O ESTADÃO - 19/10
O ex-presidente Lula negou ter convidado o economista Armínio Fraga para permanecer na presidência do Banco Central (BC) por mais algum tempo, quando se elegeu em 2002. A reconstituição dos fatos da época ajuda a entender por que Lula cogitou mas não oficializou o convite - erroneamente revelado pelo candidato Aécio Neves no debate da TV Band. Na verdade, a ideia de prolongar o mandato de Armínio no BC partiu de Antonio Palocci - principal coordenador da campanha de Lula e, depois, seu ministro da Fazenda - e ganhou força e adesões na cúpula do PT. Nas duas funções, Palocci teria de enfrentar a dificílima tarefa de acalmar empresários, investidores e o turbulento mercado financeiro, que ameaçavam jogar o Plano Real despenhadeiro abaixo e transformar a economia do País, sob Lula, num verdadeiro inferno.
A continuidade de Armínio no BC funcionaria como uma espécie de seguro, uma garantia para o mercado de que Lula não levaria adiante as maluquices que o PT pregou antes e durante os oito anos de governo FHC. Conversas com Armínio na civilizada transição de FHC para Lula (se Aécio vencer, Dilma Rousseff fará o mesmo?) convenceram Palocci da ideia, mas ela ganhou um opositor tão poderoso quanto ele: o ex-ministro José Dirceu, hoje prisioneiro em Brasília. Os dois alimentavam antiga rivalidade, acirrada na campanha, intensificada no governo e volta e meia intermediada por Lula. Este quase sempre dava razão a Palocci, mas desta vez acatou os argumentos de Dirceu: seria capitular diante do adversário e rival PSDB reconhecer a incompetência do PT de conduzir a economia e aderir sem disfarces ao que chamavam de neoliberalismo, tão criticado na campanha.
Aos fatos. Final de 2002. Ao longo do ano, o Plano Real viveu sua pior e mais grave crise: a Bovespa não parava de despencar, o dólar chegou a R$ 3,95 e o risco Brasil, a 2.500 pontos (comparando, no auge da crise de 2008 a taxa não passou de 250 pontos). As crises importadas do México, da Ásia, da Rússia, do ataque às Torres Gêmeas e da moratória argentina foram um leve sopro diante do vendaval destruidor do que ficou conhecido como "efeito Lula". De fora e dentro do País o ataque ao Real ficava mais forte a cada pesquisa eleitoral, a cada certeza da vitória do petista. As previsões para o ano eram terroristas: a inflação não ficaria abaixo de 50% (terminou o ano em 12,5%), tão cedo o Brasil não voltaria a tomar empréstimos no exterior e recessão e desemprego eram inevitáveis.
O candidato Lula percebeu o inferno que viveria seu governo e divulgou, em junho, a Carta ao Povo Brasileiro, em que assumia compromissos de respeitar contratos, combater a inflação e gerar superávits primários. Mas não convenceu o mercado, que só intensificava o ataque e tirava proveito do caos para especular e realizar lucros com a gangorra dos indicadores econômicos. Era uma situação que não interessava a FHC, que cumpria seu último ano de mandato e era obrigado a administrar uma crise que não criou, muito menos a Lula, que precisava do mínimo de estabilidade econômica para começar a governar.
Foi diante desse quadro que Palocci marcou um encontro entre Lula e Armínio Fraga, numa sala reservada do Aeroporto de Brasília. "Estou te entregando um país na UTI", avisou Armínio a Lula, descrevendo o quadro econômico e o que deveria ser feito para o doente melhorar e ganhar condições de, pelo menos, trocar a UTI pelo quarto. Lula e Palocci ouviram assustados e atentos. E Lula se convenceu a buscar um nome do mercado para o BC. Encontrou o tucano Henrique Meirelles.
Meses depois, já presidente, Lula relatou a sua versão da conversa com Armínio a um grupo de deputados. E gabou-se no costumeiro estilo fanfarrão: "Eles colocaram e eu tirei o País da UTI". Irritado com o relato parcial de Lula, o ex-presidente do BC respondeu em entrevista ao Estadão: "O País estava na UTI porque havia medo em relação ao futuro, e o futuro não estava em nossas mãos".
Já ministro, por vezes Palocci consultou Armínio para problemas que encontrava e ele nunca se negou a ajudar.
O ex-presidente Lula negou ter convidado o economista Armínio Fraga para permanecer na presidência do Banco Central (BC) por mais algum tempo, quando se elegeu em 2002. A reconstituição dos fatos da época ajuda a entender por que Lula cogitou mas não oficializou o convite - erroneamente revelado pelo candidato Aécio Neves no debate da TV Band. Na verdade, a ideia de prolongar o mandato de Armínio no BC partiu de Antonio Palocci - principal coordenador da campanha de Lula e, depois, seu ministro da Fazenda - e ganhou força e adesões na cúpula do PT. Nas duas funções, Palocci teria de enfrentar a dificílima tarefa de acalmar empresários, investidores e o turbulento mercado financeiro, que ameaçavam jogar o Plano Real despenhadeiro abaixo e transformar a economia do País, sob Lula, num verdadeiro inferno.
A continuidade de Armínio no BC funcionaria como uma espécie de seguro, uma garantia para o mercado de que Lula não levaria adiante as maluquices que o PT pregou antes e durante os oito anos de governo FHC. Conversas com Armínio na civilizada transição de FHC para Lula (se Aécio vencer, Dilma Rousseff fará o mesmo?) convenceram Palocci da ideia, mas ela ganhou um opositor tão poderoso quanto ele: o ex-ministro José Dirceu, hoje prisioneiro em Brasília. Os dois alimentavam antiga rivalidade, acirrada na campanha, intensificada no governo e volta e meia intermediada por Lula. Este quase sempre dava razão a Palocci, mas desta vez acatou os argumentos de Dirceu: seria capitular diante do adversário e rival PSDB reconhecer a incompetência do PT de conduzir a economia e aderir sem disfarces ao que chamavam de neoliberalismo, tão criticado na campanha.
Aos fatos. Final de 2002. Ao longo do ano, o Plano Real viveu sua pior e mais grave crise: a Bovespa não parava de despencar, o dólar chegou a R$ 3,95 e o risco Brasil, a 2.500 pontos (comparando, no auge da crise de 2008 a taxa não passou de 250 pontos). As crises importadas do México, da Ásia, da Rússia, do ataque às Torres Gêmeas e da moratória argentina foram um leve sopro diante do vendaval destruidor do que ficou conhecido como "efeito Lula". De fora e dentro do País o ataque ao Real ficava mais forte a cada pesquisa eleitoral, a cada certeza da vitória do petista. As previsões para o ano eram terroristas: a inflação não ficaria abaixo de 50% (terminou o ano em 12,5%), tão cedo o Brasil não voltaria a tomar empréstimos no exterior e recessão e desemprego eram inevitáveis.
O candidato Lula percebeu o inferno que viveria seu governo e divulgou, em junho, a Carta ao Povo Brasileiro, em que assumia compromissos de respeitar contratos, combater a inflação e gerar superávits primários. Mas não convenceu o mercado, que só intensificava o ataque e tirava proveito do caos para especular e realizar lucros com a gangorra dos indicadores econômicos. Era uma situação que não interessava a FHC, que cumpria seu último ano de mandato e era obrigado a administrar uma crise que não criou, muito menos a Lula, que precisava do mínimo de estabilidade econômica para começar a governar.
Foi diante desse quadro que Palocci marcou um encontro entre Lula e Armínio Fraga, numa sala reservada do Aeroporto de Brasília. "Estou te entregando um país na UTI", avisou Armínio a Lula, descrevendo o quadro econômico e o que deveria ser feito para o doente melhorar e ganhar condições de, pelo menos, trocar a UTI pelo quarto. Lula e Palocci ouviram assustados e atentos. E Lula se convenceu a buscar um nome do mercado para o BC. Encontrou o tucano Henrique Meirelles.
Meses depois, já presidente, Lula relatou a sua versão da conversa com Armínio a um grupo de deputados. E gabou-se no costumeiro estilo fanfarrão: "Eles colocaram e eu tirei o País da UTI". Irritado com o relato parcial de Lula, o ex-presidente do BC respondeu em entrevista ao Estadão: "O País estava na UTI porque havia medo em relação ao futuro, e o futuro não estava em nossas mãos".
Já ministro, por vezes Palocci consultou Armínio para problemas que encontrava e ele nunca se negou a ajudar.
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