Publicado por Vitor Guglinski - 1 dia atrás
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Meu amigo Outrem Ego, que às vezes não parece, mas é muito bem humorado, contou-me o seguinte: dia desses, foi convidado para um jantar. Ao chegar na casa de seu colega de trabalho, viu, sentadas, num grande sofá de couro, quatro mulheres muito parecidas. "Elas tinham a mesma cara. Quero dizer, os rostos eram idênticos: bocas a narizes iguais, testas esticadas, sem rugas, apesar da idade (por volta dos cinquenta anos). Todas pálidas. Perguntei ao anfitrião: 'são irmãs?'. 'Não!', respondeu ele, 'Elas têm o mesmo cirurgião plástico...'".
No ano de 2013, pela primeira vez, o Brasil superou os Estados Unidos e se tornou líder mundial na realização de procedimentos cirúrgicos estéticos, de acordo com relatório divulgado pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps)[1]. Foram 1,49 milhão de cirurgias ou 12,9% do total mundial, que foi de 11,5 milhões. Isso não é pouca coisa, especialmente se considerarmos que a população norte americana é quase 60% maior que a brasileira[2] e com uma renda per capitamuito superior.
Na categoria de procedimentos estéticos não-cirúrgicos, como a aplicação de toxina botulínica - mais conhecida pela marca Botox -, um composto aplicado para ajudar a suavizar marcas e linhas de expressão no rosto, os Estados Unidos lideravam o ranking com 21,4% dos 11.874.937 casos de 2013. O Brasil ficou em segundo lugar, com 5,5% do total. E, segundo o documento, as mulheres foram as que mais procuraram os médicos especialistas e passaram por algum processo estético (87,2%).
Por esses dados, é possível ver o tamanho do mercado e a quantidade de dinheiro envolvido. O ramo da medicina estética foi um dos que mais cresceu e, certamente, teve um desenvolvimento técnico e científico extraordinário. Verdade que, muitas das cirurgias são necessárias e têm feito muito bem às pessoas. Mas, como sempre tem acontecido neste nosso "planeta do consumo", o mercado acabou, de um modo ou de outro, "impondo" metas e modelos para o corpo humano.
Com efeito, o mercado conhece os desejos e os interesses dos consumidores e também sabe muito bem como criar "necessidades". Nesse tema do "modelo ideal" de um corpo humano feminino ou masculino, existe uma verdadeira enxurrada de informações chegando aos consumidores por todos os lados: via tevê com seus apresentadores e também pelos personagens de novelas, por intermédio do cinema, pelas passarelas de moda e anúncios publicitários, pelas revistas de moda, de futilidades, de fofocas e até de notícias – repletas de anúncios publicitários com corpos-modelo, etc., além de indicações de como o corpo humano há de ser.
Como diz meu amigo: "Não é a realidade! Andando pelas ruas, passeando em shopping-centers ou em parques, enfim visitando o mundo concreto só muito raramente esses corpos desenhados, projetados e amoldados aparecem". Ele tem razão, inclusive porque a utilização cada vez mais dos sistemas de modelagem tipoPhotoshop proporcionam imagens desde logo diferentes do real. Ou, como ele contou: "Tenho um amiga que posou para uma revista. Quando saíram as fotos, ela exclamou: 'Nossa! Não sabia que eu era tão bonita!'".
Tudo isso poderia passar despercebido não fosse o efeito que causa na psiquê de muitas pessoas. Algumas que não se aceitam como são, outras que querem ficar parecidas com seus ídolos, aquelas que não aceitam envelhecer e até as que querem ficar parecidas com objetos de ficção! E, há também, como observou meu amigo no jantar a que compareceu, uma verdadeira "massificação" da estética facial com suas bocas, lábios, narizes, testas, etc.
Recentemente, a Victoria's Secret (VS) colocou no mercado norte americano um anúncio publicitário que deu o que falar: numa foto com várias jovens mulheres trajando apenas calcinha e soutien da marca, havia escrito na frente: "The Perfect 'body'". Lançado o anúncio, logo depois, foi feita uma petição on line para que a marca pedisse desculpas por estar celebrando a ideia de um "corpo perfeito" mostrando apenas modelos muito magras, e que conseguiu milhares de assinaturas. Aproveitando o embalo, uma concorrente, a Dear Kate, fez um anúncio idêntico mostrando mulheres com seus corpos naturais muito diferentes das "angels" (como são conhecias as modelos da VS)[3].
Analisando-se o anúncio, pode-se até objetar que a marca não quisesse dizer que aquelas modelos tinham um corpo perfeito, pois a palavra "body" está entre aspas e poderia, então, estar fazendo referência à lingerie e não ao corpo. Pode ser. Mas, o caso serve para ilustrar toda a imposição de modelos de corpos femininos (e também masculinos) que declarando ou não, insinuam que aquilo sim é o corpo humano "adequado", "correto", "bonito", "perfeito". Como se existisse mesmo um corpo humano perfeito!
O mau nisso tudo está em que, cada vez mais, fruto dessa avalanche de imagens produzidas por corpos desenhados, projetados e massificados num certo padrão, o corpo vai tomando o lugar da pessoa. O perigo é o de que se acabe dando mais importância ao corpo humano que a pessoa humana, algo que, em parte, já acontece.
Eu, particularmente, não faço qualquer consideração de valor a respeito das pessoas que querem modificar sua aparência. Sendo maiores de idade, querendo fazer e podendo pagar o preço, trata-se de decisão de foro íntimo, mero exercício de direito subjetivo e privado de cada um. Não penso o mesmo em relação a certas posturas do mercado e também em relação aos "exageros" que, tudo indica, escondem problemas de ordem psíquica, que reclamariam um outro tipo de tratamento.
Examinemos, pois, o incrível caso das pessoas que alteram seus corpos para ficarem parecidas com objetos de ficção. Citarei os mais famosos casos: os das mulheres que querem ficar parecidas (ou "iguais") com a boneca Barbie e os dos homens que querem ficar parecidos (ou "iguais") com o boneco Ken (o namorado da Barbie)[4]. Foi o desenvolvimento das técnicas de cirurgia plástica que permitiu que essas pessoas pudessem "sonhar" em se tornarem uma "coisa". Mas, pergunto: será que tudo o que pode, deve? Já tive oportunidade de comentar o problema das mulheres implantaram seios de silicone de mais de cinco litros em cada um[5]. Pode, porque é possível, mas não há fundamento ético capaz de basear operações desse tipo.
A construção dessa imagem corporal artificial vinda de fora, como um projeto dedesign criado pelo mercado, não à toa tem gerado doenças relativas à alimentação. A magreza em excesso gerada pela bulimia e pela anorexia[6] são eventos bem conhecidos neste particular. Pergunto, então: por que esses distúrbios alimentares são considerados doenças e cirurgias estéticas em excesso ou para fins estranhos não?
O que se diz é que falta embasamento ético na atividade profissional de alguns cirurgiões plásticos. Do mesmo modo que eles deveriam se negar a efetuar operações de implantes de seios exageradamente volumosos, deveriam se negar também a tentar transformar seres humanos em bonecos! Sei que o dinheiro fala mais alto, mas é importante que nós saibamos que nem tudo é uma questão de preço e sim de valor. Ou como diria o Barão de Itararé: "A pessoa que se vende sempre recebe mais do que vale"[7].
Termino com as palavras de meu amigo: "Seria muito bom se algum dia, quando um cirurgião plástico fosse procurado por uma pretendente a Barbie ou um aspirante a Ken, que ele não só se negasse a fazê-lo como, desde logo, indicasse um psiquiatra ao candidato".