quarta-feira, 15 de julho de 2015

O corpo humano como produto de consumo, Publicado por Vitor Guglinski (Brasil ultrapassa os EUA e se torna líder de cirurgias plásticas.)


Publicado por Vitor Guglinski - 1 dia atrás
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Meu amigo Outrem Ego, que às vezes não parece, mas é muito bem humorado, contou-me o seguinte: dia desses, foi convidado para um jantar. Ao chegar na casa de seu colega de trabalho, viu, sentadas, num grande sofá de couro, quatro mulheres muito parecidas. "Elas tinham a mesma cara. Quero dizer, os rostos eram idênticos: bocas a narizes iguais, testas esticadas, sem rugas, apesar da idade (por volta dos cinquenta anos). Todas pálidas. Perguntei ao anfitrião: 'são irmãs?'. 'Não!', respondeu ele, 'Elas têm o mesmo cirurgião plástico...'".
No ano de 2013, pela primeira vez, o Brasil superou os Estados Unidos e se tornou líder mundial na realização de procedimentos cirúrgicos estéticos, de acordo com relatório divulgado pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps)[1]. Foram 1,49 milhão de cirurgias ou 12,9% do total mundial, que foi de 11,5 milhões. Isso não é pouca coisa, especialmente se considerarmos que a população norte americana é quase 60% maior que a brasileira[2] e com uma renda per capitamuito superior.
Na categoria de procedimentos estéticos não-cirúrgicos, como a aplicação de toxina botulínica - mais conhecida pela marca Botox -, um composto aplicado para ajudar a suavizar marcas e linhas de expressão no rosto, os Estados Unidos lideravam o ranking com 21,4% dos 11.874.937 casos de 2013. O Brasil ficou em segundo lugar, com 5,5% do total. E, segundo o documento, as mulheres foram as que mais procuraram os médicos especialistas e passaram por algum processo estético (87,2%).
Por esses dados, é possível ver o tamanho do mercado e a quantidade de dinheiro envolvido. O ramo da medicina estética foi um dos que mais cresceu e, certamente, teve um desenvolvimento técnico e científico extraordinário. Verdade que, muitas das cirurgias são necessárias e têm feito muito bem às pessoas. Mas, como sempre tem acontecido neste nosso "planeta do consumo", o mercado acabou, de um modo ou de outro, "impondo" metas e modelos para o corpo humano.
Com efeito, o mercado conhece os desejos e os interesses dos consumidores e também sabe muito bem como criar "necessidades". Nesse tema do "modelo ideal" de um corpo humano feminino ou masculino, existe uma verdadeira enxurrada de informações chegando aos consumidores por todos os lados: via tevê com seus apresentadores e também pelos personagens de novelas, por intermédio do cinema, pelas passarelas de moda e anúncios publicitários, pelas revistas de moda, de futilidades, de fofocas e até de notícias – repletas de anúncios publicitários com corpos-modelo, etc., além de indicações de como o corpo humano há de ser.
Como diz meu amigo: "Não é a realidade! Andando pelas ruas, passeando em shopping-centers ou em parques, enfim visitando o mundo concreto só muito raramente esses corpos desenhados, projetados e amoldados aparecem". Ele tem razão, inclusive porque a utilização cada vez mais dos sistemas de modelagem tipoPhotoshop proporcionam imagens desde logo diferentes do real. Ou, como ele contou: "Tenho um amiga que posou para uma revista. Quando saíram as fotos, ela exclamou: 'Nossa! Não sabia que eu era tão bonita!'".
Tudo isso poderia passar despercebido não fosse o efeito que causa na psiquê de muitas pessoas. Algumas que não se aceitam como são, outras que querem ficar parecidas com seus ídolos, aquelas que não aceitam envelhecer e até as que querem ficar parecidas com objetos de ficção! E, há também, como observou meu amigo no jantar a que compareceu, uma verdadeira "massificação" da estética facial com suas bocas, lábios, narizes, testas, etc.
Recentemente, a Victoria's Secret (VS) colocou no mercado norte americano um anúncio publicitário que deu o que falar: numa foto com várias jovens mulheres trajando apenas calcinha e soutien da marca, havia escrito na frente: "The Perfect 'body'". Lançado o anúncio, logo depois, foi feita uma petição on line para que a marca pedisse desculpas por estar celebrando a ideia de um "corpo perfeito" mostrando apenas modelos muito magras, e que conseguiu milhares de assinaturas. Aproveitando o embalo, uma concorrente, a Dear Kate, fez um anúncio idêntico mostrando mulheres com seus corpos naturais muito diferentes das "angels" (como são conhecias as modelos da VS)[3].
Analisando-se o anúncio, pode-se até objetar que a marca não quisesse dizer que aquelas modelos tinham um corpo perfeito, pois a palavra "body" está entre aspas e poderia, então, estar fazendo referência à lingerie e não ao corpo. Pode ser. Mas, o caso serve para ilustrar toda a imposição de modelos de corpos femininos (e também masculinos) que declarando ou não, insinuam que aquilo sim é o corpo humano "adequado", "correto", "bonito", "perfeito". Como se existisse mesmo um corpo humano perfeito!
O mau nisso tudo está em que, cada vez mais, fruto dessa avalanche de imagens produzidas por corpos desenhados, projetados e massificados num certo padrão, o corpo vai tomando o lugar da pessoa. O perigo é o de que se acabe dando mais importância ao corpo humano que a pessoa humana, algo que, em parte, já acontece.
Eu, particularmente, não faço qualquer consideração de valor a respeito das pessoas que querem modificar sua aparência. Sendo maiores de idade, querendo fazer e podendo pagar o preço, trata-se de decisão de foro íntimo, mero exercício de direito subjetivo e privado de cada um. Não penso o mesmo em relação a certas posturas do mercado e também em relação aos "exageros" que, tudo indica, escondem problemas de ordem psíquica, que reclamariam um outro tipo de tratamento.
Examinemos, pois, o incrível caso das pessoas que alteram seus corpos para ficarem parecidas com objetos de ficção. Citarei os mais famosos casos: os das mulheres que querem ficar parecidas (ou "iguais") com a boneca Barbie e os dos homens que querem ficar parecidos (ou "iguais") com o boneco Ken (o namorado da Barbie)[4]. Foi o desenvolvimento das técnicas de cirurgia plástica que permitiu que essas pessoas pudessem "sonhar" em se tornarem uma "coisa". Mas, pergunto: será que tudo o que pode, deve? Já tive oportunidade de comentar o problema das mulheres implantaram seios de silicone de mais de cinco litros em cada um[5]. Pode, porque é possível, mas não há fundamento ético capaz de basear operações desse tipo.
A construção dessa imagem corporal artificial vinda de fora, como um projeto dedesign criado pelo mercado, não à toa tem gerado doenças relativas à alimentação. A magreza em excesso gerada pela bulimia e pela anorexia[6] são eventos bem conhecidos neste particular. Pergunto, então: por que esses distúrbios alimentares são considerados doenças e cirurgias estéticas em excesso ou para fins estranhos não?
O que se diz é que falta embasamento ético na atividade profissional de alguns cirurgiões plásticos. Do mesmo modo que eles deveriam se negar a efetuar operações de implantes de seios exageradamente volumosos, deveriam se negar também a tentar transformar seres humanos em bonecos! Sei que o dinheiro fala mais alto, mas é importante que nós saibamos que nem tudo é uma questão de preço e sim de valor. Ou como diria o Barão de Itararé: "A pessoa que se vende sempre recebe mais do que vale"[7].
Termino com as palavras de meu amigo: "Seria muito bom se algum dia, quando um cirurgião plástico fosse procurado por uma pretendente a Barbie ou um aspirante a Ken, que ele não só se negasse a fazê-lo como, desde logo, indicasse um psiquiatra ao candidato".

domingo, 12 de julho de 2015

Os imbecis estão ganhando?, por Sergio Davila, FSP


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SÃO PAULO - Em seu livro mais recente, "Número Zero" (Record, 2015), Umberto Eco trata do editor de uma publicação que nunca vê a luz do dia –apenas monta dossiês apócrifos, como os que a cada dois anos reaparecem nas eleições brasileiras, e com eles faz chantagem em busca de dinheiro.
Aos 83 anos, o autor de "O Nome da Rosa" está preocupado com o predomínio do que chama de "máquina de lama" no jornalismo profissional. Acredita que a função da imprensa séria será cada vez mais ajudar seus leitores a discernir o trigo do joio, que se encontra amplificado e tratado como verdade na internet.
O escritor italiano não tem boas palavras para as redes sociais. Há um mês, ao receber o título de doutor honoris causa na Universidade de Turim, disse que "a mídia social dá voz a uma legião de imbecis, que antes falava apenas no bar depois de beber uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade".
"Hoje eles têm o mesmo direito de palavra de um Prêmio Nobel. É a invasão dos imbecis", afirmou, no discurso de agradecimento. "O drama da internet é que ela promoveu o idiota da aldeia a portador da verdade."
As palavras soam duras e reducionistas. O saldo da popularização da internet e da facilidade de divulgação de opiniões que dela advém é mais positivo que negativo. Hoje, qualquer pessoa com uma conexão ou um celular diz em poucos segundos o que pensa sobre qualquer tema e, em países como a Itália ou o Brasil, sem censura.
O problema é que, assim como nos bares, no Facebook, no Twitter e no Instagram os imbecis fazem mais barulho que os sensatos.
E –como mostram episódios recentes de intolerância e racismo envolvendo os jornalistas Zeca Camargo e Maju Coutinho, a deputada federal Mara Gabrilli, o apresentador Jô Soares e a presidente Dilma Rousseff, em sua passagem há duas semanas pela Universidade Stanford– parecem ter mais admiradores. 

Além do ajuste 12/07/2015

Além do ajuste

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Não há como dourar a pílula. A crise política e econômica é das mais graves, e as incertezas quanto aos seus desdobramentos provocam desânimo adicional em investidores e consumidores. Um ciclo vicioso que asfixia o país.
Embora as circunstâncias tornem mais difícil a tarefa de distinguir ruídos breves das tendências e oportunidades duradouras, é urgente encontrar caminhos capazes de dar maior envergadura às expectativas nacionais. É crucial identificar uma nova agenda de desenvolvimento para o Brasil.
Se um quadro como o atual não se desenha com apenas um erro, nenhum traçado estará completo se não levar em conta um equívoco decisivo: o diagnóstico que o governo Dilma Rousseff (PT) fez a respeito das mudanças no panorama internacional a partir de 2011.
Para o país, o principal não era o baixo crescimento das nações ricas, mas o movimento de redução dos preços das matérias-primas. O buraco nas transações com o restante do mundo cresceu e atingiu 4,5% do PIB em 2013 e 2014.
No ambiente doméstico, o impacto interno esperado era o esgotamento do empuxo de consumo financiado por transferências governamentais e crédito facilitado.
O fim dessa dinâmica observada na década passada demandava uma gestão diferente na economia, mais direcionada para o crescimento da produtividade e menos fundada nas benesses oficiais.
A presidente Dilma, no entanto, resumiu seu primeiro mandato a uma tentativa de resistir a essa orientação. Aplicou o que imaginava ser um remédio: gastos públicos crescentes, intervenções setoriais e leniência com a inflação.
Tratava-se de veneno, contudo. Os sintomas não tardaram: PIB estagnado ou encolhendo e inflação sempre elevada. O desemprego até se manteve baixo por um tempo, mas à custa de desequilíbrios crescentes que agora cobram a fatura.
Como se a dose já não fosse suficientemente alta, o estelionato eleitoral torna a recuperação mais tormentosa. A sociedade brasileira não foi preparada para a mudança de rumo. Sem credibilidade, Dilma tornou-se refém da conjuntura.
Pelo menos no curto prazo, o rumo é claro. Não há alternativa a não ser persistir na arrumação das contas e no controle da inflação.
A situação das finanças é a mais complexa. Em quatro anos, um superavit primário (saldo das receitas e despesas antes do pagamento dos juros) de 3% do PIB se transformou em deficit de 1,5%.
O ministro da Fazenda, Joaquim Levy, tenta voltar ao azul e atingir até 2016 um saldo de 2% do PIB, o mínimo necessário para estabilizar a dívida. A recessão e a irresponsabilidade do Congresso, porém, tornam o aperto mais difícil.
Na batalha da inflação, o Banco Central deve sair-se vitorioso –aliás, corre o risco de exagerar na artilharia–, tendo em vista a contração da economia, que ajustará salários e empregos.
Como resultado, a inflação deve cair em breve e abrir espaço para um ciclo de cortes de juros –a taxa Selic, que chegou a 7,25% em 2012, hoje está em 13,75%.
Mas é preciso ir além do ajuste e construir uma estratégia de longo prazo. Depois de esgotado o ciclo do consumo, que não criou –nem poderia– condições perenes de crescimento, quais podem ser os novos vetores de dinamismo? Há pelo menos dois candidatos.
Um deles é a indústria, o setor mais prejudicado nos últimos anos –a produção manufatureira regrediu ao nível de 2006.
A atual combinação de câmbio desvalorizado com menores pressões salariais pode aos poucos abrir nova perspectiva. Para aproveitá-la, será preciso formar consenso em torno de maior abertura econômica e integração comercial com as cadeias mundiais de produção, além de simplificar os tributos que mais oneram a produção, como PIS/Cofins e ICMS.
É uma agenda para vários anos, mas que precisa começar o quanto antes. Há, felizmente, sinais favoráveis tanto na orientação menos protecionista de empresários como na aparente disposição do governo de buscar acordos comerciais.
Outro vetor possível é a infraestrutura. Verdade que o horizonte próximo parece comprometido em decorrência da Operação Lava Jato. Mas o país tem um deficit de investimento de 3% do PIB ao ano que precisará ser coberto. O novo plano de concessões do governo dá conta de 10% das necessidades até 2018. É um início viável.
Se for possível reestabelecer os marcos de regulação e destravar a burocracia, haverá financiamento privado para cumprir essa etapa e preparar o país para saltos maiores.
Indústria e infraestrutura, ademais, têm potencial para dinamizar a produtividade e a geração de empregos de qualidade.
Não se trata de agenda simples, sobretudo porque mobilizar forças produtivas e sociais para a nova etapa de expansão econômica depende de liderança política –um recurso escasso no mercado brasileiro.