segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Roberto Mangabeira Unger: Por que votar em Dilma



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O povo brasileiro escolherá em 26 de outubro entre dois caminhos.
As duas candidaturas compartilham três compromissos fundamentais, além do compromisso maior com a democracia: estabilidade macroeconômica, inclusão social e combate à corrupção. Diferem na maneira de entender os fins e os meios. Diz-se que a candidatura Aécio privilegia estabilidade macroeconômica sobre inclusão social e que a candidatura Dilma faz o inverso. Esta leitura trivializa a diferença.
Duas circunstâncias definem o quadro em que se dá o embate. A primeira circunstância é o esgotamento do modelo de crescimento econômico no país. Este modelo está baseado em dois pilares: a ampliação de acesso aos bens de consumo em massa e a produção e exportação de bens agropecuários e minerais, pouco transformados. Os dois pilares estão ligados: a popularização do consumo foi facilitada pela apreciação cambial, por sua vez possibilitada pela alta no preço daqueles bens. Tomo por dado que o Brasil não pode mais avançar deste jeito.
A segunda circunstância é a exigência, por milhões que alcançaram padrões mais altos de consumo, de serviços públicos necessários a uma vida decente e fecunda. Quantidade não basta; exige-se qualidade.
As duas circunstâncias estão ligadas reciprocamente. Sem crescimento econômico, fica difícil prover serviços públicos de qualidade. Sem capacitar as pessoas, por meio do acesso a bens públicos, fica difícil organizar novo padrão de crescimento.
O país tem de escolher entre duas maneiras de reagir. Descrevo-as sumariamente interpretando as mensagens abafadas pelos ruídos da campanha. Ficará claro onde está o interesse das maiorias. O contraste que traço é complicado demais para servir de arma eleitoral. Não importa: a democracia ensina o cidadão a perceber quem está do lado de quem.
1. Crescimento econômico. Realismo fiscal e manutenção do sacrifício consequente são pontos compartilhados pelas duas propostas. Aécio: Ganhar a confiança dos investidores nacionais e estrangeiros. Restringir subsídios. Encolher o Estado. Só trará o crescimento de volta quando houver nova onda de dinheiro fácil no mundo. Dilma: Induzir queda dos juros e do câmbio, contra os interesses dos financistas e rentistas, sem, contudo, render-se ao populismo cambial. Usar o investimento público para abrir caminho ao investimento privado em época de desconfiança e endividamento. Apostar mais no efeito do investimento sobre a demanda do que no efeito da demanda sobre o investimento.
Construir canais para canalizar a poupança de longo prazo ao investimento de longo prazo. Fortalecer o poder estratégico do Estado para ampliar o acesso das pequenas e médias empresas às práticas, às tecnologias e aos conhecimentos avançados. Dar primazia aos interesses da produção e do trabalho. Se há parte do Brasil onde este compromisso deve calar fundo, é São Paulo.
2. Capital e trabalho. Aécio: Flexibilizar as relações de trabalho para tornar mais fácil demitir e contratar. Dilma: Criar regime jurídico para proteger a maioria precarizada, cada vez mais em situações de trabalho temporário ou terceirizado. Imprensado entre economias de trabalho barato e economias de produtividade alta, o Brasil precisa sair por escalada de produtividade. Não prosperará como uma China com menos gente.
3. Serviços públicos. Aécio: Focar o investimento em serviços públicos nos mais pobres e obrigar a classe média, em nome da justiça e da eficiência, a arcar com parte do que ela custa ao Estado. Dilma: Insistir na universalidade dos serviços, sobretudo de educação e saúde, e fazer com que os trabalhadores e a classe média se juntem na defesa deles. Na saúde, fazer do SUS uma rede de especialistas e de especialidades, não apenas de serviço básico. E impedir que a minoria que está nos planos seja subsidiada pela maioria que está no SUS. Na segurança, unir as polícias entre si e com as comunidades. Crime desaba com presença policial e organização comunitária. A partir daí, encontrar maneiras para engajar a população, junto do Estado, na qualificação dos serviços de saúde, educação e segurança.
4. Educação. Aécio: Adotar práticas empresariais para melhorar, pouco a pouco, o desempenho das escolas, medido pelas provas internacionais, com o objetivo de formar força de trabalho mais capaz.
Dilma: A onda da universalização do ensino terá de ser seguida pela onda da qualificação. Acesso e qualidade só valem juntos. Prática empresarial, porém, tem horizonte curto e não resolve. Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia indicam o caminho: substituir decoreba por ensino analítico. E juntar o ensino geral ao ensino profissionalizante em vez de separá-los. Construir, do fundamental ao superior, escolas de referência. A partir delas, trabalhar com Estados e municípios para mudar a maneira de aprender e ensinar.
5. Política regional. Aécio: Política para região atrasada é resquício do nacional-desenvolvimentismo. Tudo o que se pode fazer é conceder incentivos às regiões atrasadas. Dilma: Política regional é onde a nova estratégia nacional de desenvolvimento toca o chão. Não é para compensar o atraso; é para construir vanguardas. Projeto de empreendedorismo emergente para o Nordeste e de desenvolvimento sustentável para a Amazônia representam experimentos com o futuro nacional.
6. Política exterior. Aécio: Conduzir política exterior de resultados, quer dizer, de vantagem comerciais. E evitar brigar com quem manda. Dilma: Unir a América do Sul. Lutar para tornar a ordem mundial de segurança e de comércio mais hospitaleira às alternativas de desenvolvimento nacional. E, num movimento em sentido contrário, entender-nos com os EUA, inclusive porque temos interesse comum em nos resguardar contra o poderio crescente da China. Política exterior é ramo da política, não do comércio. Poder conta mais do que dinheiro.
7. Forças Armadas. Aécio: O Brasil não precisa armar-se porque não tem inimigos. Só precisa deixar os militares contentes e calmos. Dilma: O Brasil tem de armar-se para abrir seu caminho e poder dizer não. Não queremos viver em mundo onde os beligerantes estão armados e os meigos indefesos.
8. O público e o privado. Aécio: Independência do Banco Central e das agências reguladoras assegura previsibilidade aos investidores e despolitiza a política econômica. Dilma: A maneira de desprivatizar o Estado não é colocar o poder em mãos de tecnocratas que frequentam os grandes negócios. É construir carreiras de Estado para substituir a maior parte dos cargos de indicação política. E recusar-se a alienar aos comissários do capital o poder democrático para decidir.
Aécio propõe seguir o figurino que os países ricos do Atlântico Norte nos recomendam, porém nunca seguiram. Nenhum grande país se construiu seguindo cartilha semelhante. Certamente não os EUA, o país com que mais nos parecemos. Ainda bem que o candidato tem estilo conciliador para abrandar a aspereza da operação.
Dilma terá, para honrar sua mensagem e cumprir sua tarefa, de renovar sua equipe e sua prática, rompendo a camisa de força do presidencialismo de coalizão. E o Brasil terá de aprender a reorganizar instituições em vez de apenas redirecionar dinheiro. Ainda bem que a candidata tem espírito de luta, para poder aceitar pouco e enfrentar muito.
Estão em jogo nossa magia, nosso sonho e nossa tragédia. Nossa magia é a vitalidade assombrosa e anárquica do país. Nosso sonho é ver a vitalidade casada com a doçura. Nossa tragédia é a negação de instrumentos e oportunidades a milhões de compatriotas, condenados a viver vidas pequenas e humilhantes. Que em 26 de outubro o povo brasileiro, inconformado com nossa tragédia e fiel a nosso sonho, escolha o rumo audacioso da rebeldia nacional e afirme a grandeza do Brasil.
ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 67, professor na Universidade Harvard (EUA), é autor do manifesto de fundação do PMDB e ativista em Rondônia. Foi ministro de Assuntos Estratégicos (governo Lula)
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Desorganização do setor de saneamento aumenta a crise da água

ANDRÉ BORGES - O ESTADO DE S. PAULO

13 Outubro 2014 | 02h 01

De norte a sul do País há confusão generalizada sobre quem deve operar e fiscalizar serviços de saneamento; briga chegou ao STF

BRASÍLIA - A estiagem histórica que castiga o abastecimento de água em diversas cidades do Sudeste expôs as raízes mais profundas de um problema que contamina o setor de saneamento básico do País e que está na base da crise atual: a desorganização institucional que impera entre prestadores de serviços de saneamento, Estados e municípios.
De norte a sul do País, a confusão é geral. Envolve empresas que operam de maneira informal e sem contrato, a ausência de fiscalização, alegações de cobranças extorsivas de tarifas e serviços de péssima qualidade. Essa combinação tem produzido índices recordes de desperdício de água e pilhas de processos judiciais, com casos que já chegaram até o Supremo Tribunal Federal (STF).
Desde 2007, uma lei federal garantiu a titularidade da gestão e fiscalização dos serviços de água e esgoto aos municípios. Na prática, porém, a lei não é respeitada. No centro das polêmicas, está a criação de agências reguladoras para fiscalizar o setor. De um lado, estão os municípios, que detêm a titularidade legal dos serviços de saneamento e querem mais fiscalização sobre a qualidade do que é oferecido à população por companhias públicas e privadas. De outro, estão os Estados, donos de parte das empresas de saneamento questionando a existência de órgãos municipais para fiscalizá-los.
Nilton Fukuda/Estadão
Volume morto do Sistema Cantareira, que tem abastecido 6,5 milhões de pessoas na Grande SP, chegou neste domingo, 12, a 4,8% da capacidade
No interior de São Paulo, por exemplo, 47 municípios reunidos em um consórcio público montaram, em 2011, uma agência reguladora dos serviços de saneamento das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (Ares-PCJ). Nessas bacias estão as nascentes das represas do Sistema Cantareira, em crise há dois anos. "O objetivo da agência é fiscalizar os serviços prestados aos municípios da região, a maior parte deles por empresas municipais, mas temos oito cidades que são atendidas pela Sabesp. Nessas cidades, a Sabesp não aceita a nossa fiscalização", diz Dalto Favero Brochi, diretor-geral da Ares-PCJ.
A alegação da Sabesp é que já existe uma instância do governo de São Paulo para desempenhar essa tarefa, a Agência Reguladora de Saneamento e Energia (Arcesp). "É uma situação difícil. Esses municípios atendidos pela Sabesp aderiram à Ares-PCJ e delegaram para nós a regulação. É um direito deles, garantido por lei, escolher quem fará essa fiscalização, mas a Sabesp não aceita", diz Brochi. O caso foi parar na Justiça. A Sabesp informou que "sempre atua com respaldo da legislação do setor e se submete à fiscalização dos órgãos competentes".
Supremo. Em Salvador, a crise institucional já chegou ao STF. A prefeitura quer fiscalizar os serviços prestados pela Empresa Baiana de Água e Esgoto (Embasa), sob alegação de que a agência reguladora estadual (Agersa) faz vistas grossas para as falhas da distribuidora da água. Por isso, a prefeitura criou em 2013 uma agência de fiscalização, a Arsal. "Queremos um sistema autônomo. O serviço da Embasa é de péssima qualidade. Ela nem sequer consulta a prefeitura sobre os serviços que seriam prioritários", diz Mauro Ricardo, secretário da Fazenda de Salvador.
Para o presidente da Embasa, Abelardo de Oliveira Filho, a prefeitura age por interesses políticos. "Falta bom senso. Nenhuma metrópole vai resolver os problemas de saneamento sem uma integração com o Estado", diz Oliveira Filho, que foi secretário de Saneamento do Ministério das Cidades no governo Lula, entre 2003 e 2007.
O imbróglio baiano envolve, ainda, a criação, pelo Estado, da região metropolitana de Salvador, um consórcio com 13 municípios, incluindo a capital. A prefeitura se nega a fazer parte do consórcio por entender que o grupo dilui decisões que caberiam à capital, como a fiscalização do saneamento.
No mês passado, o ministro do STF Celso de Mello indeferiu uma liminar do Democratas, partido do prefeito de Salvador, ACM Neto, que apresentou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a lei complementar que criou o consórcio. "Esse tipo de situação se espalha pelo País. O saneamento sofre com a falta de regulação, porque não tem métricas de eficiência, o que leva a grandes prejuízos", diz o advogado Wladimir Antonio Ribeiro. Especialista no assunto, Ribeiro defende o modelo de consórcios de municípios. "Temos cidades de mil habitantes no País, que não têm condições de manter uma estrutura própria de fiscalização. Os consórcios, desde que bem estruturados, são a melhor opção", afirma.
Abastecimento de cidades sem contrato legal. A falta de entendimento entre prestadores de serviços de saneamento e municípios resulta em situações como em Santo André, no ABC paulista. Há sete anos, a cidade abastece a população com água da Sabesp sem ter um contrato, embora esse documento seja exigido pela Lei do Saneamento.
“Não houve acordo. A Sabesp nunca detalhou sua planilha de custos para nós. Os preços são abusivos e não há transparência”, diz Sebastião Ney Vaz Júnior, presidente da empresa municipal de Santo André (Semasa). A prefeitura move ação contra a Sabesp e, segundo Vaz Júnior, o caso deve ir ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Sabesp cobra R$ 1,65 por metro cúbico (mil litros) de água vendido a Santo André, diz Vaz Júnior. O preço que a prefeitura paga, no entanto, é menor. “A gente paga em juízo, usando como referência a empresa local de abastecimento, que fornece água para uma parte da população a R$ 0,73 o m³. É esse o valor que estamos dispostos a pagar.”
A falta de contrato dificulta a fiscalização. “A Sabesp entrega o volume que pedimos, mas sem considerar nossos horários de pico de consumo”, diz Vaz Júnior. A Sabesp diz que atua com base na lei do setor.
Em Salvador, a situação é a mesma. “Nosso contrato com a Embasa acabou e não foi renovado”, diz Mauro Ricardo, secretário da Fazenda. A Embasa, companhia estadual, acusa a prefeitura de acumular dívida de R$ 450 milhões em contas de água. A prefeitura diz que a Embasa está inadimplente em R$ 400 milhões em Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto Sobre Serviços (ISS). 
“Eles não pagam a gente, nós não pagamos eles”, diz Ricardo.
No meio do caos do setor, há bons resultados, como o Consórcio Intermunicipal de Saneamento Básico da Zona da Mata (Cisab), de Minas. “Somos 27 municípios que se uniram para gerenciar o saneamento, o que proporcionou a redução de custos”, diz Tânia Duarte, superintendente do Cisab.

O chapeiro e o dono da padaria, Por Antonio Prata, na FSP

As vitórias da Dilma, no Nordeste, do Aécio, no Sudeste e a mesma divisão mostrada pelo Datafolha para o segundo turno ressuscitaram o velho preconceito de que pobre não sabe votar. Os mais ricos e escolarizados escolheriam racionalmente e votariam no PSDB, enquanto os mais pobres e com menos anos de estudo, iludidos pelas "esmolas" e falsas promessas do governo, fechariam com o PT.
Essa ideia equivocada deriva de uma falsa premissa: a de que existiria o voto certo e o errado. Candidaturas não representariam interesses distintos de diferentes camadas da sociedade, mas sim a verdade ou a mentira. Uma eleição não seria, portanto, uma escolha entre múltiplas propostas, mas se assemelharia àquele golpe em que, sobre um tabuleiro, uma pessoa vai rolando uma bolinha e a escondendo cada hora sob um de três copos; no fim, você tem que descobrir qual copo esconde a bola, quais estão vazios; qual candidatura é a certa, boa para todos, quais são as vazias, querendo nos enganar.
Ora, bolas, o Nordeste não deu 60% dos votos à Dilma porque foi enganado por ela. Deu porque, sob o PT, as condições de vida daqueles milhões de eleitores melhoraram. E o mensalão? E o escândalo da Petrobras? E a inflação? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem outro candidato. É um voto racional.
A mesma coisa vale para os 39,45% do Aécio no Sudeste. O sudeste é mais rico, vê seus interesses representados pelo candidato, não precisa tanto de programas sociais -só quer menos Estado, evidentemente, quem não depende dele. E o mensalão mineiro? E o escândalo do metrô? E a compra de votos pra reeleição? Nada disso conta? Não a ponto de escolherem outro candidato. É um voto racional.
Na boa: você não precisa ser marxista-leninista pra concordar que as necessidades do chapeiro são diferentes das do dono da padaria, vai?
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Na quinta, Armínio Fraga e Guido Mantega foram entrevistados por Miriam Leitão, na GloboNews. O que Armínio dizia era, numa livre tradução, que o PT está quebrando a padaria e, caso isso aconteça, quem mais se estrepará será o chapeiro. Mantega se defendia afirmando que a padaria não está quebrando, só está com pouco movimento por conta da crise mundial. E lembrava que, mesmo nesse período difícil, o Brasil manteve contínuos aumentos de salário e seguiu contratando chapeiros. Armínio rebatia que a crise já tinha passado e as outras padarias estão melhores que a nossa e acusava o governo de só manter o emprego e o salário nesses níveis na base da gambiarra. As planilhas estariam cheias de araminho e fita isolante. É a crise!, se defendia Mantega, alegando que na hora do dilúvio é mais importante botar a bacia embaixo da goteira que consertar o buraco no teto. Uma hora o teto vai cair, vaticinava Armínio. Com a gente, nunca caiu, se orgulhava Mantega, com vocês, caiu três vezes! Era a crise, se defendia Armínio. O que importa é que as pessoas estão bem, sorria Mantega. O que importa é que o balancete vai mal, sorria Armínio.
E eu, que não sou chapeiro nem dono de padaria, fiquei com a sensação de que os dois tinham razão e estavam errados, alternadamente.