segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Bruna Marquezine e a retórica petista - SAMUEL PESSÔA


FOLHA DE SP - 12/10


Arsenal retórico do PT pode ajudar a reeleger Dilma, mas em nada ajuda para a evolução da sociedade


Com o início da campanha do segundo turno na quinta-feira, o programa eleitoral da presidente Dilma Rousseff apresentou diversas manchetes de jornais com vários dados referentes à década de 90 e outros referentes à década de 2000. Há nesta estratégia uma série de truques de retórica.

Ao primeiro chamaremos de "efeito Bruna Marquezine". Circula na internet um divertido meme com a foto da criança Bruna nos anos FHC, e outra, da bela mulher em que se transformou, nos anos Lula. A brincadeira é que a retórica petista sugere que a transformação é consequência das políticas dos governos petistas.

Inúmeras melhoras ocorridas na sociedade brasileira nos últimos 30 anos são avanços vegetativos associados à evolução natural da sociedade. Boa parcela da queda da desigualdade na última década segue da melhora educacional --que tem ocorrido desde os anos 40, com forte aceleração em seguida à redemocratização-- em associação ao fim de nossa transição demográfica. Pela primeira vez somos uma sociedade com escassez de trabalho. Nada disto deve-se ao PT no governo.

A propaganda petista gosta de apresentar números impressionantes que fulguram ante cifras bem menores da era FHC. Em muitos casos essas comparações representam a evolução natural de programas e realizações a partir de largadas necessariamente modestas na fase que se seguiu ao fim do caos hiperinflacionário. Foi um período no qual o país teve de concentrar recursos escassos e energia política nas penosas reformas estruturantes, que foram a base para os avanços posteriores e contra as quais o PT lutou com todas as forças.

O segundo truque retórico é a descontextualização da informação. Por exemplo, a dívida pública no governo FHC cresceu. O que não se fala é que mais da metade do crescimento da dívida pública no período resultou da assunção de dívidas passadas que não estavam contabilizadas. Este fato está bem documentado no texto para a discussão de janeiro de 2004 do Ipea "Os Passivos Contingentes e a Dívida Pública no Brasil: Evolução Recente (1996-2003) e Perspectivas (2004-2006)".

Por exemplo, afirmar que a inflação foi mais elevada com FHC do que com o PT é não reconhecer que antes de FHC havia hiperinflação e que a sociedade melhorou: 7% ao ano no período FHC é conquista; 7% hoje é derrota.

O terceiro truque retórico, que remete ao gênio da comunicação nazista Joseph Goebbels, é repetir uma mentira até que seja verdadeira. Por exemplo, repetir que FHC quebrou o país três vezes quando naquele período nunca quebramos. Monica de Bolle na seção "Tendências e Debates" da Folha de sexta-feira (10) elucida a questão.

O quarto truque retórico é escolher estatísticas e bases de comparação de forma oportunista. Este é o caso quando se afirma que o desempregou caiu 7,6 pontos percentuais, dos 13,0% de 2003 para os 5,4% de 2013. Esta informação de desemprego refere-se à Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE. Abrange somente seis regiões metropolitanas. A taxa de desemprego medida pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, que abrange todo o território nacional, apresenta redução de 3,2 pontos percentuais, de 9,7% em 2003 para 6,5% em 2013.

Se tomarmos como base de comparação 2002, último ano de FHC, o desemprego caiu 2,6 pontos percentuais, de 9,1% para 6,5%. Queda bem menos brilhante se considerarmos a dinâmica demográfica muito favorável.

O quinto truque retórico é simplificar um debate ao máximo de forma a demonizar seu adversário e incutir medo na população. Esta estratégia foi empregada à larga para desconstruir Marina Silva.

Fui recentemente alvo dessa estratégia. Na coluna de 29 de junho abordei o tema da cobrança de mensalidade em universidades, públicas ou privadas. O tema foi tratado de forma conceitual e no contexto das dificuldades de financiamento da USP e do reconhecimento do enorme sucesso do Fies, uma das vitrines, com todos os méritos, do atual governo. Na retórica petista eu quero privatizar as universidades federais, algo que nunca passou pela minha cabeça.

O arsenal retórico do PT pode ajudar a reeleger Dilma. Em nada ajuda a evolução da sociedade.

domingo, 12 de outubro de 2014

Luz perpétua


DIEGO MOURA - ESPECIAL PARA O ALIÁS
11 Outubro 2014 | 16h 00

Lâmpada veterana brilha há 113 anos e garante aos novinhos eletrônicos que não para tão cedo

DICK JONES
Resistência. No teto do quartel dos bombeiros, ela já ‘enterrou’ três webcams
Nove metros separam do chão a lâmpada mais antiga ainda em funcionamento no mundo. Pendurada no teto do Quartel Número 6 dos bombeiros da ensolarada Livermore, Califórnia, ela começou a brilhar em 1901 - e não parou mais. Está até no Guinness: já são mais de 890 mil horas de vida, devendo superar 1 milhão em junho de 2015. Para os pouco mais de 80 mil habitantes da cidade, trata-se, como diriam por aqui, de coisa da providência divina. “Essa lâmpada representa a esperança, a luz, tudo de positivo que você puder imaginar”, pontifica o gráfico Steve Bunn, de 59 anos, dono do site Centennial Bulb (Lâmpada Centenária), desde o ano 2000 dedicado à vida da lâmpada teimosa. “Tem padres aqui que a usam em sermões. Dizem que, assim como Jesus é a luz do mundo, essa é a luz de Deus, que brilhará para sempre”, ele exemplifica. 
Contra força tão poderosa, não há Nobel de Física capaz de competir. Essa semana os japoneses Isamu Akasaki, Hiroshi Amano e Shuji Nakamura foram agraciados com o prêmio da academia sueca pelo desenvolvimento do LED, em 1990. Uma revolução em termos alumiantes: o LED é 25 vezes mais durável e até 80% mais econômico do que uma lâmpada incandescente comum e a Prefeitura de São Paulo acaba de anunciar planos de usá-lo em todos os postes da cidade, numa substituição estimada em R$ 1,8 bilhão. Mas, em termos simbólicos, a luzinha japonesa não passa de uma sombra perto da lâmpada eterna de Livermore.
Ela foi fabricada em 1898 pelo francês Adolphe Chaillet, em Shelby, Ohio. Propagandeada como a "melhor de toda a Terra", sucumbiu tempos depois diante de rivais menos duráveis, porém mais econômicas. O produto desperdiçava mais de 90% de sua energia em calor. Em 1900, um exemplar foi entregue à companhia de eletricidade e abastecimento de água de Livermore e, um ano depois, doado ao corpo de bombeiros local. Desde então, a lâmpada mudou de lugar quatro vezes: duas em 1901, uma em 1906 e a última em 1976, quando a desligaram por 22 minutos. Na ocasião houve até um cortejo de moradores, com escolta policial, até o quartel dos bombeiros, onde ela permanece hoje, acanhada ao lado de duas daquelas lampadonas compridas e frias de escritório. 
O lugar, bem alto e distante das mãos humanas, é estratégico. Ali ela já enfrentou até terremoto, sempre acesa, como contou Tom Bramell, de 66 anos, ex-chefe dos bombeiros e atual guardião da lâmpada. Mas, até ser posta em segurança, jazia perto demais do chão, bem no meio do caminho. Quando os bombeiros saíam correndo para atender a emergências, esbarravam perigosamente nela - que, apesar dos trancos, não quebrou. Nem apagou. 
Sua longevidade, aliás, ainda carece de explicações. Estudos realizados em 2008 e 2009 por pesquisadores americanos apontaram como causa a qualidade do filamento. Enquanto as lâmpadas mais modernas usam o tungstênio, Chaillet apostou numa substância derivada da celulose que, quando aquecida, se tornava carbono puro. “Era tão compacto e forte que se aproximava da dureza de um diamante”, disse Bramell.
Em 2001, os livermorenses comemoraram o centenário da lâmpada com uma festa de parar a cidade. Famílias às pencas saíram às ruas para ver os desfiles dos veteranos luminosos e exposições multitemáticas sobre a peça de Chaillet. Mas 12 anos depois um novo susto abalou a tranquilidade dos aficionados pela lâmpada. Em 20 de maio de 2013 a luz centenária emitiu o que parecia ser seu último brilho. Nove horas e meia depois, encontraram o problema, e não era com ela: o gerador de eletricidade que a mantinha viva dera chabu. “Então veio o medo”, recorda Steve Bunn. “Porque, normalmente, quando uma lâmpada fica acesa por muito tempo, apaga e volta a acender, queima. Mas não foi o que aconteceu.” Quando morreu, a pequena notável de Livermore emita luz correspondente a 4 watts, praticamente uma vela de cemitério. Na ressurreição, brilhou com potência 15 vezes maior. Com o tempo, voltou a minguar e minguante continua. Hoje, não ilumina um palmo à frente do nariz.
Da vez em que escureceu pela falha no gerador, uma porção de mensagens de lamento entupiu a caixa de e-mails do gráfico Bunn. Uma delas vinha de um militar americano em missão no Ártico. “Ele estava muito chateado. Contou que passaria os próximos três meses no escuro por causa do inverno. Nossa lâmpada era a única luz que lembrava sua casa”, disse Bunn, orgulhoso. É que, em 2001, os bombeiros passaram a transmitir imagens da lâmpada em tempo real, por uma webcam. Desde então, a lâmpada centenária já enterrou três câmeras. A quarta que se cuide.
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Diego Moura é aluno do Curso Estado de Jornalismo

O gargalo das patentes


Coluna do Renato Cruz: O gargalo das patentes
Empresas brasileiras têm ampliado seu esforço de inovação nos últimos anos. Criar produtos, serviços e processos novos é essencial para que o País consiga competir pelo mercado internacional. Mas existem gargalos importantes, que se tornam ainda mais críticos diante desse esforço de inovação.
Um dos principais é o sistema de registro de patentes. A espera por aqui está em 10,8 anos em média, podendo, em alguns casos, ultrapassar 14 anos. Nos Estados Unidos, o prazo médio é de 2,6 anos; na Europa, de 3 anos; na Coreia do Sul, de 1,8 ano; e, na China, de 1,9 ano.
O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) precisa de um reforço urgente, com contratação de funcionários e investimento em tecnologia. Apesar de ser superavitário, gastando menos do que arrecada com os pedidos de patente e registro de marcas, o instituto padece de falta de investimento.
Na sexta-feira, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) promoveu em São Paulo um encontro com o tema Propriedade intelectual: acordos internacionais de cooperação para exame de patentes. Além de lideranças empresariais, o evento contou com a presença do presidente do INPI, Otávio Brandelli, e de representantes de escritórios internacionais de patentes.
“O Brasil ainda participa de pouquíssimos acordos multilaterais”, disse Rafael Lucchesi, diretor de Educação e Tecnologia da CNI. Um dos principais assuntos discutidos durante o encontro foram benefícios que o País poderia ter se participasse do Procedimento Acelerado de Patentes (PPH, na sigla em inglês). Os signatários desse acordo compartilham informações, o que pode acelerar o processo de avaliação dos pedidos.
O PPH pode ser bilateral ou multilateral. Se o Brasil tivesse, por exemplo, um acordo com a China, e a empresa entrasse com um pedido no escritório chinês, requerendo também o registro por aqui, o INPI já receberia todo o levantamento de informações feito por lá, tendo somente que complementar a pesquisa para tomar sua decisão.
Não existiria perda de soberania, como alguns críticos desse tipo de acordo dizem. A Europa tem acordos com os EUA, Japão, China e Coreia do Sul, formando o chamado IP5 (IP é a sigla em inglês de propriedade intelectual). “Acontece de cada escritório tomar decisões diferentes sobre o mesmo pedido, pois as legislações são diferentes e a interpretação das regras também é diferente”, afirmou Nelson das Neves, coordenador de Projetos do Escritório Europeu de Patentes (EPO, na sigla em inglês).
A resolução do gargalo das patentes é urgente no Brasil, pois dificilmente o País conquistará um lugar de destaque no mercado internacional de produtos de maior valor adicionado sem que se dê a atenção devida à proteção da propriedade intelectual.
Mão de obra
O INPI tem cerca de 250 examinadores, comparados a 8 mil nos EUA e a 4 mil na Europa. Essa é uma das explicações para a demora na avaliação dos pedidos de patentes. A quantidade de processos a espera de uma decisão é de 960 por examinador no Brasil, comparada a 77 nos EUA e a 91 na Europa.
Importância
Apesar dessa situação, ocupamos um lugar importante no cenário internacional. “O Brasil está entre os 10 principais países em patentes e marcas”, afirmou José Graça Aranha, diretor regional da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi). A Ompi administra 26 tratados internacionais, entre eles o PPH, que começou como um acordo entre EUA e Japão e hoje inclui 33 países. A Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), liderada pela CNI, defende a adesão do Brasil ao PPH.