domingo, 7 de agosto de 2016

A conta da Olimpíada ficará no Brasil - ELIO GASPARI


O GLOBO - 07/08

Daqui até o fim dos jogos, centenas de jovens subirão nos pódios, baixarão a cabeça e receberão as medalhas de ouro da Olimpíada do Rio. Serão momentos de sonho, felicidade e alegria. Da alegria dos jovens que sorriam para o mundo durante o desfile dos atletas na festa da abertura. Nada reduzirá a beleza dessas cenas. Para os brasileiros, ficarão os momentos de sonho e a conta. Alguém ainda fará o cálculo da fatura dos custos diretos e indiretos transferidos à Viúva. Chutando para cima, poderá chegar a R$ 500 milhões.

O Maracanã, joia da privataria do governo do Rio e da Odebrecht, tornou-se um magnífico elefante branco, incomparável em noites de festa. A manutenção das instalações olímpicas custará R$ 59 milhões anuais num Estado cuja rede de saúde pública entrou em colapso. A máquina de marquetagem que prometeu Olimpíada sem dinheiro público voava nas asas dos jatinhos de Eike Batista, o homem mais rico do Brasil, candidato ao pódio mundial. Era o tempo em que os governantes torravam o dinheiro achando que o pré-sal cobriria qualquer projeto.

Nos dias em que os problemas da Vila Olímpica dominaram o noticiário, foi frequente o argumento de que os críticos da festa carregavam o eterno "complexo de vira-lata".

Criação de Nelson Rodrigues, ele refletia "a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo". Bola dentro, mas às vezes a questão é mais complicada. Há cães de raça, mas há também adoráveis vira-latas.

A sorte, essa trapaceira, fez com que o repórter José Maria Tomazela mostrasse uma nova dimensão da problemática canina. Ele expôs a ação de uma quadrilha de Sorocaba (SP) que mutilava e pintava filhotes de vira-latas, transformando-os em chihuahuas e pinschers. Vendiam chihuahuas por R$ 300.

Viu-se assim outro ângulo da questão: há gente que vende chihuahuas e entrega vira-latas maquiados a pessoas que resolveram acreditar neles.


POTÊNCIA NUCLEAR

A condenação a 43 anos de prisão do almirante da reserva Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente da Eletronuclear, colocou a burocracia nacional no pódio das potencias atômicas. Não pela posse da bomba, mas porque em nenhum outro país aconteceu coisa igual.

Como se trata de um negócio parcialmente militarizado e sempre protegido pelo sigilo, o Brasil já torrou dezenas de bilhões de dólares com aventuras nucleares. Pela primeira vez, o contubérnio de autoridades com empreiteiras e fornecedores deu cadeia.

No século passado, um programa de cooperação com a Alemanha construiria oito usinas, mais uma de reprocessamento e outra de enriquecimento de urânio. Houve até burocrata prometendo que hoje o Brasil teria 41 usinas nucleares.

JOGO SUJO

Domingo passado, o desembargador gaúcho José Antonio Hirt Preiss esclareceu que o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal não era de R$ 39,3 mil. Esse é valor estabelecido num projeto que "está aguardando no fim da fila". O valor correto seria de R$ 33,7 mil.

Na quarta-feira (3), o projeto foi aprovado pela Comissão de Justiça do Senado. Antes de chegar ao plenário, o texto deve passar pela Comissão de Assunto Econômicos.

O senador Ricardo Ferraço, crítico da iniciativa, não gostou da pressa: "Estou estarrecido com essa manobra. Quando fui avisado de que votariam, foi o tempo de eu chegar lá, mas já tinham votado. É um escárnio aprovar isso. O efeito cascata chegará a R$ 3 bilhões".


DILMA 3.0

Quem conviveu com Dilma Rousseff na cadeia assegura que ela demonstrou uma rara capacidade de adaptação à vida no cárcere.

Dentro de algumas semanas, Dilma passará por uma nova provação, devendo adaptar-se a uma vida na qual as portas não se abrem sozinhas e a geladeira precisa ser abastecida.

É muito provável que depois de passar um tempo em Porto Alegre ela siga para um período de descompressão no exterior. Se ela quiser conforto e não tiver juízo, pousará em Cuba.

FOGOS PETISTAS

As divergências entre Dilma e comissários petistas refletem a crise de um partido que está pronto para explodir.

Será fácil para os comissários jogar Dilma ao mar (como vão jogar), mas isso não resolverá as diferenças mais fundas. A charanga irá unida até a eleição municipal. Daí em diante, cada um seguirá sua vocação. A banda ideológica, imunizada em relação à Lava Jato, ralará. Enquanto a fisiológica já começou a se aninhar nos partidos que bicavam o mensalão e as petrorroubalheiras.

O MURO DO TUCANO

O Instituto Teotônio Vilela, do PSDB, publicou um texto criticando (corretamente) a gastança do governo de Temer e disse que é necessário "fechar a torneira dos gastos".

É o tucanato no seu melhor estilo. O PSDB tem dois ministros no governo, mais o líder no Senado. Se isso fosse pouco, o governador tucano Geraldo Alckmin foi um grande beneficiado pela renegociação das dívidas dos Estados, não só porque o espeto paulista era o maior, mas também porque tirou bom proveito das gambiarras aceitas por Temer.


TEMER IRÁ À CHINA ASSOMBRADO POR LOROTAS

Michel Temer pretende visitar a China na sua primeira viagem ao exterior. Será uma boa oportunidade para evitar os desastres e papagaiadas que acompanharam três visitas oficiais de caciques dos dois países.

Em 2004, o presidente Hu Jintao visitou Brasília e o Itamaraty contratou um intérprete terceirizado. Hu disse que a China pretendia aumentar o fluxo comercial (maoy) com a América Latina para US$ 100 bilhões. O moço traduziu anunciando um aumento dos investimentos (touzi). A bobagem foi notícia pelo mundo afora, e os chineses foram discretos ao corrigi-la.

Em 2011, Dilma Rousseff foi a Pequim e anunciou que a empresa Foxconn faria um retumbante investimento de US$ 12 bilhões para fabricar equipamentos e produtos da Apple no Brasil. Geraria 100 mil empregos, dos quais 20 mil seriam engenheiros. A megalomania foi prontamente desmentida pelo dono da empresa. Em 2015 haviam sido criados 3.000 empregos de baixa qualificação em Jundiaí, produzindo os iPhones que chegam ao consumidor com os preços mais caros do mundo. (Parte dessa anomalia está nos impostos nacionais.)

Em 2015, o primeiro-ministro Li Keqiang passou por Brasília, e o comissariado anunciou que ele traria um pacote de US$ 53 bilhões em investimentos. A joia dessa coroa seria a construção de uma ferrovia Transoceânica, ligando os litorais do Atlântico e do Pacífico da América do Sul. Era lorota.

Nenhuma dessas fantasias saiu da diplomacia ou da máquina de propaganda chinesas.

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