22 Fevereiro 2016 | 13h53
Por Otaviano Helene*
Os investimentos públicos em educação, feitos pelo governo federal, pelos estados e pelos municípios, segundo dados oficiais, é da ordem de 5,2% do PIB nacional. Como esse percentual inclui, entre outras despesas, complementos previdenciários, investimentos em ciência e tecnologia, vários serviços prestados à população e transferências para entidades privadas, os gastos em educação pública no sentido estrito estão aquém daquele valor.
Por outro lado, uma estimativa com base nas arrecadações de impostos e nas exigências constitucionais de investimentos mínimos em educação como percentuais dessas arrecadações, adicionada ao salário-educação, indicam que os investimentos públicos em educação estariam pouco acima dos 4% do PIB nacional. Seja qual for o valor exato, uma pergunta cabível é: seriam esses recursos suficientes? A resposta é “não”.
Pelo menos dois fatores são fundamentais para estabelecer o volume de recursos necessários para a educação: o atraso acumulado e o tamanho da população jovem. Nenhum país com um atraso educacional como o nosso – e crescente, uma vez que, hoje, uma em cada quatro crianças abandona a escola antes de completar o ensino fundamental e quase a metade dos jovens já estará excluída do sistema antes de completar o ensino médio – conseguiria escolarizar sua população com tão poucos recursos. Os valores típicos dos investimentos públicos em educação nos países que superaram ou estão superando atrasos educacionais graves foram ou são da ordem de 10% do PIB. Portanto, faltam-nos outros cerca de 5% do PIB.
Quando os atrasos não existem, os investimentos públicos em educação necessários apenas para manter um bom sistema educacional ficam entre 5% e 7% do PIB, ou mesmo mais do que isso em alguns casos, variação que depende, inclusive, do percentual de crianças e jovens na população. Enquanto alguns países têm entre 25% e 30% de suas populações com idades de até 24 anos, outros os têm em proporções superiores a 60%. Mesmo entre os países industrializados, essa proporção pode variar bastante como, por exemplo, perto de 23%, no caso do Japão ou na Alemanha, e 32% ou mais, nos dos EUA ou da Noruega. Como no Brasil, essa proporção é da ordem de 40%, uma comparação internacional indica que, apenas para manter um bom sistema educacional, sem recuperar os atrasos, precisaríamos de cerca de 9% do PIB.
Essa insuficiência de recursos na média nacional também ocorre em cada estado. Em alguns estados com proporções de pessoas até 24 anos superiores a 50%, os investimentos correspondem a valores próximos dos 6% dos respectivos PIBs. Entretanto, considerando o tamanho relativo das populações jovens, esses estados precisariam investimentos duas vezes superiores para atender adequadamente suas crianças e jovens (e mais do que isso para também recuperar os atrasos acumulados). Em estados com menores proporções de jovens, os investimentos são mais baixos, como, por exemplo, cerca de 4% do PIB no caso paulista. Mas considerando que esse estado tem 38% da população até 24 anos, os investimentos necessários também precisariam ser bem maiores – pelo menos cerca de duas aquele valor e, repetindo, sem considerar os atrasos a serem recuperados.
Entre as consequências do subfinanciamento da educação estão a baixa remuneração dos professores das redes públicas, especialmente nas redes municipais e estaduais de educação básica, o excessivo número de estudantes por professor e o pouco tempo de permanência dos estudantes nas escolas. Portanto, alta evasão escolar e desempenho insuficiente dos estudantes não devem ser surpresas para ninguém.
Superar o problema do baixo investimento público em educação é essencial, tanto para garantir a todas as pessoas as condições educacionais que permitam plena inserção na sociedade como para formar os profissionais de que o país tanto precisa, inclusive para viabilizar o crescimento da produção econômica.
Durante vários anos, e de forma quase eufórica, os recursos do pré sal foram considerados como uma espécie de salvação geral da educação nacional. Mas essa expectativa era (e é) uma ilusão, como apontei em vários artigos ao longo dos últimos dez anos, inclusive n`O Estado de S. Paulo (em 22/11/2008, pág. 2).
Entre as razões que justificavam essa avaliação está o perigo de se vincular o financiamento da educação ao desempenho de um item da economia. Esse perigo diz respeito tanto à educação, que não pode depender do nível de exploração e da cotação dos recursos do pré-sal, como da política energética nacional, a qual poderia ser afetada negativamente pela necessidade de gerar royalties destinados à educação. Outra questão importante é referente ao volume de recursos dos royalties do pré-sal, o qual seria pouquíssimo significativo frente à necessidade do setor educacional, o que justifica o uso da expressão “ilusão” acima.
A plena continuidade de todos os problemas educacionais – uma pequena redução de alguns combinada com o agravamento de outros – desfaz totalmente a ilusão do pré-sal, a qual apenas serviu para adiar o enfrentamento do problema do financiamento público de nossa educação. E, vale lembrar, esse financiamento é uma obrigação tanto do governo federal como dos estados e municípios, em cujas redes está a enorme maioria dos estudantes da educação básica. Continuar com a prática de não financiar adequadamente a educação e criar ilusões, como a do pré-sal, é uma forma de construir hoje o atraso futuro do país.
* Otaviano Helene, professor no Instituto de Física da USP, ex-presidente da Associação dos Docentes da USP (Adusp) e ex-presidente do INEP, á autor, entre outros, do livro “Um diagnóstico da educação brasileira e de seu financiamento”, Ed. Autores Associados, 2013