Com bens bloqueados, alvos da Lava Jato não pagam indenização e seguem presos
Condenados e réus não são autorizados a passar ao regime semiaberto por não devolverem verba pública
Felipe Bächtold
SÃO PAULO
O pagamento de reparações de danos milionárias criou um impasse que trava a concessão de benefícios de progressão de regime a condenados na Lava Jato.
A Justiça e o Ministério Público vêm rejeitando pedidos dos réus para ir, por exemplo, do regime fechado para o semiaberto, caso não sejam quitadas as obrigações fixadas na condenação. A reparação de danos é uma espécie de indenização pelo crime cometido, com a devolução dos recursos desviados.
Advogados, porém, dizem que não há como fazer esses pagamentos com bens bloqueados, como costuma ser determinado na Lava Jato. Além disso, os valores envolvidos nos processos costumam ser muito elevados, calculados com base nos desvios constatados nas ações penais, o que dificulta a quitação.
O ex-ministro José Dirceu (PT), que está prestes a voltar à cadeia devido ao esgotamento de seus recursos contra condenação em segunda instância, disse à Folha no último dia 20: “Acabaram com a progressão penal. Você só pode ser beneficiado se reparar o dano que dizem ter causado. E como, se todos os seus bens estão bloqueados?”
O ex-deputado federal baiano Luiz Argolo (SD) permanece detido há mais de três anos e só não está no semiaberto porque não quitou os pagamentos. Em segunda instância, ele recebeu pena de 12 anos e 8 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. A condenação inclui a obrigação de pagar R$ 1,3 milhão, além de multa, em valores corrigidos, de R$ 629 mil.
Diferentemente de outros presos, ele não tem mais ações pendentes, o que facilitaria a concessão dos benefícios.
A defesa pediu a progressão à Justiça Estadual do Paraná, mas afirma que se viu obrigada a tentar negociar com a Petrobras, que é a vítima dos crimes, a reparação. O caso está agora sob análise da segunda instância. O ex-deputado obteve em 2017, por bom comportamento, o direito de cumprir a pena na Bahia para ficar mais perto da família.
“No Complexo Médico-Penal [onde estão presos da operação no Paraná], há acusados de estupro, latrocínio e tráfico de drogas que vão progredir de regime porque não têm essa obrigação da reparação de dano”, diz Marcelo Lebre, um dos advogados de Argolo.
Para Lebre, as defesas não prestaram atenção no início da operação a essa condicionante, que costuma ser mencionada nas sentenças. A reparação de danos em crimes contra a administração pública como condicionante está prevista no Código Penal desde 2003.
Outros presos longevos da operação passam por situação parecida. O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, também preso há três anos, teve negado um pedido de progressão feito em 2017 e recebeu da Justiça a sugestão de ir atrás de um atestado de insolvência, que funciona como uma declaração de falência de pessoa física.
Essas situações não são discutidas com o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Lava Jato na primeira instância, mas com o Juízo Estadual de Execuções Penais, que administra penas de presos do Paraná ou com uma outra Vara Federal paranaense. A Justiça Federal costuma oferecer possibilidade de parcelamento dessas dívidas.
A defesa do ex-tesoureiro reclama e diz que um processo de insolvência não é simples e pode demorar. Também afirma que, ao bloquear bens e contas, o Estado já deveria constatar o volume do patrimônio e a eventual incapacidade financeira.
BENS
Os bens dos condenados podem ficar bloqueados até que não haja mais recursos sobre seus casos nas instâncias superiores. Os réus podem começar a cumprir pena já a partir da condenação em segunda instância, mas o leilão do patrimônio só deve ocorrer quando toda a tramitação estiver esgotada.
O ex-deputado federal paranaense André Vargas (PT) chegou a obter autorização no fim de 2016 para passar ao regime semiaberto e ir para uma colônia penal agroindustrial. O Ministério Público, porém, recorreu argumentando que o pagamento da reparação não tinha sido feito, e ele continuou preso.
A defesa pediu que a Justiça considerasse como reparação de danos um depósito de fiança feito por um outro réu do mesmo processo, mas não foi atendida.
A lei prevê a progressão de regime para quem cumprir ao menos um sexto da pena.
No caso do ex-presidente Lula, preso desde o último dia 7, a reparação de danos na ação penal do tríplex de Guarujá (SP) foi fixada em R$ 13,7 milhões, mais juros e correção, além do valor levantado com o leilão do apartamento.
Em outras duas ações ainda não sentenciadas, o Ministério Público Federal quer que Lula pague reparações que, somadas, atingem R$ 230 milhões.
INCAPACIDADE
A promotora do Paraná Marla Lurdes Blanchet, que atua na execução penal de presos da Lava Jato no Complexo Médico-Penal, diz que até agora os condenados da Lava Jato com os quais trabalha “não demonstraram a incapacidade absoluta” de pagar a reparação de danos.
Segundo ela, as defesas podem agilizar a venda de patrimônio por meio do leilão antecipado dos bens bloqueados, mas há casos em que os condenados tentam “salvar o patrimônio de qualquer forma”.
“O legislador quis com esse artigo [mostrar] que não basta só a prisão, pena corporal. Tem que ressarcir o prejuízo causado. A reparação do dano é fundamental. Senão, o crime pode compensar.”
Em casos de leilões antecipados, se a condenação for revertida em cortes superiores, o dinheiro é devolvido a réu.
À Folha os procuradores da Lava Jato no Paraná afirmaram que há como reparar danos com o patrimônio bloqueado, “bastando que a parte não se oponha à venda antecipada dos bens arrestados”.