Finalmente a televisão acompanha outros setores e começa a viver seu momento de revolução digital
13/08/2016 | 05h00
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Por The Economist - O Estado de S.Paulo
Netflix, de Reed Hastings, e outros tiram 1% da base de assinantes do cabo nos EUA por ano.
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A esta altura, o futuro da televisão já deveria ter chegado – com um banho de sangue digno das cenas mais gráficas de Game of Thrones. Imaginava-se que o custo elevado da TV a cabo nos Estados Unidos, combinado com os péssimos serviços de atendimento ao cliente e o apelo crescente dos econômicos serviços de streaming sob demanda, faria com que milhões de consumidores desconectassem os serviços de cabo de seus televisores. As pessoas passariam a assistir à televisão pela internet e pagariam muito menos por isso. Em contrapartida, inúmeros canais de baixa audiência desapareceriam de uma hora para a outra.
Pelo menos era esse o cenário com que muitos trabalhavam no setor. Mas a sangria da TV a cabo tem sido lenta. Os americanos começaram a cortar o cabo, mas a um ritmo de apenas 1% ao ano. A utilização de serviços de streaming, como o da Netflix, explodiu – atualmente, metade dos lares americanos conta com pelo menos uma assinatura desse tipo. Mas, em geral, sua contratação não leva as pessoas a abandonar a TV a cabo.
As coisas não continuarão assim por muito tempo. Os pacotes de TV a cabo mais caros e parrudos, com até 200 canais, estão saindo de moda: não têm como fazer frente à agilidade das opções de streaming que começam a surgir. Duas gigantes de tecnologia, Amazon e YouTube (que pertence ao Google), além do Hulu, um serviço de streaming que é fruto de uma joint venture entre Disney, Fox e NBC Universal, estão em negociações para oferecer transmissões de TV ao vivo pela internet até o fim de 2016 ou início de 2017. A ideia é oferecer a programação das principais emissoras e diversos canais de esportes e entretenimento por quase a metade do preço que as pessoas pagam por um pacote de TV a cabo típico, ou seja, algo em torno de US$ 40 ou US$ 50.
Isso deve pôr pernas para o ar aquele que era, e ainda é, o melhor modelo de negócios da história da mídia. O setor começou oferecendo pacotes para todos os gostos – inicialmente, a preços razoáveis. A audiência foi crescendo e o número de canais também, o que era bom para os anunciantes, para os estúdios que produziam os programas e para as ligas esportivas que vendiam os direitos de transmissão de seus eventos. As operadoras de cabo e as emissoras se esbaldavam com margens entre 30% e 60%, contentando-se em introduzir novas engenhocas, como os aparelhos de DVR, e ainda mais canais para seus fiéis clientes.
Acontece que eles já não são tão fiéis. Ainda que o corte do cabo não esteja acontecendo em ritmo tão acelerado quanto muitos previam, o fenômeno começa a ganhar ímpeto. De 2013 para cá, o número de americanos que abandonam o cabo supera anualmente o dos que contratam novas assinaturas. Durante algum tempo, as perdas foram modestas: de um total de 101 milhões de assinantes, pouco mais de meio milhão cortou o cabo em 2013 e em 2014. No ano passado, porém, as operadoras de repente perderam 1,1 milhão de assinantes. Muitos mudaram para os pacotes mais comedidos da Sling TV, um produto novo, com transmissões via internet, da operadora de TV por satélite Dish Network. Os investidores entraram em pânico.
Quem corta o cabo quase nunca volta atrás, juntando-se às fileiras dos jovens que chegaram à vida adulta na virada do milênio e fogem da TV a cabo como o diabo da cruz. O mundo desses espectadores do século 21 é o das assinaturas de filmes sob demanda: Netflix, Amazon Prime Video, Hulu, HBO Now e similares, que custam entre US$ 10 e US$ 15 por mês.
Para estancar a sangria, as operadoras de cabo oferecem pacotes “combo”, com TV, internet e telefone, o que permite praticar preços mais competitivos. Também contam com a audiência dos americanos mais velhos. Nos EUA, os idosos são o grupo de espectadores que mais vê televisão. Por sua vez, os serviços prestados pela internet estão sujeitos a passar por alguns vexames com o streaming de TV ao vivo. Recentemente, o serviço sob demanda da HBO saiu do ar pouco antes do início da transmissão de Game of Thrones.
Com o passar do tempo, porém, as mudanças devem abalar diversos atores que sobrevivem graças aos pacotes de TV a cabo: as grandes empresas de mídia, como a Viacom; os pequenos canais independentes; e as operadoras por satélite, que não têm muito o que vender além de TV. As sobreviventes serão as companhias que oferecem programas de TV “imperdíveis” e um ou outro canal pequeno de maior audiência. As operadoras de cabo talvez consigam se manter em pé com a venda de acesso à internet e, talvez, serviços de streaming. Os maiores vitoriosos serão os consumidores.
© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.