domingo, 14 de agosto de 2016

Cortando o cabo da TV, OESP (sobre o futuro da TV)


Finalmente a televisão acompanha outros setores e começa a viver seu momento de revolução digital
13/08/2016 | 05h00
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 Por The Economist - O Estado de S.Paulo
Netflix, de Reed Hastings, e outros tiram 1% da base de assinantes do cabo nos EUA por ano. 

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    A esta altura, o futuro da televisão já deveria ter chegado – com um banho de sangue digno das cenas mais gráficas de Game of Thrones. Imaginava-se que o custo elevado da TV a cabo nos Estados Unidos, combinado com os péssimos serviços de atendimento ao cliente e o apelo crescente dos econômicos serviços de streaming sob demanda, faria com que milhões de consumidores desconectassem os serviços de cabo de seus televisores. As pessoas passariam a assistir à televisão pela internet e pagariam muito menos por isso. Em contrapartida, inúmeros canais de baixa audiência desapareceriam de uma hora para a outra.
    Pelo menos era esse o cenário com que muitos trabalhavam no setor. Mas a sangria da TV a cabo tem sido lenta. Os americanos começaram a cortar o cabo, mas a um ritmo de apenas 1% ao ano. A utilização de serviços de streaming, como o da Netflix, explodiu – atualmente, metade dos lares americanos conta com pelo menos uma assinatura desse tipo. Mas, em geral, sua contratação não leva as pessoas a abandonar a TV a cabo.
    As coisas não continuarão assim por muito tempo. Os pacotes de TV a cabo mais caros e parrudos, com até 200 canais, estão saindo de moda: não têm como fazer frente à agilidade das opções de streaming que começam a surgir. Duas gigantes de tecnologia, Amazon e YouTube (que pertence ao Google), além do Hulu, um serviço de streaming que é fruto de uma joint venture entre Disney, Fox e NBC Universal, estão em negociações para oferecer transmissões de TV ao vivo pela internet até o fim de 2016 ou início de 2017. A ideia é oferecer a programação das principais emissoras e diversos canais de esportes e entretenimento por quase a metade do preço que as pessoas pagam por um pacote de TV a cabo típico, ou seja, algo em torno de US$ 40 ou US$ 50.
    Isso deve pôr pernas para o ar aquele que era, e ainda é, o melhor modelo de negócios da história da mídia. O setor começou oferecendo pacotes para todos os gostos – inicialmente, a preços razoáveis. A audiência foi crescendo e o número de canais também, o que era bom para os anunciantes, para os estúdios que produziam os programas e para as ligas esportivas que vendiam os direitos de transmissão de seus eventos. As operadoras de cabo e as emissoras se esbaldavam com margens entre 30% e 60%, contentando-se em introduzir novas engenhocas, como os aparelhos de DVR, e ainda mais canais para seus fiéis clientes.
    Acontece que eles já não são tão fiéis. Ainda que o corte do cabo não esteja acontecendo em ritmo tão acelerado quanto muitos previam, o fenômeno começa a ganhar ímpeto. De 2013 para cá, o número de americanos que abandonam o cabo supera anualmente o dos que contratam novas assinaturas. Durante algum tempo, as perdas foram modestas: de um total de 101 milhões de assinantes, pouco mais de meio milhão cortou o cabo em 2013 e em 2014. No ano passado, porém, as operadoras de repente perderam 1,1 milhão de assinantes. Muitos mudaram para os pacotes mais comedidos da Sling TV, um produto novo, com transmissões via internet, da operadora de TV por satélite Dish Network. Os investidores entraram em pânico.
    Quem corta o cabo quase nunca volta atrás, juntando-se às fileiras dos jovens que chegaram à vida adulta na virada do milênio e fogem da TV a cabo como o diabo da cruz. O mundo desses espectadores do século 21 é o das assinaturas de filmes sob demanda: Netflix, Amazon Prime Video, Hulu, HBO Now e similares, que custam entre US$ 10 e US$ 15 por mês.
    Para estancar a sangria, as operadoras de cabo oferecem pacotes “combo”, com TV, internet e telefone, o que permite praticar preços mais competitivos. Também contam com a audiência dos americanos mais velhos. Nos EUA, os idosos são o grupo de espectadores que mais vê televisão. Por sua vez, os serviços prestados pela internet estão sujeitos a passar por alguns vexames com o streaming de TV ao vivo. Recentemente, o serviço sob demanda da HBO saiu do ar pouco antes do início da transmissão de Game of Thrones.
    Com o passar do tempo, porém, as mudanças devem abalar diversos atores que sobrevivem graças aos pacotes de TV a cabo: as grandes empresas de mídia, como a Viacom; os pequenos canais independentes; e as operadoras por satélite, que não têm muito o que vender além de TV. As sobreviventes serão as companhias que oferecem programas de TV “imperdíveis” e um ou outro canal pequeno de maior audiência. As operadoras de cabo talvez consigam se manter em pé com a venda de acesso à internet e, talvez, serviços de streaming. Os maiores vitoriosos serão os consumidores.
    © 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

    As mãos dele, Ruth Manus, OESP


    Houve um dia em que a vista ficou turva. A pressão despencou. O jantar da véspera rebelou-se, contrariou a lei da gravidade e me atravessou, agressivo e amargo. Era inverno, mas a fúria do meu corpo impôs um suor que arrancou qualquer casaco, atravessou os cabelos e correu salgado até o canto da boca.
    Ruth Manus,
    O Estado de S.Paulo
    14 Agosto 2016 | 02h00
    Eu já não me levantava do chão do banheiro, tentando que o mármore frio me devolvesse algum indício de conforto. Enquanto isso, o feminino pragmático da família, sintetizado na figura de mãe, atirava mudas de roupa em uma pequena mala, procurava as chaves do carro e pensava qual era o pronto-socorro mais próximo.
    As pálpebras pesavam sobre os olhos, a visão escura tentava vencer a lâmpada fria do banheiro. Mas algo me impedia de me entregar aos tantos encantos daquele desmaio, tão mais sereno do que o caos que circulava dentro do meu tronco. Um ventinho. Um ventinho que vinha de uma pasta de papelão. Uma pasta de papelão que era insistentemente balançada por uma mão fiel, há tanto tempo ali. Era ele, sentado no chão, ao meu lado.
    Eu poderia listar facilmente 50 características louváveis do meu pai. O sorriso fácil, a trajetória profissional, a atenção com as pessoas, os livros lidos, a segurança que sempre propiciou aos que o cercam, os trocadilhos sem graça, a linha tão clara para determinar o que é certo e o que é errado. Também poderia elencar 50 defeitos graves sem maiores dificuldades.
    Mas tudo isso descreveria um homem. E nada disso falaria sobre um pai. Trabalho, livros, trocadilhos. Nada tem relação íntima com essa missão tão árdua, mas cujos vínculos se formam da maneira mais simples. Um grande homem pode ser um pai miserável. Um homem miserável pode ser um grande pai.
    Pode-se pagar a melhor escola, dizer as frases mais bonitas, inspirar uma carreira e ainda assim não ser pai. Não é nada raro encontrar pessoas tentando criar raízes em chão de concreto. Tentando suprir presença com dinheiro, afeto com palavras. Tentando ser muito por achar que é pouco, quando o vínculo, na verdade, não é muito ou pouco. O vínculo é ou não é.
    Talvez ser pai não seja ser muito mais do que ser uma mão. Mão que ampara cabeça recém-nascida, que segura outra mão quando há medo, que aponta o dedo enquanto censura, que aponta o caminho no mapa ou fora dele. Que abana uma pasta de papelão durante o tempo que for necessário, como quem diz, simplesmente, eu ainda estou aqui.

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    quinta-feira, 11 de agosto de 2016

    Legislador pré-moderno numa sociedade complexa. Macaco em casa de louças. Desastre certo !, por Luiz Flávio Gomes , JusBrasil


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    O crime de furto está previsto nas leis brasileiras desde sempre. Toda coisa móvel pode ser objeto do crime (punido com pena de um a quatro anos de reclusão). O legislador brasileiro, de mentalidade pré-moderna, acaba de aprovar uma lei (13.330/16) para “tipificar, de forma mais gravosa, o furto de semoventes (animais) domesticáveis” (animais criados em grupos: bovinos, suínos, caprinos etc.). Tudo isso já está na lei geral (CP, art. 155). Mas sempre queremos “leis especiais”.
    A mentalidade pré-moderna odeia qualquer tipo de lei geral. O personalismo nos conduz a querer leis especiais, tratamentos especiais, mordomias especiais: “minha situação é diferente da dos outros”. “Meu caso é diferente”. “O gado, os animais, os suínos e os caprinos são diferentes”. “Eles merecem uma lei especial”. É isso o que foi feito, de forma totalmente equivocada (na forma e na substância).
    Mais uma vez, “macaco em casa de louças” (o desarranjo é geral, tudo é feito estabanadamente, sem a observância das técnicas e da razoabilidade). O povo desacredita totalmente nos legisladores. Quando eles fazem mais “barbaridades”, a profecia se cumpre. Um exemplo: se houver receptação para fins comerciais (de semoventes) a pena nova (de 2 a 5 anos de prisão) é menor que a anterior (de 3 a 8 anos de reclusão). Efeito contrário ao declarado pelo legislador. Isso é falta de técnica. É irracionalidade.
    Não há dúvida que todos os animais domesticados podem ser (e já são) objeto de proteção penal. Isso é indiscutível. O problema está nas distinções. Se a moda pegar teremos que fazer um dispositivo especial para as vítimas de furto de celulares, de motocicletas, de bicicletas e por aí vai.
    O fundo psicossocial da exigência de leis especiais reside no racismo (que, no século XIX, passou a distinguir “as raças superiores” das “raças inferiores” – Spencer etc.). O supostamente diferente tem que ter tratamento diferente. Trata-se de uma irracionalidade. Quando essa irracionalidade é trazida para o campo da política criminal vira um desastre.
    Quando as sociedades ou setores dela entram em colapso?
    As sociedades ou alguns dos seus setores entram em colapso em quatro situações: (a) quando são incapazes de prever um problema coletivo; (b) quando são incapazes de perceber esse problema; (c) quando são incapazes de resolvê-los (adotando medidas paliativas ou demagógicas para enganar a população) ou (d) quando não são bem sucedidas nas tentativas de solucioná-los (ver J. Diamond, Colapso, p. 503 e ss.).
    Nenhum item da criminalidade no Brasil diminuiu nos últimos 76 anos (1940 é a data do Código Penal vigente). Todos os crimes aumentaram. Para combater a chaga o legislador aprova em todo momento “leis novas para agravar a pena”. Já fez isso 160 vezes desde 1940. Resultado: um desastre. A lei por si só não muda a realidade. Mais importante é a certeza do castigo (ver nosso livro Populismo penal legislativo, JusPodivm).
    A velha estratégia de prevenir a criminalidade por meio da edição de uma nova lei penal que aumenta o castigo cominado se exauriu (ver nosso livro Populismo penal legislativo citado). Novas leis penais, ressalvados os casos de lacuna evidente, sobretudo por razões de proporcionalidade da pena (caso do feminicídio, por exemplo), são mais inúteis que caçar “Pokémon Go”, com a desvantagem de nem sequer gerar qualquer tipo de positivo prazer. Depois de 160 tentativas se nenhum resultado positivo aconteceu estamos diante de um fracasso.
    O mais relevante na prevenção dos delitos não é a edição de leis penais novas mais severas (frequentemente desproporcionais), sim, a certeza do castigo (ver Beccaria, Dos delitos e das penas, 1764). É correta a política criminal que busca a certeza do castigo (justo e proporcional). É demagógica e populista a política criminal que ilude a população com novas leis penais mais duras, sabendo-se da sua inefetividade (por falta de estrutura material, pessoal, tecnológica etc.).
    A delação premiada (regulamentada pela Lei 12.850/13) foi muito mais efetiva no combate aos delitos do colarinho branco no Brasil que todos os aumentos de pena referendados pelo legislador brasileiro (nessa área) em toda sua história. As incontáveis reformas legislativas aprovadas na era Collor, por exemplo, não representaram praticamente nada em termos de certeza do castigo.
    A delação, ao contrário, revolucionou, porque ela significou uma “destruição criativa” (na linguagem de Schumpeter), ou seja, uma inovação que destrói tudo que fica obsoleto. Na delação o colaborar confessa o delito, delata terceiros e facilita a produção das provas, agilizando a investigação e o processo criminal; e tudo se faz de forma responsável, porque sem provas a delação não produz nenhum efeito jurídico e tampouco gera o prêmio negociado.
    Promulgar leis e constituições, leia-se, normas constitutivas de um novo Estado de Direito, sem empoderar concretamente órgãos que possam fazer valê-las para todos (eficácia “erga omnes”) não deixa de ser uma iniciativa que busca finalidades comuns louváveis, mas todo o projeto está condenado ao fracasso, porque sem empoderamento de quem não é hegemônico (em qualquer que seja a sociedade) o cenário vivido não se modifica.
    A Lava Jato (que veio depois do mensalão) só ganhou a natureza de microrrevolução porque a polícia, o Ministério Público e os juízes foram concretamente empoderados (ou se empoderaram). Por força desse empoderamento hoje quase cem notáveis do mundo das elites dominantes e governantes estão encarcerados ou sob o regime da tornozeleira domiciliar. Isso significa mudar as relações sociais concretas (ou a frustração se torna inevitável). São dessas relações sociais concretas que temos que cuidar. Sem modificação delas as leis e as constituições bem intencionadas não passam de paisagens.
    As polícias judiciárias (que fazem investigações) foram sucateadas em todo país pelos governos estaduais. Aqui está o problema (no aspecto repressivo). Mas o problema maior, lógico, reside na falta de prevenção. O Brasil é uma das dez sociedades mais desiguais e injustas do planeta, com gravíssimos problemas educacionais. As elites dominantes e governantes, com mentalidade pré-moderna, não construíram uma sociedade, sim, uma “monstruosidade social” (Faoro).
    Monstruosidade social de um lado + sucateamento da polícia judiciária de outro = colapso total da segurança. Ao legislador, impotente, só resta fazer demagogia (para se reeleger). Sorte dele que a demagogia encontra eco social.

    Legislador pr-moderno numa sociedade complexa Macaco em casa de louas Desastre certo
    Lançamento: CURSO DE DIREITO PENAL – V.1 (2016) – PARTE GERAL (ARTS. 1º A 120) 2a Edição – Autores: Alice Bianchini, Luiz Flávio Gomes e Flávio Daher