Derrotado
nas armas, São Paulo venceu nas iniciativas que modernizaram a economia e a
sociedade brasileiras, diz sociólogo
José
de Souza Martins,
O Estado de S.Paulo
O Estado de S.Paulo
09 Julho 2016 | 16h00
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A Revolução paulista de 9 de julho de 1932 enfrentou não apenas
uma ditadura em formação, mas também um preconceito consolidado contra São
Paulo. Desde a proclamação da República por Deodoro contra os republicanos
civis, mais do que contra a monarquia, era o republicanismo de propensão
ditatorial, perfilhado pelo Exército, divergente do republicanismo paulista. E
desde a greve geral de 1917, era São Paulo suspeito de ser um Estado de
grevistas e bolcheviques. Sobretudo porque era o Estado que mais recebia
trabalhadores imigrantes.
Essas concepções apareceram em documentos e em mensagens escritas
a carvão nas paredes das casas invadidas nos bairros operários de São Paulo, já
na Revolução Tenentista de 1924, que não foi uma revolução paulista, escritas
por soldados do Exército, da Marinha e das forças públicas, oriundos de outros
Estados, que ocuparam a cidade, bombardeando-a e matando civis inocentes, além
de militares em combate. Mais de 500 mortos e muitos feridos e mutilados,
crianças, velhos, mulheres, famílias inteiras, nos bairros operários como o
Brás, o Belenzinho, a Mooca, o Cambuci. Fábricas foram destruídas, empregos
cessaram. Fazia parte das tropas do general Potiguara, que atacou o bairro da
Mooca, um desses soldados que mais tarde se juntaria ao bando de Lampião, com o
apelido de Jararaca, e morreria no ataque dos cangaceiros a Mossoró, no Rio
Grande do Norte. Acabou sendo objeto de devoção, lá mesmo, com fama de
santidade. Um retrato daquele Brasil que diferia do Brasil de que São Paulo
fazia parte, o das regiões que se modernizavam.
As revoluções tenentistas dos anos 1920 culminariam na Revolução
de Outubro de 1930, iniciada no Rio Grande do Sul e liderada por Vargas, com
apoio do Partido Democrático de São Paulo. Ainda que minimizado e colocado sob
intervenção federal, como se fosse uma colônia, São Paulo deu à composição do
Governo Provisório de Vargas o banqueiro e comerciante de café José Maria
Whitaker para revigorar a economia e enfrentar criativamente as graves
decorrências da crise econômica de 1929, que alcançava o Brasil inteiro.
Whitaker antecipou-se a John Maynard Keynes, o formulador da Teoria Geral do
Emprego, publicada em 1936, ao adotar em 1930-1931 uma solução pré-keynesiana
para a crise, na compra do café colhido, ainda que sem mercado, e na queima dos
estoques para manter o fluxo de renda e o nível de emprego na economia cafeeira
com seus extensos efeitos multiplicadores na economia do País.
É o que em grande parte explica o surto industrial paulista dos
anos 1930 com a manutenção e ampliação de um mercado interno que já não podia
ser abastecido por importações devido à insuficiência de divisas. Diferente do
que supôs Celso Furtado, o relatório de Whitaker, que ele não leu, indica que o
ministro tinha clareza quanto à inovação que estava fazendo. Sua política não
foi acaso, que para proteger o café teria promovido a industrialização sem o
pretender, como Furtado sugeriu. São Paulo já dispunha de uma base industrial
consolidada. Nasceu aí a oculta revolução econômica e social que modificou o
Brasil para sempre, libertando-o do domínio da economia colonial de exportação
e interiorizando os centros de decisão econômica.
Nos dias que precederam a Revolução de 1932, o Exército redefinia
as divisas de São Paulo com Minas Gerais e anexava terras paulistas ao território
mineiro, enquanto o governo federal tardava em convocar a Constituinte que os
paulistas queriam. Havia, portanto, uma tensão grande em São Paulo quando, num
domingo de maio, o promotor público Ibrahim Nobre fez vibrante discurso na
Praça do Patriarca, agarrado a um poste de iluminação, clamando por uma
constituição e por democracia. A multidão acabaria saindo em marcha pelas ruas
da cidade até a Praça da República, na esquina da Rua Barão de Itapetininga.
Ali ficava a sede da Legião Revolucionária, que apoiava Vargas. De dentro do
prédio, tiros foram disparados, várias pessoas tombaram feridas, quatro mortos,
que se tornariam o símbolo da revolta. A Revolução se tornara inevitável.
Derrotado nas armas, São Paulo venceu nas iniciativas decorrentes
que consolidaram o nosso caminho de modernização econômica e social. Uma de
suas principais iniciativas de vencido que não se dobra foi a da criação da
Universidade de São Paulo, uma fábrica de conhecimento, para ela trazendo
cientistas e intelectuais dos países desenvolvidos para criar aqui uma
universidade de primeiro mundo. Eram os vencidos a quem Vargas ouvia para
revolucionar a economia e as relações de trabalho, como Roberto Símonsen, industrial,
engenheiro formado pela Escola Politécnica, que apoiara a Revolução de 1932.
Era ele o teórico do primado da indústria para vencer a pobreza colonial dos
ciclos econômicos que fragilizavam o País. O que possibilitou que milhares de
brasileiros do interior e dos Estados vencedores migrassem para São Paulo
atraídos pelos empregos que o surto industrial do Estado vencido criava.
JOSÉ DE
SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO,
MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS. ENTRE OUTROS
LIVROS, AUTOR DE O
CATIVEIRO DA TERRA (CONTEXTO)
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