domingo, 10 de junho de 2018

O que é ser um policial de elite?, FSP

Ao longo dos últimos anos, talvez até potencializado pelo filme “Tropa de Elite”, dirigido por José Padilha, acostumamo-nos a pensar em unidades especializadas (BOPE, RAIO, ROTA, COE, COT, BAEP, GATE, entre outras) como a “elite” das polícias brasileiras. É muito comum que tais unidades sejam tomadas como sinônimo do que há de mais prestigiado e moderno em temos de padrões de policiamento e modelos de conduta.
A grande questão é que, ao fazermos isso, estamos valorizando apenas um padrão de policiamento, desenhado para o enfrentamento com o oponente, em detrimento da pluralidade de situações e papéis que as polícias deveriam exercer em uma sociedade dinâmica, multicultural e democrática; em detrimento da construção de confiança entre polícia e comunidade.
Se olharmos com atenção, veremos que as unidades especializadas são, em geral, aquarteladas, exigem doutrinas específicas, preparo, capacitação contínua e vocação. Elas demandam superioridade tática para a eventualidade de necessidade de uso da força já em um gradiente maior na garantia da lei e da ordem. Correto, essa é uma função fundamental e não pode ser desconsiderada.
Mas isso nos autoriza a trata-las como a “elite” das polícias? A meu ver, não. E por uma razão muito simples e pragmática: ao fazermos isso, estamos relegando o padrão de policiamento territorial e preventivo a um segundo plano e, mesmo que indiretamente, transmitindo a mensagem que ser policial é ser, exclusivamente, combatente.
E nada mais equivocado e perverso do que isso. Os impactos desta concepção são por demais nocivos para uma corporação que precisa motivar seus profissionais para o exercício de múltiplas funções. O uso amplamente disseminado da doutrina de enfrentamento tem potencial de aproximar a identidade do policial, sobretudo do policial militar, às figuras do militar das Forças Armadas e do herói.
Porém, polícia, no mundo todo, serve para muitas outras tarefas do que apenas o controle e enfrentamento do crime e, se a reduzirmos a isso, estamos tratando-a como uma instituição menor, quando ela é essencial para a democracia. Ela nos traz uma outra questão associada. Não precisamos, por mais nobre que seja a ideia, de policiais heróis, mas de profissionais valorizados, bem pagos e com direitos assegurados.
A ideia do herói tem, no caso das polícias, uma enorme dubiedade, já que sinaliza para a extraordinária e abnegada contribuição para com a sociedade. Isso é o que temos como dos mais elevados valores cívicos. Entretanto, na prática e no cotidiano da tragédia da violência que nos assola, recorrer à ideia do policial herói esconde a possibilidade real de os policiais serem tratados pelo Poder Público de forma injusta, sem direitos e equipamentos de proteção adequados, muitas vezes (herói não precisa de proteção).
Mas voltando à ideia de unidades especializadas como “elite”, outro efeito perverso é que policiamento preventivo acaba por ser visto como menos prestigiado e, por conseguinte, reservado, no imaginário coletivo, aos profissionais ditos menos vocacionados, preparados ou motivados. Ser policial territorial é, então, um duplo fardo, por ser pouco reconhecido pela população e pela própria corporação.
Só que a imensa maioria dos policiais está no policiamento territorial, que é central para a manutenção da ordem e para a gestão dos sentimentos de medo e de insegurança. E, se o ideal é ser “elite”, eles tendem a mimetizar o que é valorizado na perspectiva de serem reconhecidos e, nesse processo, o preventivo vira uma versão do enfrentamento.
Em suma, ao se valorizar as unidades especializadas como “elite” e desmerecer as unidades territoriais, dificilmente os estranhamentos entre polícias e comunidade serão enfraquecidos. Ou valorizamos todas as unidades de policiamento pelo seu caráter protetivo de direitos e cidadania, que contempla o uso gradual da força em determinadas situações mas também várias outras atividades, ou só estaremos enganando os policiais e os eleitores com promessas e valentias retóricas.

Crise na borracha leva a demissões e corte de árvores no interior de SP, FSP


Marcelo Toledo
BARRETOS
Os anos de crise no setor de borracha natural mudaram a paisagem na fazenda do produtor rural Marcelo Pereira, em Barretos. Onde antes havia funcionários espalhados por toda a propriedade atualmente há somente metade deles em ação.
A queda do preço do látex no mercado tem feito produtores de São Paulo, principal estado produtor, demitir funcionários e até eliminar árvores em produção.
Já são quatro anos de preços baixos, especialmente devido ao excesso de produção em países asiáticos que dominam o mercado mundial, como Indonésia, Tailândia e Malásia, segundo a Apabor (Associação Paulista de Produtores e Beneficiadores de Borracha).
“O cenário está péssimo, e a mão de obra tem migrado para a construção civil ou outras culturas. Estou operando com só 50% dos sangradores [trabalhadores que fazem a coleta nas árvores]”, disse Pereira, que tem 27 mil árvores.
Outros produtores já tomaram medidas mais radicais, como a extração de árvores para substituir a cultura. Uma propriedade em Pitangueiras eliminou 19 mil seringueiras. Outra, em Colômbia, próxima à divisa com Minas, extraiu 80 mil árvores. Cana e soja são algumas das culturas adotadas por quem tem deixado o setor.
Segundo ele, a produção da fazenda Park Seringais de Iracema, que em março do ano passado era vendida por R$ 3,20 o quilo, hoje é cotada a R$ 2,20. Para ele, o mínimo teria de ser R$ 4,20. Quando a família entrou na atividade, em 1980, o quilo era comercializado por US$ 2,50 (o equivalente hoje a R$ 9,50).
“Ela não ficou com preço mais baixo só aqui, mas no mundo inteiro. O que piora nossa situação é o custo de produção, maior porque os outros países produzem como subsistência; 90% da borracha do mundo é produzida em regime familiar”, disse Diogo Esperante, diretor-executivo da Apabor.
O preço baixo preocupa ainda mais porque a Malásia passa por um momento de entressafra e nem isso foi suficiente para os preços reagirem.
Apesar dos problemas, a previsão é que a safra brasileira atinja 190 mil toneladas de borracha, ante as 183 mil toneladas do ano passado, das quais 58% estão em São Paulo.
O Brasil, que está entre os dez maiores consumidores, produz só 40% do que consome —entre 400 mil e 420 mil toneladas por ano, num mercado que tem como principais compradores China e Índia.
A safra do látex começa em outubro e vai até julho/agosto, quando ocorre a queda das folhas. Após um mês de descanso, a produção é novamente retomada. O auge é o período de abril a julho, tradicionalmente mais frio e sem chuva.
Embora tenha havido erradicação de árvores no país, a safra vai crescer porque estão começando a produzir látex seringueiras plantadas no mais recente boom do setor, entre 2010 e 2012. As árvores demoram em média sete anos para iniciar a produção, têm vida útil de 30 a 35 anos e, por ano, produzem de 7 a 10 quilos de látex.
“O pessoal que está saindo impacta pouco, pois há muita área nova entrando. Mas, para um país que quer aumentar sua participação no consumo nacional, não poderíamos perder nada”, disse Esperante. Já o plantio de novas áreas caiu muito, o que se refletirá na produção na próxima década.
Também produtor rural, o engenheiro-agrônomo Paulo Fernando de Brito disse que o cenário poderia ser outro se houvesse barreiras tarifárias mais fortes para os importados.
“O Imposto de Importação chegou a ser de 14% em um ano, mas voltou a 4%. Com isso, a borracha do Sudeste Asiático entra no país num preço que atrapalha muito o mercado”, disse ele, que também chefia o EDA (Escritório de Defesa Agropecuária) de Barretos, órgão da Secretaria da Agricultura paulista.
Brito afirmou que consegue receber R$ 2,35 por quilo do látex extraído de suas 7.000 seringueiras plantadas em Pirajuba (MG), mais que o valor pago em São Paulo.
“Mas é muito baixo o valor, o que explica a saída de muitos produtores da atividade ou a venda de seus seringais.”
58%
da safra de látex do país vem do estado de São Paulo
190 mil
toneladas de borracha é a previsão para a safra brasileira
400 mil a 420 mil 
toneladas ao ano é o consumo do país
35 anos
é o tempo máximo de vida útil de uma seringueira
7 a 10 kg
de látex uma seringueira produz anualmente

PAÍS APOSTA EM RASTREIO DE PRODUÇÃO PARA GANHAR MERCADO

Para tentar reverter o cenário dos últimos anos, o setor prega um reposicionamento estratégico e a propagação das vantagens de consumir o látex produzido no Brasil.
“O custo é maior porque temos melhores níveis de responsabilidade social e de sustentabilidade ambiental. Devemos usar isso para valorizar e nos reposicionar. As maiores indústrias pneumáticas, os principais consumidores, têm fábrica aqui e podem aumentar no exterior seus escores de sustentabilidade usando mais borracha de procedência”, disse Esperante, da Apabor.
Segundo ele, os custos de produção do país incluem condições trabalhistas e ambientais que não existem nas mesmas proporções no Sudeste Asiático e a rastreabilidade.
“Garantimos que ela não está manchada pelo desmatamento ou exploração do trabalho”, disse. Esperante afirmou ainda que, enquanto o ganho médio dos empregados do setor varia de US$ 500 a US$ 600 no Brasil, no Sudeste Asiático os salários são de US$ 100.
Embora em baixa hoje, no último bimestre produtores foram beneficiados pelo câmbio, na avaliação do diretor. Os custos de produção são pouco sensíveis à moeda americana, diferentemente de outras culturas.

Tributação dos combustíveis, a marcha da insensatez - EVERARDO MACIEL


ESTADÃO - 07/06

Problema na tributação dos combustíveis decorre de série de opções equivocadas


Exploro, neste artigo, uma das razões alegadas para a “greve” dos caminhoneiros: a tributação dos combustíveis. A questão remonta à Constituição de 1988. Antes dela, combustíveis e lubrificantes, energia elétrica, minerais e serviços de transporte e comunicações eram tributados exclusivamente pela União.

Para ampliar a abrangência do então vigente ICM, os constituintes decidiram incluir aquelas bases no campo de incidência do imposto, que passou a denominar-se ICMS.

O fundamento da mudança seria a redução da cumulatividade do sistema tributário, conquanto o conceito seja inaplicável a tributos que não integram um mesmo ciclo impositivo.

Ainda na Constituição de 1988, proclamou-se ampla liberdade na fixação de alíquotas do ICM, em contraste com a alíquota uniforme do ICM, conforme estabelecia a Constituição. Curiosamente, a uniformidade de alíquota converteu-se em objeto de atuais propostas reformistas.

Como é relativamente mais fácil cobrar tributo de energia elétrica, combustíveis e telecomunicações, os Estados optaram por fixar alíquotas completamente desproporcionais nessas bases, chegando a ultrapassar 30%, o que constitui um insólito recorde mundial.

Dados de 2017 mostram que a arrecadação nacional do ICMS, relativa àquelas bases, representa 48% do total (petróleo e combustíveis, 23%).

Esses porcentuais traduzem uma enorme e perigosa dependência, que inibe, no curto prazo, qualquer possibilidade de revisão da política tributária do ICMS.

No âmbito federal, os combustíveis restaram tributados pelo PIS/Cofins.

Desde 1978, os preços tabelados de combustíveis incluíam uma parcela denominada Frete de Uniformização de Preços (FUP), que objetivava equalizar os preços dos produtos, tendo em vista a diversidade de distâncias entre refinarias e postos de abastecimento.

Na década de 1990, houve uma grande desregulamentação do mercado, principalmente por força da eliminação do monopólio da Petrobrás nas atividades de comercialização e importação de combustíveis, daí decorrendo melhoria de competitividade, a despeito de aumento da sonegação e da adulteração de produtos.

Nesse contexto, foi extinta a FUP, sendo criada, entretanto, uma conta financiada por item integrante dos preços, denominado Parcela de Preço Específica (PPE), que bancava a diferença entre os preços de petróleo importado, em regime de monopólio pela Petrobrás, e o produzido no País.

A eliminação, em 2002, do monopólio da Petrobrás na importação implicava extinção da PPE, com perda de arrecadação, e desequilíbrio de tratamento tributário entre o combustível importado e o produzido domesticamente, pois este seria tributado pelo PIS/Cofins e aquele não.

A solução encontrada consistiu em estabelecer previsão constitucional (Emenda 33/2001) para instituição de uma contribuição de intervenção econômica (Cide) no setor.

As alíquotas da Cide poderiam ser diferenciadas por produto, o que permitiria conferir tratamento menos gravoso ao etanol, e alteráveis por decreto, do que resultaria imediato ajustamento ao instável mercado internacional de petróleo.

O produto da arrecadação seria destinado, inclusive, à concessão de subsídios a preços e ao transporte de combustíveis, de caráter compensatório às flutuações nos preços de combustíveis ao consumidor final.

O sucesso da Cide no combate à sonegação e estímulo ao etanol não teve correspondência na destinação dos recursos. Procedeu-se, igualmente, à alteração constitucional no ICMS incidente sobre combustíveis, prevendo alíquota uniforme e com a mesma flexibilidade da Cide. Essas regras, entretanto, jamais vieram a ser implementadas.

A Emenda Constitucional 42/2003, ao alterar o artigo 150, fulminou a flexibilidade da Cide. Já a Emenda 44/2004 estabeleceu a partilha da Cide com os Estados e municípios, comprometendo sua finalidade regulatória.

Portanto, os problemas na tributação dos combustíveis não têm explicação genérica, mas muito específica. Decorrem de opções erradas feitas na marcha da insensatez.