domingo, 17 de julho de 2016

A revolução oculta de 32, Aliás, OESP

Derrotado nas armas, São Paulo venceu nas iniciativas que modernizaram a economia e a sociedade brasileiras, diz sociólogo
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José de Souza Martins,
O Estado de S.Paulo
09 Julho 2016 | 16h00
Foto: FOTO REPRODUCAO

A Revolução paulista de 9 de julho de 1932 enfrentou não apenas uma ditadura em formação, mas também um preconceito consolidado contra São Paulo. Desde a proclamação da República por Deodoro contra os republicanos civis, mais do que contra a monarquia, era o republicanismo de propensão ditatorial, perfilhado pelo Exército, divergente do republicanismo paulista. E desde a greve geral de 1917, era São Paulo suspeito de ser um Estado de grevistas e bolcheviques. Sobretudo porque era o Estado que mais recebia trabalhadores imigrantes.
Essas concepções apareceram em documentos e em mensagens escritas a carvão nas paredes das casas invadidas nos bairros operários de São Paulo, já na Revolução Tenentista de 1924, que não foi uma revolução paulista, escritas por soldados do Exército, da Marinha e das forças públicas, oriundos de outros Estados, que ocuparam a cidade, bombardeando-a e matando civis inocentes, além de militares em combate. Mais de 500 mortos e muitos feridos e mutilados, crianças, velhos, mulheres, famílias inteiras, nos bairros operários como o Brás, o Belenzinho, a Mooca, o Cambuci. Fábricas foram destruídas, empregos cessaram. Fazia parte das tropas do general Potiguara, que atacou o bairro da Mooca, um desses soldados que mais tarde se juntaria ao bando de Lampião, com o apelido de Jararaca, e morreria no ataque dos cangaceiros a Mossoró, no Rio Grande do Norte. Acabou sendo objeto de devoção, lá mesmo, com fama de santidade. Um retrato daquele Brasil que diferia do Brasil de que São Paulo fazia parte, o das regiões que se modernizavam.
As revoluções tenentistas dos anos 1920 culminariam na Revolução de Outubro de 1930, iniciada no Rio Grande do Sul e liderada por Vargas, com apoio do Partido Democrático de São Paulo. Ainda que minimizado e colocado sob intervenção federal, como se fosse uma colônia, São Paulo deu à composição do Governo Provisório de Vargas o banqueiro e comerciante de café José Maria Whitaker para revigorar a economia e enfrentar criativamente as graves decorrências da crise econômica de 1929, que alcançava o Brasil inteiro. Whitaker antecipou-se a John Maynard Keynes, o formulador da Teoria Geral do Emprego, publicada em 1936, ao adotar em 1930-1931 uma solução pré-keynesiana para a crise, na compra do café colhido, ainda que sem mercado, e na queima dos estoques para manter o fluxo de renda e o nível de emprego na economia cafeeira com seus extensos efeitos multiplicadores na economia do País.
É o que em grande parte explica o surto industrial paulista dos anos 1930 com a manutenção e ampliação de um mercado interno que já não podia ser abastecido por importações devido à insuficiência de divisas. Diferente do que supôs Celso Furtado, o relatório de Whitaker, que ele não leu, indica que o ministro tinha clareza quanto à inovação que estava fazendo. Sua política não foi acaso, que para proteger o café teria promovido a industrialização sem o pretender, como Furtado sugeriu. São Paulo já dispunha de uma base industrial consolidada. Nasceu aí a oculta revolução econômica e social que modificou o Brasil para sempre, libertando-o do domínio da economia colonial de exportação e interiorizando os centros de decisão econômica.
Nos dias que precederam a Revolução de 1932, o Exército redefinia as divisas de São Paulo com Minas Gerais e anexava terras paulistas ao território mineiro, enquanto o governo federal tardava em convocar a Constituinte que os paulistas queriam. Havia, portanto, uma tensão grande em São Paulo quando, num domingo de maio, o promotor público Ibrahim Nobre fez vibrante discurso na Praça do Patriarca, agarrado a um poste de iluminação, clamando por uma constituição e por democracia. A multidão acabaria saindo em marcha pelas ruas da cidade até a Praça da República, na esquina da Rua Barão de Itapetininga. Ali ficava a sede da Legião Revolucionária, que apoiava Vargas. De dentro do prédio, tiros foram disparados, várias pessoas tombaram feridas, quatro mortos, que se tornariam o símbolo da revolta. A Revolução se tornara inevitável.
Derrotado nas armas, São Paulo venceu nas iniciativas decorrentes que consolidaram o nosso caminho de modernização econômica e social. Uma de suas principais iniciativas de vencido que não se dobra foi a da criação da Universidade de São Paulo, uma fábrica de conhecimento, para ela trazendo cientistas e intelectuais dos países desenvolvidos para criar aqui uma universidade de primeiro mundo. Eram os vencidos a quem Vargas ouvia para revolucionar a economia e as relações de trabalho, como Roberto Símonsen, industrial, engenheiro formado pela Escola Politécnica, que apoiara a Revolução de 1932. Era ele o teórico do primado da indústria para vencer a pobreza colonial dos ciclos econômicos que fragilizavam o País. O que possibilitou que milhares de brasileiros do interior e dos Estados vencedores migrassem para São Paulo atraídos pelos empregos que o surto industrial do Estado vencido criava.
JOSÉ DE SOUZA MARTINS É SOCIÓLOGO, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS. ENTRE OUTROS
LIVROS, AUTOR DE O CATIVEIRO DA TERRA (CONTEXTO)

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