domingo, 4 de junho de 2017

A procissão que ainda não terminou, OESP


São João del Rei expressa seu sentimento sobre acusações contra neto de Tancredo

Gilberto Amendola, enviado especial, O Estado de S.Paulo
04 Junho 2017 | 05h00
SÃO JOÃO DEL REI e CLÁUDIO (MG) - Em abril de 2014, Aécio Neves repetia o gesto do avô, Tancredo Neves, e carregava a chama da lanterna de prata pelas ruas da cidade histórica de São João del Rei (Minas Gerais) – durante as duas cerimônias mais emblemáticas da Semana Santa, o descimento da cruz e a procissão do enterro. Na época, a participação de Aécio foi considerada o lançamento “emocional” da campanha que, meses mais tarde, quase o transformaria em presidente da República. “Sabe que tudo nessa cidade tem um caráter religioso muito forte. As coisas têm significado. Aquela procissão foi diferente. Ela não terminou ainda...”, disse a professora Marta Rezende, de 52 anos, antes de ser interrompida pelo dobre fúnebre de um sino.
Em São João del Rei ninguém acredita no acaso. A vida dos moradores é revestida pela presença do mistério divino. Seus menos de 90 mil habitantes se dividem entre as 35 igrejas e uma série de confrarias religiosas – que não demoram a ensinar aos forasteiros e turistas o quão importante é aprender a ouvir aquilo que os sinos de São João falam.
Na quarta-feira passada, os dobres e repiques vieram da Catedral Basílica de Nossa Senhora do Pilar, mantida e administrada pela confraria da Nossa Senhora da Boa Morte. Dois dias depois, Aécio foi denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, após ser afastado do mandato de senador por decisão do ministro Edson Fachin, relator da Operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal (STF).
O sineiro Luiz Carvalho de Freitas, de 27 anos, é quem escala a torre da catedral para tocar aquele que é considerado o sino mais perigoso da cidade. “Ele é pesado. E não está bem balanceado. É preciso muita experiência”, conta Freitas que desde os tempos de coroinha sonhava em tocar os sinos da catedral. “Antigamente, os sinos avisavam às pessoas o que estava acontecendo. Avisavam se era um dia de festa ou de tristeza”, explica. “Hoje os sinos ainda significam muito aqui. A cidade anda um pouco triste. Esse é um toque de reflexão e busca por entendimento. Acho que é por tudo o que está acontecendo...”, completa.
Dessa vez a notícia ou “o tudo que está acontecendo” não chegou por meio dos sinos. Veio pela internet, pelos smartphones, televisão ou pela conversa do vizinho que acabou de ler o jornal. O Aécio, neto de Tancredo, foi gravado pedindo dinheiro ao empresário Joesley Batista, dono da JBS.
Nascido na cidade, Tancredo tem status de figura religiosa em São João del Rei. Sua importância se impõe, até mesmo, a de outro nascido por lá, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, um dos líderes da Inconfidência Mineira. Não por acaso, ao menos em São João del Rei, o 21 de abril é mais lembrado pela morte que ocorreu em 1985, a morte do quase presidente Tancredo.
Personagens folclóricos da cidade gostam de recordar do dia 21 de abril de 1985 como o dia que São João parou. O pipoqueiro Oscar Godofredo Amorim, de 67 anos, fala que “era um mar de gente”. “Foi o dia que eu mais vendi cana de açúcar.” A reverência à figura de Tancredo é tanta que o pipoqueiro recorda que, “se ele dissesse, ‘hoje ninguém come feijão em São João’, ninguém comia”.
Outro personagem da cidade, João Aureliano, o João Mão de Onça, ficou conhecido nacionalmente por ter sido o coveiro que enterrou o corpo de Tancredo e, principalmente, ter ficado com a colher (pá) usada na ocasião. “A cidade inteira chorou. Ele mandava aqui, mas era muito generoso”, conta Mão de Onça – que guarda a colher até hoje na própria residência. “Ela é minha. Já tentaram me roubar. Tentaram colocar em museu. Nada disso, ela é minha. Na época ofereceram 28 mil cruzeiros. Hoje deve valer uns 50 mil”.
Mão de Onça diz que sempre desconfiou de Aécio e a população nunca deu o mesmo crédito para ele como dava para o avô. “Eu mesmo votei na Dilma Rousseff”, revela. O coveiro tece uma série de comentários contra o suposto ato de corrupção envolvendo o neto de Tancredo para depois insinuar a cobrança de uma taxa para que a reportagem pudesse fotografar a colher com que ele enterrou Tancredo. A reportagem reclinou.
O emblemático solar dos Neves, no centro histórico de São João del Rei, está fechado. Apenas uma camareira atende o interfone e avisa que o local certo para visitação é o “Memorial” e não o casarão – e “no mais nós estamos instruídos para não falar nada”.
Assim como as críticas são feitas em “baixo tom”, quase não se vê pichações contra Aécio na cidade. A única encontrada pela reportagem estava quase na saída do município e dizia “Fora, Aécio e Cia.” Só isso.
A cidade já apoiou muito Aécio. Em festas em que ele comparecia era comum ver o povo o seguindo e ele retribuindo com beijos e demonstrações de carinho. “A cidade respeita muito a família Neves. E essas coisas (denúncias) são muito difíceis de acreditar”, comentou Dalva Neves Vieira, de 76 anos – que apesar do sobrenome não tem parentesco com o político. “Antes as pessoas brincavam com meu sobrenome e eu até gostava. Agora, a brincadeira já não é tão legal”, completa.
A bordo de uma Brasília. Uma boa lembrança que Aécio tem da sua juventude era o caminho feito entre São João del Rei e a cidade de Cláudio a bordo de uma Brasília velha. A viagem dura pouco mais de três horas – por uma estrada por vezes perigosa e com grande trânsito de caminhões.
A cidade, que tem pouco mais de 25 mil habitantes, foi onde nasceu a avó de Aécio, dona Risoleta Neves. O local ficou ainda mais conhecido depois da polêmica envolvendo o aeroporto da cidade (construído em um terreno de um parente de Aécio) e da ação da Polícia Federal nas fazendas do próprio Aécio e do primo dele Frederico Pacheco – que está preso por suspeita de lavar dinheiro da JBS em favor de Aécio.
O centro de Cláudio não lembra em nada São João del Rei. É possível encontrar prédios e até algum trânsito na área mais central. Na praça, aposentados e taxistas jogam truco usando tampinhas de refrigerante como se fossem dinheiro. Ao serem interrompidos pela reportagem, vão logo avisando: “Em São Paulo, vocês ainda votam no Aécio, né?”, ri o aposentado Antônio Silveira Filho, de 69 anos.
Questionada pelo Estado sobre as críticas ao senador afastado, a assessoria de imprensa afirmou que Aécio “tem laços familiares e históricos com as cidades de São João del Rei e Cláudio” e “luta, pelos meios legais, para que a injustiça cometida contra sua irmã e sua família seja reparada”. “As investigações demonstrarão a fraude das denúncias feitas, sobre às quais não existem provas”. Anteontem, Aécio foi denunciado por Janot por corrupção passiva, acusado de receber R$ 2 milhões de Joesley, e obstrução de Justiça.
Em meio às denúncias, há quem prefira pelas terras de Aécio falar de outros assuntos. O aposentado Otávio Loureiro, de 67 anos, discute, por exemplo, a qualidade da cachaça. “Aqui não tem disso. A gente malha o Aécio, mas tem respeito à memória da dona Risoleta”, afirmou, depois de dar um gole na ‘Sapezinha’, o destilado de cana mais consumido na região.

'O Eu Diário' - HÉLIO SCHWARTSMAN, FSP


FOLHA DE SP - 04/06

Quando você acessa alguma rede social em busca de notícias, acaba lendo um "jornal" que poderia muito bem receber o nome de "O Eu Diário". É que quem se informa apenas pelas redes acaba adquirindo um conteúdo ultrafiltrado, que exclui tudo o que o titular da conta não aprecia. O "noticiário" esportivo fala apenas do seu time; o político, do partido com o qual você se identifica; e as páginas de opinião trazem justamente as opiniões com as quais você já concorda.

Para alguns, essa poderia ser a definição de vida perfeita: um filtro que elimina tudo aquilo de que eu não gosto. Mas, como o mundo não é tão simples, a prática tem alguns efeitos colaterais deletérios. É esse o tema central de "#republic", de Cass Sunstein. Para o autor, as câmaras de eco em que as redes sociais nos colocam acabam reforçando a fragmentação e a polarização da sociedade. Sunstein analisa com competência a literatura psicológica que mostra por que e em quais condições isso ocorre. Para ele, as redes tratam as pessoas como consumidoras e não como cidadãs, e a diferença é importante para a democracia.

Se, no registro do consumo, podemos perfeitamente nos pautar apenas por nossos gostos e idiossincrasias, no da cidadania, precisamos nos expor a assuntos e ideias que não fazem parte de nossa pauta favorita. É preciso até ouvir e avaliar argumentos com os quais não concordamos.

Sem isso, os aspectos mais deliberativos de nossa democracia, que só funcionam em condições muito específicas, entram em colapso. E não é só. Sem uma base comum de problemas e ideias que valem a pena discutir, não temos nem sequer uma linguagem que possa ser usada -e compreendida- por todos.

Para Sunstein a questão não é se devemos ou não regular a internet e a liberdade de expressão, mas como fazê-lo para preservar ao máximo as vantagens da rede, as liberdades civis e a saúde da República.

Reforma do ensino médio esbarra em falta de estrutura e recursos, OESP

Luiz Fernando Toledo, O Estado de S.Paulo
04 Junho 2017 | 03h00
SÃO PAULO - Para que a reforma do ensino médio seja bem sucedida, é preciso garantir financiamento às escolas que mais precisam, oferecer constante suporte técnico e formação continuada aos professores, para que possam se aperfeiçoar nas disciplinas que lecionam e oferecer itinerários formativos com algum aprofundamento. Essa é a visão de especialistas ouvidos pelo Estado.
Para o superintendente do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, há "vários dilemas" de implementação da reforma que não estão explícitos na lei. "A flexibilização do currículo é uma mudança de potencial da política educacional como um tudo. Mas para isso é necessário um maior diálogo sobre os responsáveis finais, os conselhos estaduais e as secretarias de educação. A lei não é clara sobre como deve ser essa oferta", disse.
Ele destacou também que que a ampliação da carga horária no ensino médio faz o Brasil "ficar no trilho de todo o resto do mundo", mas que para que a mudança funcione é preciso fixar o professor em uma mesma escola e ofertar, continuamente, assistência técnica e formação continuada.
Outro desafio é a grande concentração de alunos na região nordeste, onde há muitos municípios pequenos com alta concentração populacional."Há uma grande quantidade de matrículas oferecidas por uma única escola nos municípios. No Nordeste, mais de 20% das matrículas são oferecidas por estas escolas únicas no município", diz. Ele destaca a situação de Estados como Paraíba e Rio Grande do Norte, em que esses porcentuais chegam a 37% e 36%, respectivamente.  "Em regiões com alta densidade populacional você pode especializar a escola em uma área e ofertar a mobilidade desse estudante entre escolas de um mesmo território", diz. "Mas para isso, é necessário grande investimento em assistência a essas escolas”.


Para o sociólogo e membro do Conselho Nacional de Educação (CNE) César Callegari, os municípios devem ter atenção redobrada com os itinerários para evitar um aumento da desigualdade. “O principal impacto é que, se não houver as desejadas opções (itinerários formativos), só vai se aprofundar a desigualdade e o isolamento dos alunos. Há um convite às saídas fáceis e precarizantes, como o recurso da educação à distância para suprir aquilo que as escolas não conseguem oferecer”, diz. A educação básica tem de ser interativa, com processos coletivos e relação entre os estudantes”, diz.

Aulas
Falta de infraestruturas e recursos podem travar reforma do Ensino Médio no País.Na foto, aluno na Escola Estadual Nossa Senhora Aparecida, em Passa Quatro (MG).  Foto: Felipe Rau
Idilvan Alencar, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), destaca que o principal desafio é explicar como será o financiamento da reforma. “Quando esta reforma coloca a necessidade de itinerários, ela diz que é preciso contratar mais professores. Haverá mais educação profissional, por exemplo, e vou precisar contratar professores daquela área”.
Para que os itinerários funcionem, diz, as secretarias devem ficar cada vez mais próximas das escolas, em contato com professores e alunos. “A  reforma ainda não fez diálogo direto com esses atores. Vai ter um itinerário ou mais de um em cada escola? O aluno vai poder escolher? Haverá estrutura para oferecer todos os itinerários em uma só escola?”, questiona.