domingo, 29 de abril de 2018

Com bens bloqueados, alvos da Lava Jato não pagam indenização e seguem presos, FSP

Com bens bloqueados, alvos da Lava Jato não pagam indenização e seguem presos

Condenados e réus não são autorizados a passar ao regime semiaberto por não devolverem verba pública

Felipe Bächtold
SÃO PAULO
​O pagamento de reparações de danos milionárias criou um impasse que trava a concessão de benefícios de progressão de regime a condenados na Lava Jato.
A Justiça e o Ministério Público vêm rejeitando pedidos dos réus para ir, por exemplo, do regime fechado para o semiaberto, caso não sejam quitadas as obrigações fixadas na condenação. A reparação de danos é uma espécie de indenização pelo crime cometido, com a devolução dos recursos desviados.
Advogados, porém, dizem que não há como fazer esses pagamentos com bens bloqueados, como costuma ser determinado na Lava Jato. Além disso, os valores envolvidos nos processos costumam ser muito elevados, calculados com base nos desvios constatados nas ações penais, o que dificulta a quitação.
ex-ministro José Dirceu (PT), que está prestes a voltar à cadeia devido ao esgotamento de seus recursos contra condenação em segunda instância, disse à Folha no último dia 20: “Acabaram com a progressão penal. Você só pode ser beneficiado se reparar o dano que dizem ter causado. E como, se todos os seus bens estão bloqueados?” 
ex-deputado federal baiano Luiz Argolo (SD) permanece detido há mais de três anos e só não está no semiaberto porque não quitou os pagamentos. Em segunda instância, ele recebeu pena de 12 anos e 8 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A condenação inclui a obrigação de pagar R$ 1,3 milhão, além de multa, em valores corrigidos, de R$ 629 mil.
Diferentemente de outros presos, ele não tem mais ações pendentes, o que facilitaria a concessão dos benefícios. 
A defesa pediu a progressão à Justiça Estadual do Paraná, mas afirma que se viu obrigada a tentar negociar com a Petrobras, que é a vítima dos crimes, a reparação. O caso está agora sob análise da segunda instância. O ex-deputado obteve em 2017, por bom comportamento, o direito de cumprir a pena na Bahia para ficar mais perto da família.
“No Complexo Médico-Penal [onde estão presos da operação no Paraná], há acusados de estupro, latrocínio e tráfico de drogas que vão progredir de regime porque não têm essa obrigação da reparação de dano”, diz Marcelo Lebre, um dos advogados de Argolo.
Para Lebre, as defesas não prestaram atenção no início da operação a essa condicionante, que costuma ser mencionada nas sentenças. A reparação de danos em crimes contra a administração pública como condicionante está prevista no Código Penal desde 2003. 
Outros presos longevos da operação passam por situação parecida. O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, também preso há três anos, teve negado um pedido de progressão feito em 2017 e recebeu da Justiça a sugestão de ir atrás de um atestado de insolvência, que funciona como uma declaração de falência de pessoa física.
Essas situações não são discutidas com o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância, mas com o Juízo Estadual de Execuções Penais, que administra penas de presos do Paraná ou com uma outra Vara Federal paranaense. A Justiça Federal costuma oferecer possibilidade de parcelamento dessas dívidas.
A defesa do ex-tesoureiro reclama e diz que um processo de insolvência não é simples e pode demorar. Também afirma que, ao bloquear bens e contas, o Estado já deveria constatar o volume do patrimônio e a eventual incapacidade financeira.

BENS

Os bens dos condenados podem ficar bloqueados até que não haja mais recursos sobre seus casos nas instâncias superiores. Os réus podem começar a cumprir pena já a partir da condenação em segunda instância, mas o leilão do patrimônio só deve ocorrer quando toda a tramitação estiver esgotada.
ex-deputado federal paranaense André Vargas (PT) chegou a obter autorização no fim de 2016 para passar ao regime semiaberto e ir para uma colônia penal agroindustrial. O Ministério Público, porém, recorreu argumentando que o pagamento da reparação não tinha sido feito, e ele continuou preso. 
A defesa pediu que a Justiça considerasse como reparação de danos um depósito de fiança feito por um outro réu do mesmo processo, mas não foi atendida.
A lei prevê a progressão de regime para quem cumprir ao menos um sexto da pena.
No caso do ex-presidente Lula, preso desde o último dia 7, a reparação de danos na ação penal do tríplex de Guarujá (SP) foi fixada em R$ 13,7 milhões, mais juros e correção, além do valor levantado com o leilão do apartamento.
Em outras duas ações ainda não sentenciadas, o Ministério Público Federal quer que Lula pague reparações que, somadas, atingem R$ 230 milhões. 

INCAPACIDADE

A promotora do Paraná Marla Lurdes Blanchet, que atua na execução penal de presos da Lava Jato no Complexo Médico-Penal, diz que até agora os condenados da Lava Jato com os quais trabalha “não demonstraram a incapacidade absoluta” de pagar a reparação de danos. 
Segundo ela, as defesas podem agilizar a venda de patrimônio por meio do leilão antecipado dos bens bloqueados, mas há casos em que os condenados tentam “salvar o patrimônio de qualquer forma”.
“O legislador quis com esse artigo [mostrar] que não basta só a prisão, pena corporal. Tem que ressarcir o prejuízo causado. A reparação do dano é fundamental. Senão, o crime pode compensar.”
Em casos de leilões antecipados, se a condenação for revertida em cortes superiores, o dinheiro é devolvido a réu.
À Folha os procuradores da Lava Jato no Paraná afirmaram que há como reparar danos com o patrimônio bloqueado, “bastando que a parte não se oponha à venda antecipada dos bens arrestados”.

Blairo Maggi: Por que, não concordamos com a União Europeia, FSP

Blairo Maggi: Por que não concordamos com a União Europeia

Defendemos a abertura de um painel na Organização Mundial do Comércio contra as barreiras impostas pela União Europeia ao frango brasileiro

O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, em entrevista coletiva no último dia 17, em Brasília
O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, em entrevista coletiva no último dia 17, em Brasília - Adriano Machado - 17.abr.18/Reuters
Nos últimos 30 anos, o Brasil aumentou a produção de carne de frango em 575%. Somos o segundo maior produtor e o maior exportador mundial do produto, atendendo a mais de 140 mercados e gerando 3,5 milhões de empregos no país.

Uma avicultura competitiva como a brasileira pode alarmar alguns países, e é direito de qualquer governo atuar em defesa de seus interesses. Entretanto essa proteção não pode ocorrer de forma desleal, tampouco desobedecendo às regras do comércio internacional.

É por isso que o Ministério da Agricultura questiona as barreiras impostas pela União Europeia ao frango brasileiro.

Para impedir a importação de frango a preço competitivo, a UE estabeleceu a cota de 21 mil toneladas de frango in natura (código 0207.14.00) do Brasil. Contudo, importadores europeus identificaram uma cota de 170 mil toneladas no item "outras carnes salgadas" (0210.99.00). 

Dessa maneira, os produtores adicionavam uma pitada de sal (2% do peso do produto) e eram enquadrados na nova categoria, podendo exportar volumes maiores.

Com problemas de competitividade, a União Europeia proibiu, em 2002, a importação de frango como outras carnes salgadas.

O Brasil questionou a decisão na Organização Mundial do Comércio e saiu vitorioso. Os europeus foram, assim, obrigados a aceitar a importação de frango também por meio dessa cota maior.

Buscando inviabilizar o cumprimento da decisão, a União Europeia alterou suas normas sanitárias após perder a disputa. Para o frango in natura, continuou restringindo a presença de dois tipos de salmonela, como faz o Brasil.
Já para o frango com uma pitada de sal, que é como o Brasil ganhou o direito de exportar, os europeus fizeram uma sofisticada manobra e restringiram todos os 2.600 tipos de salmonela, micro-organismos naturalmente presentes nas aves, que são eliminados pelo cozimento.

É nessa regra, sem base científica, que se baseiam mais de 99% das acusações contra o frango brasileiro.

Assim, se quisermos usar a cota conquistada na OMC, ficamos sujeitos às exigências sanitárias adicionais. Por outro lado, quando se classifica o mesmo produto como carne de frango in natura, o Brasil pode exportar para a União Europeia sem nenhum problema, com os mesmos critérios sanitários que a maioria dos países aplica —mas aí temos de pagar a tarifa de €1.024 por tonelada.

A questão, portanto, não é sanitária. Se houvesse, de fato, problemas de segurança dos alimentos, a entrada jamais seria autorizada com o pagamento de uma tarifa. Do ponto de vista microbiológico, os dois tipos de frango são equivalentes, e não há base científica para tratamento diferenciado.
A União Europeia está usando regras sanitárias —que deveriam ser usadas para garantir a saúde da população— com o objetivo de criar barreira comercial ilegal e descumprir decisão da OMC.
O Brasil tem sido implacável na prevenção e repressão de crimes contra a sanidade dos alimentos, punindo indivíduos e empresas que não cumpram os padrões de conformidade. Não podemos admitir que os nossos esforços para garantia da segurança dos alimentos sejam usados contra o Brasil.

Portanto, defendemos a abertura de um painel na Organização Mundial do Comércio contra as barreiras impostas pela União Europeia ao frango brasileiro.

Sabemos que o processo não será fácil nem rápido, mas o Ministério da Agricultura enfrenta os desafios com confiança —não apenas na busca contínua pela qualidade dos alimentos, mas também na defesa do Brasil nos mercados internacionais.
Blairo Maggi
É ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento desde maio de 2016 (PP-MT); foi senador (2011-2016) e governador de Mato Grosso (2003-2010)

    Jovem demais pra envelhecer, Antonio Prata FSP


    Jovem demais pra envelhecer

    Quase aos 30 você percebe que o jogo continua o mesmo, mas você mudou de time


    SÃO PAULO
    Eu já tinha cruzado a barreira dos 20 havia vários anos, trabalhava, pagava as contas, morava sozinho, mas continuava me vendo como adolescente e a coleção de latinhas seguia na estante atrás da minha cama. Até que, num Pão de Açúcar 24 horas, lá pelas duas da manhã de uma quarta, empurrando um carrinho com pão integral e Sapólio, cruzei com uns garotos e garotas de preto, cabelos estranhos, comprando Doritos e Smirnoff Ice.
    Meu reflexo foi achar-me um deles, mas num segundo momento percebi que não entendia bem suas roupas, não captava o significado daquelas franjas. Eles compravam Smirnoff Ice e Doritos: eu, pão integral e Sapólio. Eles estavam querendo ficar bêbados sem passar mal. Eu estava preocupado com o sistema digestivo e o asseio do fogão.

    Ilustração
    Ilustração - Adams Carvalho/Folhapress
    Não havia como negar, habitávamos faixas etárias diferentes. Voltei pra casa e guardei a coleção de latas no fundo de um armário. O choque é compreensível. Durante os primeiros 20 e tantos anos de vida o panorama humano que se apresenta aos nossos olhos é aparentemente estático. Você chega no mundo e os adultos já estão aí. Eles envelhecerão, mas continuarão a ser mais ou menos como já eram quando você surgiu. (Uma geração que está na faixa dos 50 não faz uma revolução cultural ao passar pros 60).
    E as crianças, bom, crianças são sempre crianças. (Na quinta série você não olha a nova turma do jardim de infância e diz, “Cara, olha que apropriação bizarra que esses moleques fazem da gangorra!” ou “Eles criaram um significado completamente novo pra pintura com guache!”). Mas chegando perto dos 30, numa madrugada, num supermercado 24 horas, você percebe que o jogo mudou. Ou melhor, o jogo continua o mesmo, você é que mudou de time.
    O segundo susto veio em 2008, assistindo ao filme “Apenas o Fim”, do Matheus Souza, com a Érika Mader e o Gregório Duvivier. Se no supermercado eu entendi que não era mais adolescente, no filme saquei que os adolescentes já tinham virado adultos. Já faziam filme e o filme era lindo e eu não entendia metade das referências. (Até o He-Man eu cheguei, mas quando o personagem do Gregório pergunta pra namorada “Qual o seu Pokémon favorito?” eu me senti como um Austregésilo de Athayde perdido na Comic Con).
    Pois hoje, voltando do Rio de Janeiro, recebi uma terceira facada de Cronos, esse deus que devora os filhos —mas que, ao contrário do mito, parece preferir nos deglutir não ao nascermos, baby beefs, mas curtidos no dry-age das décadas.
    Entrei no avião, sentei na minha poltrona e meus olhos grudaram num cara vindo pelo corredor. Era um cara bem normal. Meio careca, fios grisalhos em cima das orelhas. Barrigudo. Tinha umas rugas nos cantos dos olhos. Um ar cansado. Nada de especial. Por que, então, eu estava vidrado nele? Pois percebi, ó juventude dourada, ó ogivas de queratina, ó lépidos girinos na tépida lagoa do tempo, percebi que aquele sujeito aparentemente velho era mais novo do que eu. É isso aí: cheguei a uma idade em que os jovens já estão velhos. 
    Fiquei mal. Eu me achava novo demais pra ficar velho —e tal constatação, parece, é o principal sintoma da crise de meia idade. Tivesse muito dinheiro, comprava um carro esportivo, mas como a conta corrente não acompanhou a corrente dos anos, só me resta abrir um Smirnoff Ice e, do fundo de um armário, resgatar a velha coleção de latinhas.
    Antonio Prata