações do IPCA de 2,95% em 2017 e de recém-divulgados 3,75% em 2018.
Nem por isso se devem tomar como imutáveis as regras vigentes para as políticas monetária, cambial e fiscal. Há, de fato, circunstâncias que recomendam a atuação do BC no mercado de divisas, a tolerância com alguma alta da inflação ou um aumento momentâneo do déficit do Tesouro Nacional.
Importa, isso sim, que sejam assimilados em definitivo os princípios de responsabilidade, autocontenção e transparência no manejo de todas essas variáveis.

domingo, 13 de janeiro de 2019

Chicago e a política pública, FSP




Chicago e a política pública

Pena que outra revolução causada pela universidade não tenha tido tanto destaque


Universidade de Chicago ficou famosa no Brasil pelas políticas liberais defendidas por alguns de seus professores. Pena que não tenha tido tanto destaque a revolução que provocou na análise econômica e na relevância da política pública para o desenvolvimento.
A economia estuda dilemas e tenta estimar os custos e os benefícios das diversas opções. Essa definição inclui temas tão díspares como a escolha do restaurante, o consumo de drogas, a leniência com a inflação ou o que fazer em caso de poluição.
Há 80 anos, Chicago contava com economistas notáveis, como Jacob Viner, Henry Simons e Frank Knight, e seus alunos começaram a combinar os modelos teóricos com a pesquisa aplicada. A regra do jogo era submeter as conjecturas sobre economia ao escrutínio da melhor evidência disponível, descartando preconceitos e argumentos frágeis.
Os resultados foram impressionantes. Milton Friedman aperfeiçoou a análise estatística dos dados econômicos com seus trabalhos sobre consumo. George Stigler botou de ponta-cabeça a teoria da regulação e foi o primeiro a estudar com rigor a economia da informação.


O economista norte-americano Milton Friedman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1976
O economista norte-americano Milton Friedman, vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 1976 - Reprodução
Theodore Schultz observou que a educação poderia aumentar a produtividade e cunhou o termo capital humano. Jacob Mincer e GaryBecker documentaram a relevância da educação para a renda pessoal.
Becker utilizou as técnicas da economia aplicada para estudar a discriminação no mercado de trabalho, a ocorrência de crimes e a estrutura das famílias, incluindo o número de filhos. Robert Fogel adotou as mesmas técnicas para revolucionar a história econômica.
James Heckman aperfeiçoou a estatística para estimar os impactos da legislação trabalhista, da educação e do cuidado com a primeira infância sobre o emprego e a renda, alguns exemplos da sua imensa agenda de pesquisa.
Heckman tentou confirmar a tese dominante de que a diferença salarial entre brancos e negros decorria apenas de fatores objetivos, como educação. Afinal, maior produtividade gera mais resultados, qualquer que seja a cor da pele dos trabalhadores. Depois de muita pesquisa, rejeitou a tese e admitiu que a política de direitos civis foi relevante para reduzir a discriminação racial.
​Friedman, Schultz, Stigler, Fogel, Becker e Heckman receberam o Nobel de economia.
Há 50 anos, Carlos Langoni, cuja tese de doutorado foi orientada por Schultz em Chicago, mostrou que o gasto com ensino fundamental no Brasil era mais rentável do que qualquer outro investimento. Pouco depois, ele mostrou, com impressionante sofisticação técnica, que educação era o fator mais importante para explicar as diferenças individuais de renda.
Foi de pouca valia. Preferimos continuar a subsidiar concreto e máquinas em vez de educar as pessoas.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.