Ministro da Fazenda, Joaquim Levy disse, em inglês, que “no Brasil, a maioria das empresas não gosta de pagar impostos”. E completou: “Nem quer pagar contribuição previdenciária”. Doleiro e cagueta, Alberto Youssef tem opinião sobre o tema: “Neste país, empresário não consegue nada se não tiver lobby”. Delata sua própria experiência. No caso de Levy, espera-se que não.
Nenhum dos dois se referia à Operação Zelotes, mas poderiam. “Quem paga imposto são os coitadinho (sic), quem não pode fazer acordo, negociata. Esses grandões aí estão passando tudo livre (sic), tudo isento de imposto”. A frase foi gravada pela Polícia Federal ao grampear – entre outros – um conselheiro do “tribunal” da Receita Federal notabilizado por mover zeros da direita para a esquerda em valores de dívidas tributárias.
Polícia Federal e Ministério Público estimam que a transmutação de zeros resulte em R$ 19 bilhões devidos por empresas ao Fisco mas jamais pagos – graças à ação milagrosa de consultores e conselheiros do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) em favor “desses grandões aí”. Além de dar razão a Levy, o papo dos milagreiros na Zelotes é de deixar mensaleiro e ministro do Supremo com complexo de inferioridade.
Por comparação, o valor dos pagamentos a deputados no mensalão os enquadraria, pela definição do conselheiro grampeado, como “coitadinhos”. Juízes daquele caso achavam que estavam julgando o maior escândalo da história, mas o superlativo ocorria em outro tribunal, sem transmissão pela TV Justiça.
Conselheiro conta ao consultor, pelo telefone, sobre a dívida contestada por um banco junto à Receita. Diz que após o julgamento favorável à empresa, um conselheiro é convidado a dar palestra em São Paulo, mas, apesar de ter ido de avião, prefere voltar de ônibus. Ao que o consultor comenta: “No aeroporto, como é que tu vai (sic) justificar uma mala cheia de dinheiro?”
Os alvos centrais da investigação são, na maioria, funcionários ou ex-funcionários de carreira, tanto da Receita quanto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Eles são os milagreiros suspeitos de transmutar zeros nas autuações de empresas. Prestam um serviço e são recompensados por ele pelos “grandões” que, graças à sua astúcia, economizam dezenas ou centenas de milhões.
É, tudo indica até agora, a velha corrupção, pura e simples. Sem complicadas operações financeiras, sem sofisticações, sem graça. Têm-se uma dívida cancelada ou abatida e paga-se uma fração do valor devido a quem operou o milagre. Não envolve caixa dois de partido, financiamento de campanha eleitoral nem nenhum outro ingrediente que seja capaz de apimentar o noticiário político.
São apenas grandes empresas que, na definição do ministro, não gostam de pagar impostos. Recorrem a advogados e consultores especializados em encontrar conselheiros e funcionários públicos dispostos a prestar seus serviços em troca de uma recompensa que, por vezes, não pode ser transportada por via aérea.
É o tipo de corrupção que não se preocupa com qual partido está no poder. Funciona cotidianamente. É parte do negócio. De tão ordinária, velha e esperada, não leva multidões às ruas. Não ganha hashtag no Twitter, nem página de protesto no Facebook. Muitas vezes, não vira nem notícia. Por isso, não seduz magistrados ocupados em projetar uma imagem de super-herói.
Não é o tipo de corrupção que pode ser resolvida pela reforma política – especialmente uma reforma proposta pelo PMDB. Muito menos pela redução da maioridade penal. É coisa de gente grande.
É o tipo de corrupção que arromba as contas públicas. Que subtrai do estado capacidade de investir em escolas e hospitais, de pagar melhor médicos e professores. E em uma crise fiscal como a de hoje, é o tipo de corrupção que provoca o aumento de impostos. Mas isso o corruptor sabe como resolver.