segunda-feira, 18 de julho de 2016

Bancos públicos financiaram 83% da infraestrutura, Estadão


18/07/2016 - Estadão
No fim do primeiro mandato da presidente afastada Dilma Rousseff, de cada R$ 100 investidos em infraestrutura, R$ 83 saíram dos bancos públicos, revela estudo inédito da Confederação Nacional da Indústria (CNI), que será divulgado hoje. BNDES, Caixa e Tesouro Nacional garantiram juntos R$ 137,9 bilhões dos R$ 166,2 bilhões desembolsos para transportes, energia elétrica, telecomunicações e saneamento em 2014. Sozinho, o banco de fomento foi responsável por quase metade dos empréstimos.

“A situação econômica atual e o realismo desse novo governo do presidente Temer vai impedir que isso se repita. Mas temos um legado pesadíssimo que vamos pagar nas próximas décadas”, afirma Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B e um dos coautores do estudo. Segundo ele, essa dependência quase absoluta pelos financiamentos com dinheiro público gerou uma série de distorções nos projetos.

“É como se o governo tivesse dado uma festa para alguns poucos, que tomaram um porre, e todos nós teremos que pagar a conta nos próximos anos”, compara.

Qualidade. De acordo com o estudo, o Brasil deveria investir entre 4% e 5% do PIB em infraestrutura para se aproximar de países com níveis semelhantes de desenvolvimento.

Atualmente, pouco mais de 2% do PIB são investidos na área. A CNI avalia que, em um curto espaço de tempo, não é possível ao País alcançar uma taxa de investimento em infraestrutura na casa de 5% do PIB – não apenas por restrições macroeconômicas, mas pela ausência de projetos de qualidade.

“O aumento da participação privada no aporte de capitais e na gestão de empreendimentos é imprescindível para que o País reverta o quadro de atraso”, afirma o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.

Diante da frustração de recursos que deve se manter nos próximos anos, é preciso uma revisão do modelo de financiamento para aumentar a participação das fontes privadas. No entanto, é improvável que instituições como fundos de pensão e seguradoras venham a ampliar de imediato sua exposição a papéis de infraestrutura.

Outras barreiras também dificultam a expansão do financiamento privado no setor, em especial o fato de as obras levarem um longo período para serem concluídas e para gerarem retorno financeiro.

Pesquisadores mapeiam toda a população de microrganismos da cana-de-açúcar, Fapesp


12 de julho de 2016

Diego Freire  |  Agência FAPESP – Um único exemplar de cana-de-açúcar é lar de 23.811 tipos de bactérias e 11.727 grupos diferentes de fungos. O achado é de pesquisadores do Instituto de Biologia (IB) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que realizaram o mapeamento completo e inédito das comunidades de microrganismos que habitam todos os tecidos da cana, da raiz às folhas.
A pesquisa, realizada no Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho em Ciências da Vida (LaCTAD), que conta com o apoio da FAPESP na modalidade Equipamentos Multiusuários(EMU), teve dois artigos publicados na revista Scientific Reports, do grupo Nature; o primeiro no dia 30 de junho, relatando o mapeamento completo do microbioma, o conjunto de microrganismos que vivem nos diferentes órgãos da planta; o segundo, publicado na terça-feira (12/07), apresenta um novo método para o isolamento e o cultivo de coleções dessas populações para o estudo das funções que elas desempenham para a planta.
Isso porque a microbiota dos vegetais, como a dos animais, medeia interações importantes entre o organismo e o seu meio – entre as quais, nas plantas, está a conversão do nitrogênio atmosférico em compostos nitrogenados, utilizados na síntese de proteínas. Mas, de acordo com os pesquisadores, sem o mapeamento completo do microbioma não seria possível conhecer mais a fundo essa relação, cuja compreensão pode fazer avançar a biotecnologia voltada para a produção agrícola sustentável.
“Existe uma comunidade de microrganismos habitando todos os organismos superiores que é fundamental para o favorecimento do sistema imune nos animais, no homem e nas plantas, atuando inclusive na defesa contra patógenos. No entanto, é de conhecimento da comunidade científica pouco mais do que meia dúzia de funções desempenhadas pelas bactérias e fungos dos vegetais, e estudos que avaliam a diversidade, a estrutura e o impacto dessa microbiota em culturas de importância econômica ainda são raros. Esses dois papers trazem uma nova visão do microbioma da cana e de como acessá-lo para desenvolver tecnologias baseadas na associação entre plantas e microrganismos”, disse Paulo Arruda, professor do Departamento de Genética e Evolução do IB-Unicamp. 
Os pesquisadores realizaram um inventário completo da estrutura e da composição das comunidades bacterianas e fúngicas associadas à cana. As mais de 35 mil espécies de bactérias e fungos mapeadas habitam o interior e a superfície de raízes, brotos e folhas.
“Esses milhares de tipos de microrganismos não devem estar contribuindo apenas para a meia dúzia de funções da microbiota da planta que são conhecidas atualmente. Trata-se de uma caixa-preta da biologia a ser desbravada”, disse Arruda, que também coordena o Centro de Biologia Química de Proteínas (SGC-Unicamp), apoiado pela FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE).
Mapa dos microrganismos
A identificação massiva das espécies de microrganismos que habitam a cana foi possível graças ao uso de um sequenciador de segunda geração, cuja tecnologia permite sequenciar marcadores de DNA microbiômico presentes em amostras de raiz, brotos e folhas sem a necessidade de se isolar e cultivar cada espécie de bactéria e fungo em laboratório, como era feito até então.
“Até pouco tempo atrás, por conta das limitações tecnológicas, a pesquisa ficava refém do cultivo de bactérias em laboratório, o que é um trabalho moroso e que resulta numa quantidade muito pequena de amostras, especialmente porque muitas espécies não crescem em meios de cultura. Dessa forma, conhecia-se apenas superficialmente a real diversidade das comunidades de microrganismos que habitam cada tecido da planta”, disse Rafael Soares Correa de Souza, do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp.
Além disso, ainda de acordo com o pesquisador, “a maioria dos trabalhos na área estava focada em analisar o microbioma apenas da raiz, determinando quais são as bactérias e demais microrganismos que se associam a ela e que estariam relacionados à apreensão de nutrientes e outros processos”.
O trabalho desenvolvido com o sequenciamento de segunda geração mapeou o microbioma da cana contemplando comunidades que vivem fora e dentro da raiz, do caule e nas folhas em diferentes estágios de desenvolvimento. Os pesquisadores agora dispõem de um “mapa” completo para saber quais são as bactérias e fungos mais abundantes, suas funções e possíveis aplicações biotecnológicas, acessando toda uma diversidade que não podia ser desbravada até então.
Para isso, foi desenvolvido um protocolo próprio de preparo do sequenciamento. Os pesquisadores coletaram amostras da raiz, do caule e das folhas separadamente e lavaram cada uma com uma solução especial. A água residual foi submetida a centrifugação de baixa velocidade para que resíduos do solo e do ambiente fossem separados, isolando-se os microrganismos. Em seguida, uma nova centrifugação foi feita – dessa vez, em alta velocidade – para precipitar as células contendo o material genético que seria sequenciado. O mesmo processo foi feito para os microrganismos que habitam o interior da planta, sendo que, para expô-los, os tecidos foram triturados no liquidificador.
Além do mapa, os pesquisadores dispõem de coleções de amostras representativas dos microrganismos que vivem no microbioma da planta.
“Essas coleções estão armazenadas de forma a serem facilmente acessadas, o que possibilitará a seleção de microrganismos para compor inóculos que representam diferentes comunidades e que podem ser estudados para que se saiba quais efeitos benéficos eles trazem às plantas. Temos, agora, um mapa e o recurso biológico necessário para o avanço da pesquisa”, disse Jaderson Silveira Leite Armanhi, também do CBMEG.
Além da FAPESP, a pesquisa foi financiada pela companhia energética de origem espanhola Repsol e pela Repsol Sinopec Brasil. Os trabalhos também contaram com a participação de pesquisadores do Centro de Biotecnología y Genómica de Plantas da Universidad Politécnica de Madrid (UPM), na Espanha.
Os resultados do mapeamento são apresentados no artigo Unlocking the bacterial and fungal communities assemblages of sugarcane microbiome, de Rafael Soares Correa de Souza, Vagner Katsumi Okura, Jaderson Silveira Leite Armanhi, Beatriz Jorrín, Núria Lozano, Márcio José da Silva, Manuel González-Guerrero, Laura Migliorini de Araújo, Natália Cristina Verza, Homayoun Chaichian Bagheri, Juan Imperial e Paulo Arruda, disponível para acesso em www.nature.com/articles/srep28774.
Já o artigo Multiplex amplicon sequencing for microbe identification in community-based culture collections, de Jaderson Silveira Leite Armanhi, Rafael Soares Correa de Souza, Laura Migliorini de Araújo, Vagner Katsumi Okura, Piotr Mieczkowski, Juan Imperial e Paulo Arruda, divulgado hoje, pode ser acessado em www.nature.com/articles/srep29543.

domingo, 17 de julho de 2016

A revolução oculta de 32, Aliás, OESP

Derrotado nas armas, São Paulo venceu nas iniciativas que modernizaram a economia e a sociedade brasileiras, diz sociólogo
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José de Souza Martins,
O Estado de S.Paulo
09 Julho 2016 | 16h00
Foto: FOTO REPRODUCAO

A Revolução paulista de 9 de julho de 1932 enfrentou não apenas uma ditadura em formação, mas também um preconceito consolidado contra São Paulo. Desde a proclamação da República por Deodoro contra os republicanos civis, mais do que contra a monarquia, era o republicanismo de propensão ditatorial, perfilhado pelo Exército, divergente do republicanismo paulista. E desde a greve geral de 1917, era São Paulo suspeito de ser um Estado de grevistas e bolcheviques. Sobretudo porque era o Estado que mais recebia trabalhadores imigrantes.
Essas concepções apareceram em documentos e em mensagens escritas a carvão nas paredes das casas invadidas nos bairros operários de São Paulo, já na Revolução Tenentista de 1924, que não foi uma revolução paulista, escritas por soldados do Exército, da Marinha e das forças públicas, oriundos de outros Estados, que ocuparam a cidade, bombardeando-a e matando civis inocentes, além de militares em combate. Mais de 500 mortos e muitos feridos e mutilados, crianças, velhos, mulheres, famílias inteiras, nos bairros operários como o Brás, o Belenzinho, a Mooca, o Cambuci. Fábricas foram destruídas, empregos cessaram. Fazia parte das tropas do general Potiguara, que atacou o bairro da Mooca, um desses soldados que mais tarde se juntaria ao bando de Lampião, com o apelido de Jararaca, e morreria no ataque dos cangaceiros a Mossoró, no Rio Grande do Norte. Acabou sendo objeto de devoção, lá mesmo, com fama de santidade. Um retrato daquele Brasil que diferia do Brasil de que São Paulo fazia parte, o das regiões que se modernizavam.
As revoluções tenentistas dos anos 1920 culminariam na Revolução de Outubro de 1930, iniciada no Rio Grande do Sul e liderada por Vargas, com apoio do Partido Democrático de São Paulo. Ainda que minimizado e colocado sob intervenção federal, como se fosse uma colônia, São Paulo deu à composição do Governo Provisório de Vargas o banqueiro e comerciante de café José Maria Whitaker para revigorar a economia e enfrentar criativamente as graves decorrências da crise econômica de 1929, que alcançava o Brasil inteiro. Whitaker antecipou-se a John Maynard Keynes, o formulador da Teoria Geral do Emprego, publicada em 1936, ao adotar em 1930-1931 uma solução pré-keynesiana para a crise, na compra do café colhido, ainda que sem mercado, e na queima dos estoques para manter o fluxo de renda e o nível de emprego na economia cafeeira com seus extensos efeitos multiplicadores na economia do País.
É o que em grande parte explica o surto industrial paulista dos anos 1930 com a manutenção e ampliação de um mercado interno que já não podia ser abastecido por importações devido à insuficiência de divisas. Diferente do que supôs Celso Furtado, o relatório de Whitaker, que ele não leu, indica que o ministro tinha clareza quanto à inovação que estava fazendo. Sua política não foi acaso, que para proteger o café teria promovido a industrialização sem o pretender, como Furtado sugeriu. São Paulo já dispunha de uma base industrial consolidada. Nasceu aí a oculta revolução econômica e social que modificou o Brasil para sempre, libertando-o do domínio da economia colonial de exportação e interiorizando os centros de decisão econômica.
Nos dias que precederam a Revolução de 1932, o Exército redefinia as divisas de São Paulo com Minas Gerais e anexava terras paulistas ao território mineiro, enquanto o governo federal tardava em convocar a Constituinte que os paulistas queriam. Havia, portanto, uma tensão grande em São Paulo quando, num domingo de maio, o promotor público Ibrahim Nobre fez vibrante discurso na Praça do Patriarca, agarrado a um poste de iluminação, clamando por uma constituição e por democracia. A multidão acabaria saindo em marcha pelas ruas da cidade até a Praça da República, na esquina da Rua Barão de Itapetininga. Ali ficava a sede da Legião Revolucionária, que apoiava Vargas. De dentro do prédio, tiros foram disparados, várias pessoas tombaram feridas, quatro mortos, que se tornariam o símbolo da revolta. A Revolução se tornara inevitável.
Derrotado nas armas, São Paulo venceu nas iniciativas decorrentes que consolidaram o nosso caminho de modernização econômica e social. Uma de suas principais iniciativas de vencido que não se dobra foi a da criação da Universidade de São Paulo, uma fábrica de conhecimento, para ela trazendo cientistas e intelectuais dos países desenvolvidos para criar aqui uma universidade de primeiro mundo. Eram os vencidos a quem Vargas ouvia para revolucionar a economia e as relações de trabalho, como Roberto Símonsen, industrial, engenheiro formado pela Escola Politécnica, que apoiara a Revolução de 1932. Era ele o teórico do primado da indústria para vencer a pobreza colonial dos ciclos econômicos que fragilizavam o País. O que possibilitou que milhares de brasileiros do interior e dos Estados vencedores migrassem para São Paulo atraídos pelos empregos que o surto industrial do Estado vencido criava.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS. ENTRE OUTROS
LIVROS, AUTOR DE O CATIVEIRO DA TERRA (CONTEXTO)