segunda-feira, 20 de outubro de 2014

'Desconstrução pode ser remédio ou veneno', diz cientista político (não lido)


O alerta é de Fernando Abrucio, para quem os ataques mútuos entre os presidenciáveis tanto podem render quanto tirar votos. O que é extremamente delicado numa disputa que será decidida “pela distância de um nariz”

Eduardo Mirandaeduardo.miranda@brasileconomico.com.breOctávio Costaocosta@brasileconomico.com.br
Diante das pesquisas que apontam empate técnico entre Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) a seis dias da eleição, o cientista político Fernando Abrucio afirma que a decisão virá “na última curva”, em alusão à ultrapassagem que deu o título mundial de Fórmula 1, em 2008, ao inglês Lewis Hamilton, quando Felipe Massa já havia cruzado a linha de chegada. “Os candidatos terão que dirigir com as pontas dos dedos, como se diz nas pistas”. Ele adverte que a estratégia de desconstrução depende da dose certa. “Pode ser um remédio, mas pode se tornar um veneno”. Na opinião de Abrucio, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), o desafio de Dilma é desconstruir a candidatura do Aécio, enquanto o tucano tem de confirmar a imagem que ele construiu ao fim do primeiro turno. Abrucio assegura que o resultado do pleito terá uma diferença mínima de votos. “Se houver equilíbrio entre os dois nos debates de TV, o vencedor ganhará com um nariz de distância sobre o outro”, aposta.
"Para Aécio, o apoio de Marina não veio como se esperava", diz o cientista político da FGV/SP Fernando Abrucio
Foto:  Murillo Constantino
O sr. consegue fazer um prognóstico para esta eleição?
Será a eleição mais disputada desde 1989. Isso vai se expressar, provavelmente, na diferença entre os dois candidatos em termos de votos válidos, que deve ficar entre 2 e 6 pontos percentuais. Significa que estamos nos diferenciando das últimas cinco eleições, nas quais duas foram vencidas no primeiro turno, e outras três no segundo, com mais de 10 pontos de diferença entre os dois candidatos. Hoje, o prognóstico é muito difícil. Eu diria que Aécio teria 51% de probabilidade de vencer a eleição, e Dilma, 49%.
Essas pesquisas, então, seriam confiáveis?
Acho que sim. Agora, tem que dizer que isso é hoje. Temos que lembrar que de 15% a 20% dos eleitores totais podem mudar de voto, sejam aqueles que estão se colocando como indecisos, com votos brancos e nulos, ou aqueles que, por enquanto, estão optando por Dilma ou Aécio. Ou seja, um quinto dos eleitores pode se mexer, e isso nos dois últimos dias da eleição.
Que fatores poderiam influenciar a decisão dos eleitores na última semana?
O sentimento do eleitor é um desejo de mudança com estabilidade. Quando a gente olha as qualitativas e quantitativas e faz uma síntese delas, vê que os eleitores querem mudança, mas temem perder as conquistas. É um eleitor difícil de avaliar. Quando o eleitor é de continuidade — como foi em 1994, 2006 e 2010 — sabe-se mais claramente para onde ele vai. Quando é de completa mudança, como foi em 2002, você também sabe. O grande problema, hoje, de entender qual será o resultado final, não se restringe às pesquisas de opinião, é o sentimento geral do eleitorado, que é uma busca por mudanças com estabilidade. Esse sentimento é difícil de traduzir e é mais claro não nos extremos do eleitorado, mas nesses 20% que estão entre brancos, nulos e indecisos. Não por acaso, Aécio tem dito que é o candidato da mudança, mas que continuará fazendo as políticas públicas que dão certo.
Qual é o limite da mudança que ele propõe, então? 
Se Aécio chegar e falar que vai mudar tudo que tem aí, porque o governo é, simplesmente, um fracasso, ele perde a eleição. Do mesmo modo, Dilma, que é a continuidade, tem, também, que falar da mudança. É uma eleição de difícil interpretação, sobretudo para esses 20% do eleitorado, que são mais voláteis do que os outros 80%, e que decidirão a eleição. Geralmente, é um eleitorado feminino, de dois a cinco salários mínimos, de média escolaridade — ou seja, não tem tão pouca escolaridade, mas não tem nem ensino superior nem ensino médio completos. Por isso, os candidatos têm que dirigir com as pontas dos dedos, como se diz na Fórmula 1.
E torcer como se estivesse na última curva.
Só que a última curva é diferente para os dois. Para Dilma, nesse momento, a última curva é, no fundo, desconstruir a candidatura do Aécio. E a do Aécio é confirmar a imagem com que ele chegou no fim do primeiro turno. É uma última curva diferente, na qual ambos têm que dirigir no limite. Não por acaso, ambos não aceitaram ser entrevistados pelo “Jornal Nacional”, temendo que, na última curva, algum assunto menos importante aparecesse, e eles não soubessem lidar com isso.
Os debates que serão realizados nos próximos dias terão muito peso? Fala-se muito que o da TV Globo será crucial.
O debate da Globo é o que tem mais peso, por duas razões. Uma é pela audiência; outra, pela proximidade da eleição. O Datafolha mostrou que, no primeiro turno, uma quantidade enorme de eleitores, cerca de 15%, mudou seu voto nos dois últimos dias. Quando a gente olha para os 6% de indecisos, eles respondem que vão decidir na última hora. Eles estão dizendo, em sua maioria, que vão continuar indecisos até a última hora, o que é um avanço democrático. No debate, mais importante do que ter um bom desempenho é não ter um mal desempenho. O que aconteceu no final do primeiro turno não foi só Aécio ter ido bem no debate, mas, principalmente, Marina ter ido muito mal. Na quinta-feira, se houver equilíbrio entre os dois, o vencedor ganhará com um nariz de distância sobre o outro.
Diante dessa análise, a visão de que é uma eleição plebiscitária, em que há uma decisão entre PT ou não-PT, não se aplicaria aos indecisos? 

Não. Existe uma parte grande do eleitorado que é dividida. Uma parte mais voltada ao lulismo, ao petismo, e uma parte muito grande antipetista. Só que quem vai decidir a eleição são os que não estão nesses dois blocos. Esses dois blocos se consolidaram, na verdade. São eles que fazem com que PT e PSDB cheguem ao segundo turno. Eles dão vantagem a esses partidos. Se a gente olhar os dados do Ibope do primeiro turno, há algo em torno de 37% de eleitores lulistas de carteirinha e 33% de eleitores antipetistas de carteirinha. Somando esses dois números, dá 70%. Um terço fica flutuando. Nessa eleição, talvez seja um pouco menos que um terço, talvez um quinto. Os outros 10% já foram conquistados ou por Aécio ou por Dilma. Esses 20% não querem, necessariamente, a polarização. Eles querem, na verdade, mudança com estabilidade. No fundo, o trabalho de Dilma em tentar desconstruir Aécio não se dá da mesma forma que a desconstrução de Marina. Desta vez, é desconstruir Aécio para conseguir mostrar, de algum modo, que ele é o retrocesso. Do lado de Aécio, é tentar mostrar que isso não é verdadeiro.
A estratégia de desconstrução aplicada nessa eleição pelos marqueteiros é algo novo?
Não, ela já existiu em outras eleições. No segundo turno de 1998 em São Paulo, Mário Covas fez a campanha inteira dizendo que Paulo Maluf era ladrão e corrupto. A questão é que algumas eleições dependem mais desse tipo de arma eleitoral. Em outras, não tem tanto efeito. Além disso, o mecanismo de desconstrução depende da medida. Na medida certa, é remédio; na medida errada, é veneno. Acho, até, que o PT abusou da medida no primeiro turno, e uma parte virou veneno. No fundo, para o PT, teria sido muito mais inteligente usar pouco esse elemento contra Marina, e deixar que Aécio usasse mais, porque ele precisava ultrapassá-la. Se isso tivesse acontecido, hoje, Dilma seria a favorita para o segundo turno.
O dado mais importante do Datafolha não é a manutenção da pontuação de ambos, mas o aumento do índice de rejeição de Aécio, que está se aproximando de Dilma, o que mostra que a desconstrução, por enquanto, não perdeu a medida.
Não havia a expectativa na campanha de Aécio de que ele fizesse mais uso dessa desconstrução?
No fundo, Aécio está acreditando que o cenário atual é o mesmo do fim do primeiro turno. Ele acredita que Dilma já perdeu a medida na desconstrução. Mas, neste momento, não dá para dizer que Dilma perdeu a mão na desconstrução. Pelo contrário, a rejeição de Aécio está aumentando. Se isso aparecer na próxima pesquisa eleitoral, eu, se fosse ele, tentaria desconstruir mais fortemente Dilma no próximo debate.
Leia também: Dilma em apuros
O que explica a dificuldade da presidenta Dilma nesta eleição?
É preciso olhar a taxa de aprovação do seu governo. A taxa de aprovação da Dilma, que aumentou ao longo da campanha — por isso que ela conseguiu chegar ao segundo turno e respirar — hoje é de 40%. A taxa de aprovação do governo Lula próximo a esse período era de 83%. A taxa de aprovação é o que melhor explica. No atual momento, Dilma está no limite da possibilidade de ganhar a eleição. Se ela ganhar, vai ser por um triz, nesse limite. Se, até o dia da eleição, a taxa de aprovação dela baixar, ela perde. Se ela crescer um pouco mais, 4, 5 pontos, crescem muito as chances de ela ganhar a eleição, embore eu ache que isso seja difícil de acontecer.
Fala-se da divisão regional entre Norte/Nordeste e Sul/Sudeste e de uma divisão social e de renda, em que a maioria dos mais pobres votaria em Dilma e os ricos e a classe média mais alta, no Aécio. 
O sr. concorda?
Em parte. Sem dúvida alguma, o Nordeste é fortemente lulista. E o Centro-Sul é mais tucano. Mas não é só isso que explica. Se fosse só isso, Dilma estaria bem mais atrás. É que ela tem no Sudeste, sobretudo no Rio, em São Paulo e em Minas, a votação daqueles que tem até dois salários mínimos. Nesta eleição, entre aqueles que têm entre dois e cinco salários mínimos, Aécio lidera. Mas ele lidera onde? Fundamentalmente, em São Paulo, que é o estado maior e onde ele conseguiu chegar aos mais pobres nesse segundo turno. Isso garante a maior possibilidade de Aécio ganhar a eleição. É um paradoxo lógico. Os mais pobres vão votar na Dilma, mas uma parcela dos mais pobres, em particular, em São Paulo, pode garantir a eleição do Aécio. Portanto, existe uma certa polarização, mas que não é verdadeira por completo, nem do ponto de vista regional, nem da renda. No entanto, se o Aécio perder a liderança nesse eleitorado entre dois e cinco salários mínimos — o que pode acontecer, uma vez que é um eleitorado volátil, com grande participação feminina e menor escolaridade, que tem um número grande de pessoas indecisas, não só de brancos e nulos, mas daqueles que são mais voláteis no momento —, Dilma ganha a eleição. É esse eleitorado que vai decidir a eleição.
Qual é o impacto do apoio de Marina para Aécio?
O impacto não veio como se esperava, porque o eleitor fez suas escolhas antes da Marina. Ela só tinha duas opções: apoiar Aécio no dia seguinte à eleição, ou fazer uma lista enorme de temas vinculados à sua história, que se Aécio não aceitasse, ela diria “olha, não estou ficando neutra, é o Aécio que não segue uma linha mais progressista”. Ao não fazer nenhuma dessas duas coisas, ela perdeu eleitores. De um lado, aqueles que queriam uma decisão mais rápida, pularam para Aécio antes de Marina e não precisam mais dela. De outro, aqueles que queriam um compromisso maior de Aécio com o programa da Rede (que Marina simboliza) ou estão indecisos, ou vão votar branco/nulo, ou já optaram pela Dilma. Creio que ela saiu menor da campanha do que quando entrou. Em certo momento, Marina era favorita para ganhar no segundo turno. Hoje, ela tem menos capacidade de influenciar o voto do que há 15 dias. Houve uma redução do poder de Marina. Isso quer dizer que ela acabou politicamente? Claro que não. Mas ela terá que reconstruir sua carreira política, sua inserção na vida política brasileira. E os caminhos ficaram mais difíceis para ela.
Há uma tendência dos indecisos pró-Dilma?
Eu diria que sim. Mas não é que os indecisos todos vão para Dilma, porque indeciso ainda é indeciso. Eles não têm um voto ainda. Se fosse hoje, Aécio ainda ganharia, porque eles ainda estão indecisos. Mas, se, na próxima semana, Aécio perder votos nessa faixa de dois a cinco salários mínimos, em particular no Sudeste, e aumentar sua rejeição, a gente inverte: Dilma vira favorita.
A garantia dele seria o voto desse eleitorado em São Paulo?
Em São Paulo, Minas e Rio.
Por que essa faixa de renda pendeu para o PSDB?
Há uma situação que gera um certo paradoxo. Essas pessoas melhoraram de vida ao longo dos últimos 12 anos, principalmente durante os oito anos em que Lula foi presidente. Nos últimos quatro anos, a vida delas não melhorou tanto. Quando elas melhoraram, começaram a se tornar mais demandantes de coisas que antes não tinham, como a qualidade dos serviços públicos. Essas pessoas estão com uma enorme estabilidade no emprego. Portanto, não tem mais aquela situação de insegurança no emprego, que era muito forte no segundo governo FHC e destruiu o seu governo. Mas elas querem mais serviços públicos. Muitos vão dizer que elas se tornaram mais conservadoras, mas não são conservadoras no sentido ideológico. Elas começam a temer que possam perder posição. Essas pessoas eram mais favoráveis ao Bolsa Família há dois, três anos, do que hoje.
Há a perspectiva de uma presença maior de Lula nesse final de campanha. O sr. acha que isso influencia?
Ainda não está claro qual vai ser o envolvimento do Lula na campanha. Por enquanto, tem sido muito menor do que vem sendo alardeado pelos petistas. A primeira tarefa da campanha da Dilma é conseguir, efetivamente, envolver o presidente Lula. Se eles conseguirem isso, Lula tem um possível impacto, sobretudo no eleitorado do Nordeste, mas também no Sudeste, como no Rio, entre o eleitorado mais pobre. No Nordeste, ele pode aumentar a diferença da Dilma para o Aécio, o que já seria algo importante, embora não completamente decisivo do ponto de vista do resultado eleitoral. Mas não está claro para mim qual vai ser o envolvimento dele. Afinal, o que ele tem dito é que vai fazer campanha nos lugares em que o PT ou algum aliado está concorrendo ao segundo turno. É verdade que uma parte deles está no Nordeste, como no Ceará ou na Paraíba, o que vai favorecer, por tabela, a presidente Dilma. Mas ele pode fazer algo mais forte ainda indo para Ceará, Paraíba, Bahia, Pernambuco, pode ir a alguns lugares da região Norte e tentar fazer uma campanha mais forte em São Paulo e Rio. Por enquanto, isso não aconteceu. Tem ali um jogo mais oculto, por enquanto, de qual vai ser o grau de envolvimento do Lula nesse final de campanha da Dilma no segundo turno. Se ela conseguir envolvê-lo, ganha uma arma importante.
Como o sr. vê a questão do mercado financeiro contra Dilma?
Acho que tem a ver com uma sensação de que a política está errada, ao menos para aquilo que o mercado financeiro acredita ser a política econômica certa. Eles apontam a queda do superávit primário, o aumento da taxa de inflação, a redução do crescimento econômico. Em segundo lugar, o mercado financeiro tinha um maior entrosamento com o governo Lula e com o governo Fernando Henrique. O corte não é o governo Lula, é o governo Dilma. Quando o governo Lula adotou políticas anticíclicas, o mercado financeiro não ficou bravo com isso. A grande maioria queria a manutenção do lulismo, até porque viu no Serra algo diferente do que viram no Fernando Henrique. No governo Dilma, há um corte, em parte por erro da avaliação das políticas econômicas, mas também por essa falta de entrosamento. Bateram de frente várias vezes, há a história de como houve a redução da taxa de juros. Nesse processo, houve o predomínio de um cabo de guerra entre o governo e o mercado financeiro. A presidente não foi capaz de reconstruir as pontes com o mercado financeiro.
Ela devia já anunciar a nova equipe econômica?
Ela devia ter anunciado a equipe econômica, se fosse o caso de querer mudar, há seis meses. Não o fez, embora já tenha demitido e mantido em atividade o ministro. Agora, no meio da campanha do segundo turno, creio que criaria mais ruídos do que pontos a favor. Acho que Dilma perdeu o timing disso.
O sr. acha que se o presidente Lula tivesse sido candidato, a situação seria diferente?
Para Lula ser candidato, Dilma teria que, de alguma forma, obedecer a ele. Lula pediu no final do ano passado a mudança do ministro da Fazenda. Se ele tivesse sido candidato, ele poderia dizer que a presidente Dilma governa, mas ele está ajudando a consertar algumas coisas, porque ele é o candidato. Se isso ocorresse, acho que ele teria sido o franco favorito para essa eleição. Mas não ocorreu. Dilma acreditou até o final que ela teria chances, embora tenha chances muito apertadas. E, por outro, Lula não quis comprar essa briga, já que ele não tinha a convicção de Dilma de que ele deveria ser o candidato. Seria um desgaste muito grande e que poderia gerar mais problemas do que soluções ao próprio PT.
Parece que ele está se preservando para 2018.
Em parte, sim. Ele não brigou para ser o candidato, e não ajudou tanto ao longo da campanha de Dilma até agora porque não foi chamado para tal. Alguém só vai participar de uma campanha mais fortemente se você coloca o cara no pedestal. Aécio fez isso com Fernando Henrique. Ele fala mais do Fernando Henrique nos debates do que Dilma fala do Lula. Obviamente, Lula está apoiando Dilma, mas com menor intensidade. Creio que, se ele fosse chamado, colocaria alguns poréns, e ela teria que aceitar pelo menos uma parte desses poréns, e ele estaria hoje com maior participação. Mas os petistas não podem exigir maior participação do Lula sem dar o papel central que ele quer ter. Por isso, ele prefere ter uma participação mais low profile ao longo da campanha. A opção dele não é apenas um cálculo em relação a 2018, é resultado da forma com que a campanha da Dilma o tratou — num certo momento, em agosto, se aproximou do Lula, e, no momento em que a Marina começou a cair, se afastou dele. É uma situação de incerteza também para ele.
O sr. disse no ano passado que o PT precisava construir uma relação bem azeitada com o PMDB para ter êxito nas eleições. Isso deu certo?
Não deu muito certo. Em alguns estados, como Minas e Piauí, houve esse acordo, uma articulação capaz de agradar aos dois lados. Mas houve um número enorme de lugares em que a aliança não deu certo. O resultado é duplo: o governo perdeu apoio na própria campanha, vide Rio Grande do Sul, e se, porventura Dilma ganhar a eleição, ela terá um cenário difícil, terá que reconstruir essa relação, que hoje é muito ruim. Metade da Câmara está com Dilma e a outra metade, contra. No Senado, está um pouco melhor, ela tem apoio da maioria.
O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) disse que metade do partido está com Aécio. Se Dilma vencer, ela terá um PMDB mais rebelde?
A frase do Eduardo Cunha tem a ver também com o passado, quando eles acreditavam que teriam maior entrosamento com o governo. Além disso, tem a ver com o cheiro da possibilidade de Aécio ganhar a eleição. Há ainda outro elemento que está fora dessa discussão: ele está com medo do combate à corrupção, porque existe um número enorme de deputados, senadores e governadores com temor de que toda essa história da Petrobras traga mais histórias. Acho que, de certa maneira, Cunha aposta que um governo de Aécio Neves seria melhor porque, de alguma forma, não precisariam da incômoda aliança com o PT e com Dilma, que maltrataram o PMDB nos últimos anos. E, também, porque eles acham que com Aécio seria mais fácil segurar essa avalanche que pode vir dos escândalos. É uma aposta.
O sr. acha que temas como corrupção, Petrobras e nepotismo vão pesar na reta final?
Pesou até agora. Ajudou a oposição a trazer para um empate técnico. Claro que ajudou muito mais dessa vez do que nas outras porque o cenário econômico não é bom. Nessa reta final, se for encontrado algo novo sobre a Petrobras para a presidente ou contra Aécio, é claro que pode atrapalhar. De resto, o que foi denunciado já teve efeito forte. Temos, no mínimo, um empate técnico e, no máximo, ligeiríssima vitória de Aécio.
A chegada, então, vai ser no photochart, como no turfe?
Vão dirigir como na última volta da Fórmula 1, mas a chegada estará mais próxima do “cruza a reta final” do turfe.
O sr. acha que essa polarização entre PT e PSDB continuará?
Ainda não dá para chegar a essa conclusão, porque vai depender de quem for eleito em 2014 e de seu governo. Em 2018, já começa um cenário na política brasileira no qual quem foi a elite do sistema político nos últimos 20 anos — particularmente os grandes líderes do PT e do PSDB — estará deixando a política. Entre 2018 e 2022, ocorrerá uma transição geracional na elite política brasileira que não é só uma questão de idade, mas de pessoas. Para 2018, não dá para garantir que acaba a polarização. Mas, para 2022, fica cada vez mais difícil manter a polarização, pelo menos nos termos em que ela se colocou nos últimos 20 anos.

Tachinhas e privilégios (Janine, definitivo)

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RENATO JANINE RIBEIRO - O ESTADO DE S. PAULO
18 Outubro 2014 | 16h 00

A defesa ilegal do status quo assusta - mesmo que se limite a jogar preguinhos nas ciclovias de São Paulo




WERTHER SANTANA/ESTADÃO
Luz e sombra. Está em jogo o que queremos de nossas cidades

Temos dois modos de comentar o que acontece na cidade e na sociedade. Um deles é macro: lemos estatísticas, procuramos ver o que acontece em larga escala - como a melhora ou queda do nível de vida. Outro é micro: um pequeno acontecimento abre um leque de significações. Sociólogos, economistas e gestores priorizam o primeiro modo. Assim veem onde estão as ciclovias e cruzam com dados de trânsito, nível dos moradores e, a grande questão, se as bicicletas servem para o lazer dominical ou o transporte cotidiano. Pedalam por prazer ou para ir ao trabalho? Ciclofaixas de Kassab ou ciclovias de Haddad? Esse levantamento é fundamental para o gestor - e para nós.
Já a abordagem micro se abastece sobretudo de pequenas histórias, que os franceses chamam de fait divers, um pequeno fato curioso que não cabe em nenhuma editoria do jornal. Seu exemplo mais célebre é o do francês que entra numa igreja, em 1830, e atira na amante que rezava; esse caso excepcional, que extrapola as rubricas de “crime” e “vida religiosa”, deu a Stendhal o mote para sua obra-prima, O Vermelho e o Negro. No macro, lidamos com a regra; no micro, com a exceção. Filósofos, antropólogos e psicanalistas adoram fait divers. Eu mesmo, quando escrevo sobre política ou comportamento, meus temas prediletos, uso muito essas anedotas do cotidiano - o que explica um tanto a diferença entre o filósofo político e o cientista político, que dará mais atenção do que eu aos números, como sondagens de opinião pública.
O grande fait divers destes dias são as tachinhas que alguma alma má jogou nas ciclovias da Rua Artur de Azevedo, em Pinheiros. 
Antes de continuar, a diferença entre ciclovia e ciclofaixa. Ciclovia é um espaço permanentemente designado para uso só de bicicletas. Uma separação física a segrega da parte da rua usada pelos veículos a motor. Já a ciclofaixa é uma separação leve e temporária, como temos nas avenidas em que uma faixa é reservada aos domingos para o lazer. Kassab fez ciclofaixas, Haddad faz ciclovias. 
O que significam as tachinhas em Pinheiros? Pode ter sido uma única pessoa que as lançou. Do ponto de vista macro, seu significado tenderia a zero. Diariamente, passam perto das ciclovias dezenas de milhares de pessoas. Que uma única seja espírito de porco é exceção, difícil de coibir. Mas a notícia, por ser curiosa e difícil de classificar, ganha o espaço público. É um prato para quem interpreta, quem discute o sentido, mais do que para quem só analisa. É a diferença entre ler o evento e o Excel. 
Ser excepcional não quer dizer que o gesto não tenha raízes. Uma pesquisadora recentemente desabafou nas redes contra as ciclovias, num protesto legítimo, só saindo do bom senso ao sustentar que a cor vermelha delas era propaganda do PT; o que não é, pois essa é a cor utilizada internacionalmente para as faixas de bike. Mas o discurso indignado e legítimo, assim como a ação criminosa e indefensável, expressam uma revolta com a perda de uma faixa nas ruas. Vamos à revolta.
Está em jogo o que queremos da cidade. Nossas cidades foram sequestradas pelo automóvel. Todo ser racional sabe que esse é um caminho péssimo. Quase tudo que se faça para melhorar a cidade exige enfrentar o carro. Semáforos mais longos para os pedestres (Kassab) dão-lhes mais segurança. Faixas para ônibus (Haddad) aceleram os coletivos. Precisamos de mais praças, mais locais de lazer. O verde tem que vencer o asfalto. 
As restrições ao carro, que já incomodam muitos, precisarão aumentar. Isso é inevitável. Podemos demorar nisso, e perder muito; ou avançar, ganhando tempo, dinheiro e qualidade de vida. Aqui está o “custo São Paulo”: a maior cidade do Brasil está com vários gargalos na economia. O que depende de transporte físico demora. Um profissional faz poucos atendimentos em domicílio por dia, a não ser que use moto. Desaba a produtividade - que hoje é essencial na economia. Um prefeito inteligente de cidade média que evite o excesso de carros - e invista em banda larga e formação profissional - pode roubar muito da economia paulistana. Em São Paulo há uma resistência insensata, egoísta, dos que têm carro à limitação de seu uso. Um baile da Ilha Fiscal, uma dança sobre um vulcão. Veja-se a oposição de Paulo Skaf, então presidente da Fiesp, a um aumento socialmente justo no IPTU, destinado em parte à melhoria do transporte coletivo. Daí que, em vez de dar um upgrade significativo nos ônibus, à Prefeitura só restou fazer faixas. 
Seria bom discutir mais as alternativas ao carro. Sem dúvida, aumentar o número de ônibus, redefinir alguns ou muitos trajetos, capilarizar a rede. E, também, aumentar o rodízio? Cobrar pedágio urbano? É preciso obrigar a classe média a deixar o carro em casa. Seguir os exemplos de Paris, Londres, Nova York? Mas como fazer isso quando tanta gente vê o carro como extensão da sua psique? Será preciso martelar por anos os males do transporte individual. Será preciso fazer os donos de carros perceberem o óbvio: o uso do carro tem de ser comedido. Pena que essa e outras causas que vão além da política, para entrarem na agenda da vida, não tenham sido mais debatidas na campanha eleitoral, apesar de nela termos tido dois candidatos da família verde.
Pequenos vislumbres do futuro - como as faixas de ônibus e bicicletas -, um futuro que na Europa é presente faz tempo, precisam conquistar o aval de nossa sociedade. Quanto mais demorarmos para defender a vida contra os carros, mais caro pagaremos. Mas a consciência das pessoas ainda é limitada a respeito. Até quem adora a Europa “civilizada” não quer que essa civilização se implante aqui. Uma coisa é andar de metrô, a pé ou de bicicleta em Paris, outra, onde moramos. Mas que cabeça é essa, em que a vida com qualidade só pode acontecer nas férias? Em que a vida em casa é sem qualidade? Em que aceitamos 11 meses por ano ruins? Que vantagem tiro eu, vivendo sem qualidade, a não ser uma: a de viver na exceção? Nosso espaço urbano é devastado, mas em algum ponto sou VIP, que coisa boa. Nosso VIP, na Europa, seria um simples cidadão. Compensamos pelo amor à desigualdade a má qualidade do cotidiano. Na Europa, sentir-se especial é sentir-se igual aos outros. Sentir-se especial é, aqui, sentir-se exceção.
Em dezembro vi o Rei Leão numa ilha de Hamburgo. Terminando o espetáculo, imaginei uma correria para pegar as barcas de volta ao porto. Nada disso. Centenas de pessoas calmas, sem ninguém furar a fila. Grau zero de ansiedade. No Brasil, filas são um horror. A bilheteria abre atrasada, sem troco e até sem conexão à internet. A essa altura, há uma multidão apinhada à volta da bilheteria. Quando começa a venda - atrasada - é um tumulto. Na Europa, qualquer um, sem riqueza ou nada, compra o ingresso. Aqui, o que lá é direito vira privilégio. Se eu tiver um contato ou direito à fila VIP, me sentirei privilegiado por ter conseguido o que deveria ser banalmente fácil. Lembro quando morreu o governador Covas, em 2001: no palácio houve duas filas, uma para a gente comum do povo que o amava, outra para os VIPs. Comentei o assunto no Caderno2. Nem perante a morte somos iguais. 
Prossigo nessa rápida fenomenologia - no sentido literal de descrição de fenômenos, tentando ver seu sentido, mesmo que o sentido só venha à luz na fresta, na exceção, no ato falho - me perguntando por que ações criminosas se tornam expressão possível de um descontentamento que poderia fluir por canais legítimos de vazão. Por que os contrários às ciclovias não se manifestaram em frente à Prefeitura? Por que, quando falam, quase sempre se portam como idiotas, tal a lojista que reclama porque os “carrões importados” das clientes não poderão estacionar em frente de seu comércio? Não tem gente mais sagaz, menos aferrada a privilégios, para expressar um discurso minimamente civilizado? 
Estamos vivendo a exposição nua e crua do discurso do privilégio como sendo o que ele de fato é: a apropriação de todo o espaço de direitos por uma minoria que não aceita as tendências da história. Os pobres estão avançando. Os sem-carrão falam mais, exigem mais. E o privilegiado é tão tosco que não consegue articular uma defesa melhorzinha. Vem a público falar em “gente diferenciada” ou nos direitos dos pouquíssimos com carrões. Não à toa, toda vez que um jornal cobre grã-finos discutindo política, a matéria se torna deboche. Joel Silveira em 1943 ou Eliane Trindade em 2014. 
Isso lembra um episódio da história romana, quando a plebe entra em greve e se retira para o alto do Monte Aventino, clamando por direitos. Um nobre vai lhes falar. Explica que não entendem de política e devem deixar as decisões nas mãos da aristocracia. O mero fato de ele falar-lhes já é contraditório. Como usar a razão para explicar, aos plebeus, que eles são irracionais? É o mesmo que defender na TV vagas para os carrões na frente da loja. É dizer a um público com pouco dinheiro que é justo o espaço carroçável ser apropriado pelos ricos. Ninguém, numa sociedade com cultura democrática, sequer pensaria em dizer isso. Se fosse defender a desigualdade, usaria melhores argumentos. 
Temos um lado conservador muito inculto. Não consegue, nem tenta, elaborar seu discurso. Deriva logo para o ódio. Até partidariza a discussão, embora as bicicletas mostrem uma certa continuidade entre Kassab e Haddad. 
Mas a ideia de partir para a ilegalidade em defesa dos privilégios é inquietante. Devemos respeitar a lei e, sobretudo, seus procedimentos pacíficos. Jogar tachinhas é pouco, comparado a atirar numa outra pessoa - mas outro dia li uma pessoa, no Facebook, prometendo que tomaria armas contra a inflação. Obviamente é um contrassenso (nem armas nem passeatas impediriam a degradação da moeda), mas é igualmente absurdo querer resolver conflitos fora da lei. Será que nossa confiança na lei ainda é tão baixa que há quem acredite, após uma ditadura militar que deixou o País em petição de miséria, que a violência possa ser a solução? Eleições frustram. Poucos saem realmente felizes delas. Mas não há outro caminho senão o da lei. Pode demorar, mas o que ela escreve, escreve em pedra.
*
Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política da USP, é autor  de A sociedade contra o social: o alto custo da vida pública no Brasil (Companhia das Letras) 

domingo, 19 de outubro de 2014

Aconteceu há 12 anos... - SUELY CALDAS


O ESTADÃO - 19/10


O ex-presidente Lula negou ter convidado o economista Armínio Fraga para permanecer na presidência do Banco Central (BC) por mais algum tempo, quando se elegeu em 2002. A reconstituição dos fatos da época ajuda a entender por que Lula cogitou mas não oficializou o convite - erroneamente revelado pelo candidato Aécio Neves no debate da TV Band. Na verdade, a ideia de prolongar o mandato de Armínio no BC partiu de Antonio Palocci - principal coordenador da campanha de Lula e, depois, seu ministro da Fazenda - e ganhou força e adesões na cúpula do PT. Nas duas funções, Palocci teria de enfrentar a dificílima tarefa de acalmar empresários, investidores e o turbulento mercado financeiro, que ameaçavam jogar o Plano Real despenhadeiro abaixo e transformar a economia do País, sob Lula, num verdadeiro inferno.

A continuidade de Armínio no BC funcionaria como uma espécie de seguro, uma garantia para o mercado de que Lula não levaria adiante as maluquices que o PT pregou antes e durante os oito anos de governo FHC. Conversas com Armínio na civilizada transição de FHC para Lula (se Aécio vencer, Dilma Rousseff fará o mesmo?) convenceram Palocci da ideia, mas ela ganhou um opositor tão poderoso quanto ele: o ex-ministro José Dirceu, hoje prisioneiro em Brasília. Os dois alimentavam antiga rivalidade, acirrada na campanha, intensificada no governo e volta e meia intermediada por Lula. Este quase sempre dava razão a Palocci, mas desta vez acatou os argumentos de Dirceu: seria capitular diante do adversário e rival PSDB reconhecer a incompetência do PT de conduzir a economia e aderir sem disfarces ao que chamavam de neoliberalismo, tão criticado na campanha.

Aos fatos. Final de 2002. Ao longo do ano, o Plano Real viveu sua pior e mais grave crise: a Bovespa não parava de despencar, o dólar chegou a R$ 3,95 e o risco Brasil, a 2.500 pontos (comparando, no auge da crise de 2008 a taxa não passou de 250 pontos). As crises importadas do México, da Ásia, da Rússia, do ataque às Torres Gêmeas e da moratória argentina foram um leve sopro diante do vendaval destruidor do que ficou conhecido como "efeito Lula". De fora e dentro do País o ataque ao Real ficava mais forte a cada pesquisa eleitoral, a cada certeza da vitória do petista. As previsões para o ano eram terroristas: a inflação não ficaria abaixo de 50% (terminou o ano em 12,5%), tão cedo o Brasil não voltaria a tomar empréstimos no exterior e recessão e desemprego eram inevitáveis.

O candidato Lula percebeu o inferno que viveria seu governo e divulgou, em junho, a Carta ao Povo Brasileiro, em que assumia compromissos de respeitar contratos, combater a inflação e gerar superávits primários. Mas não convenceu o mercado, que só intensificava o ataque e tirava proveito do caos para especular e realizar lucros com a gangorra dos indicadores econômicos. Era uma situação que não interessava a FHC, que cumpria seu último ano de mandato e era obrigado a administrar uma crise que não criou, muito menos a Lula, que precisava do mínimo de estabilidade econômica para começar a governar.

Foi diante desse quadro que Palocci marcou um encontro entre Lula e Armínio Fraga, numa sala reservada do Aeroporto de Brasília. "Estou te entregando um país na UTI", avisou Armínio a Lula, descrevendo o quadro econômico e o que deveria ser feito para o doente melhorar e ganhar condições de, pelo menos, trocar a UTI pelo quarto. Lula e Palocci ouviram assustados e atentos. E Lula se convenceu a buscar um nome do mercado para o BC. Encontrou o tucano Henrique Meirelles.

Meses depois, já presidente, Lula relatou a sua versão da conversa com Armínio a um grupo de deputados. E gabou-se no costumeiro estilo fanfarrão: "Eles colocaram e eu tirei o País da UTI". Irritado com o relato parcial de Lula, o ex-presidente do BC respondeu em entrevista ao Estadão: "O País estava na UTI porque havia medo em relação ao futuro, e o futuro não estava em nossas mãos".

Já ministro, por vezes Palocci consultou Armínio para problemas que encontrava e ele nunca se negou a ajudar.