O previsível desfecho da situação criada por quem enxerga em “foradilma” o abracadabra do sortilégio que acaba com a crise
por Mino Carta — publicado 12/04/2015 06:47
A Operação Zelotes amplia largamente o retrato do poder à brasileira. Tenho usado a dicotomia casa-grande e senzala para representar a situação do País que não muda, a viver uma Idade Média vincada pelo brutal desequilíbrio social. Na casa-grande moram os senhores envolvidos nas operações em andamento, e em outras anteriores, enterradas e esquecidas. Contam com coinquilinos de porte e nem tanto, desde graúdos até hoje incólumes, até remediados sonhadores do upgrade, mas por ora instalados no sótão.
Em boa parte, ali se cultivam ódio de classe e racismo e, mesmo entre os mais ricos, o espírito pequeno-burguês que move à ostentação para combater os recalques e encobrir as lacunas intelectuais. Chama atenção, no confronto entre Lava Jato e Zelotes, a diferença de comportamento tanto da autoridade judiciária que conduz os casos quanto da cobertura midiática. Explicação rápida e rasteira: os zelotes não são petistas. Se fossem, ai deles.
Há anos CartaCapital registra, sem meias palavras, que o PT no poder portou-se como todos os demais partidos surgidos na história do Brasil, de fato clubes recreativos do pessoal da casa-grande. Nem por isso deixamos de ser rotulados como revista chapa-branca, ou lulopetista. Basta, para tanto, afirmar que o PT, de 1980 a 2003, foi o primeiro e único partido brasileiro merecedor do título, sem contar a peculiar história do MDB de Ulysses Guimarães. Ou que, Lula presidente, o Brasil cresceu em todos os sentidos, sem excluir a política internacional. Tivessem dado ouvidos a Lula e ao seu chanceler, Celso Amorim, o acordo nuclear com o Irã teria sido concluído muito antes e Barack Obama teria poupado o mundo, o Oriente Médio e a si próprio de anos de incerteza e tensão.
Também aqui a explicação é óbvia e veloz: CartaCapital pratica o jornalismo honesto, enquanto a mídia nativa é instrumento da casa-grande e como tal acaba por assumir o papel de partido de oposição. Domingo 12 de abril, mais uma marcha vai desfilar contra o governo, e seu êxito depende da Globo, cujos propósitos parecem ser bastante agressivos. Mudados os horários do futebol, a emissora prepara-se para uma transmissão minuto a minuto dos eventos que dispensam a bola, no habitual esforço de se valer da credulidade da multidão. Da absoluta ausência de espírito crítico.
Que pretende a mídia nativa? Meus acabrunhados botões respondem: o caos. Será possível? Pois é, retrucam, por esta atoada haveria de se esperar por algo mais que o caos? Será o resultado inescapável da insensatez geral, e, na moldura, destaque, por exemplo, para os vislumbres de eminentes cavalheiros da Fiesp inclinados a encarar com alívio a eventual substituição das empreiteiras nacionais atingidas pela Lava Jato por empresas chinesas. Aliás, a China está no topo dos pensamentos positivos, depois do polpudo empréstimo feito à Petrobras.
Aos botões peço que imaginem o preço da transação. Aventam a hipótese: e que tal se fosse à base do preço atual do barril, na previsão de uma elevação substancial, se não a curto, a médio prazo? Se for assim, devolveremos a alma. Não haja espantos. Há quem se regozije com a gestação em curso do banco mundial dos BRICS. Falamos de Rússia, África do Sul, Índia, Brasil. Ah, sim, e China. Na prática, a que se deve a nova esperança? Lula nos livrou da condição de súditos do império norte-americano, mas o rol de país-satélite nos agrada sobremaneira. De sorte que torcemos agora para ser súditos do império chinês que vem aí, inexorável.
Infeliz terra, nosso querido Brasil, tesouro de valor inestimável atirado ao lixo por uma elite predadora e incompetente. Estamos a colher o resultado do tempo perdido, de uma forma repentina, inesperada até, embora o tempo possa incumbir-se de exibir toda a sua inevitabilidade. Talvez os fados tivessem assentado o trágico desenlace, precipitado pela aposta no caos. O qual começaria pela quebra das empreiteiras, únicas empresas brasileiras habilitadas a oferecer emprego e crescimento. O apelo é tão inevitável quanto desesperado: punam-se os corruptos, zelotes e que tais, salvem-se, porém, as empresas.
Quanto ao governo, é tolo e irresponsável quem acredita que “foradilma” é o “abracadabra” de um sortilégio que redime o Brasil.