BÁRBARA FERREIRA SANTOS, VICTOR VIEIRA, LUIZ FERNANDO TOLEDO - O ESTADO DE S. PAULO
06 Setembro 2014 | 19h 23
Do 1º ao 4º ano, 11,8% dos municípios não avançaram nem atingiram nota 6; do 5º ao 9º ano, a mesma má avaliação atinge 354 locais
Os anos iniciais do ensino fundamental público em 658 municípios do País ficaram em “estado de alerta”, segundo os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) 2013, divulgados anteontem pelo Ministério da Educação (MEC). Mais do que não ter alcançado as metas, nenhuma dessas cidades melhorou seu desempenho ou atingiu a nota 6 – projeção feita pelo MEC para o Brasil em 2021, dentro de uma escala de zero a dez.
O total de cidades em alerta no ciclo 1 do Fundamental corresponde a 11,8% do total de municípios do País. No caso da segunda fase do ensino fundamental, do 5.º ao 9.º ano, são 354 municípios na mesma situação de alerta – 6,4% das cidades brasileiras. Já para o ensino médio o ministério divulga somente as notas por Estados.
Esse levantamento leva em conta a nota média da educação pública, que inclui as redes municipais, estaduais e federal. Mas, se forem consideradas só as redes públicas municipais, o retrato é semelhante: o País tem 660 cidades em alerta nos anos iniciais do ensino fundamental e 207 nos anos finais.
O número de cidades “em alerta”, tanto considerando a média da educação pública quanto apenas as redes municipais, pode até ser maior, por causa da quantidade de municípios em que não é possível fazer o cálculo de evolução por falta de nota em 2013 ou em 2011, ano da penúltima edição. As cidades que não têm o mínimo de participantes exigido pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do MEC responsável por calcular o Ideb, não terão medição.
O recorte por avanços, metas e projeções dá melhor noção sobre a situação das cidades. Especialistas são bastante críticos em relação aos rankings que tentam listar Estados, municípios ou escolas e desconsideram outros fatores que permitem aprofundar a análise dos dados.
Outro problema das médias é esconder o impacto de cada um dos componentes do Ideb – as notas de aprendizagem em Português e Matemática e o nível de aprovação, que mede a evasão e a repetência. Como as políticas de fluxo escolar são um caminho mais fácil para melhorar o Ideb, em alguns casos as variações de aprendizagem registram piora, porém não ficam no centro das análises.
A Região Sudeste, embora seja a mais rica do País, é a que concentra a maioria dos municípios em “estado de alerta” no ensino público. Nos anos iniciais do fundamental, 204 cidades com o sinal vermelho ligado pertencem ao Sudeste – 31% das 658 cidades em estado de alerta. Desse grupo, 32 se localizam no Estado de São Paulo.
Já nos últimos anos do fundamental há 167 municípios do Sudeste, de um total de 354 no País – 47,2% do total. Entre os paulistas, são 35 nessa situação.
Colaboração. Segundo Mozart Neves Ramos, especialista em Educação e diretor do Instituto Ayrton Senna, essas cidades exigem um “olhar diferenciado” para a formação de políticas públicas. “Um grande problema no Brasil é a equidade. A gente tem um País desigual. Se alguém estuda em uma escola melhor, tem um futuro mais promissor. Mas o direito à aprendizagem não está sendo cumprido na totalidade”, afirma.
As ações governamentais para melhorar a educação, segundo Ramos, devem ser feitas por meio de um regime de colaboração entre os três entes federativos – municípios, Estados e União. “Temos de ter um esforço diferenciado. Não adianta dar um mesmo remédio para curar tudo”, diz.
Análise: O Ideb e a melhoria da educação
PAULA LOUZANO - DOUTORA EM EDUCAÇÃO POR HARVARD
06 Setembro 2014 | 03h 00
'É triste ver o MEC perder a chance de divulgar um conjunto de informação útil para a análise dos nossos problemas educacionais'
A divulgação dos resultados do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) de 2013 mostra mais uma vez nossa dificuldade de irmos além dos rankings. É triste ver o MEC perder a chance de divulgar um conjunto de informação útil para a análise dos nossos problemas educacionais e dos possíveis caminhos a seguir no dia que a educação vira manchete nacional.
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O Ideb tem em sua composição a média de matemática e língua portuguesa de uma rede de ensino ponderada pela taxa de aprovação. Portanto, para aumentar o Ideb uma rede pode aprovar mais alunos ou aumentar seu aprendizado em matemática e língua portuguesa. Como as duas ações são importantes e deveriam estar interligadas, as redes de ensino que estão fazendo um bom trabalho educacional são exatamente aquelas que são capazes de melhorar os dois indicadores, e isso não se vê refletido necessariamente na nota do Ideb. Vamos esperar a informação do desempenho em cada uma das disciplinas que compõe o Ideb, entregues em uma métrica que permite analisar pedagogicamente os problemas educacionais, para podermos aprofundar a análise de um desafio que parece se repetir desde 2009: não logramos transformar a melhoria na qualidade da educação dos anos iniciais do ensino fundamental (1º ao 5º ano) em melhorias no ciclo seguinte (6º ao 9º ano) ou mesmo no ensino médio.
Em termos práticos, isso significa que de todos os alunos que chegam ao 6º ano sabendo divisão com divisor de dois dígitos, somente metade desses vai aprender no final do 9º ano a transformar fração em porcentagem e apenas a metade da metade vai sair do ensino médio sabendo calcular juros simples. Além disso, ao mesmo tempo em que aumenta o contingente de alunos a quem é negado um conhecimento poderoso, aumentamos o número de reprovados e expulsos do nosso sistema educacional.
Portanto, os sistemas de educação que deveriam ser escrutinados para que possamos aprender são aqueles que estão conseguindo melhorar o aprendizado sem reprovar ou expulsar maciçamente os que apresentam dificuldade. Infelizmente, o ranking do Ideb não é capaz de nos fornecer esta informação, razão pela qual o conjunto dos dados coletados pelo Inep precisa ser divulgado.
Resultado do Ideb é pior ao se avaliar aprendizagem
VICTOR VIEIRA - O ESTADO DE SÃO PAULO
06 Setembro 2014 | 03h 00
Em apenas três Estados - Pernambuco, Rio de Janeiro e Acre - houve melhora na nota dos estudantes do ensino médio público
O mau resultado no ensino médio do País, revelado pelo Ideb 2013, é ainda pior se considerarmos apenas a avaliação da aprendizagem, um dos componentes usados para calcular o índice. Em apenas três Estados - Pernambuco, Rio de Janeiro e Acre - houve melhora na nota dos estudantes do ensino médio público.
Somente nos primeiros anos do fundamental (1.º ao 4.º ano), a maioria dos Estados teve melhora significativa na nota e também no fluxo escolar.
Isso acontece porque o Ideb é calculado pelas notas da Prova Brasil, que mede a competência em Português e Matemática, e pelo fluxo escolar, que considera taxas de aprovação. O resultado permite que dificuldades na aprendizagem possam ser mascaradas por políticas que reduzam a repetência e a evasão.
Nos primeiros anos do Ideb, que existe desde 2005, o peso do fluxo escolar era mais elevado. A pressão por aumentar o índice, que também é vinculado ao repasse de recursos, fez várias secretarias acelerarem a passagem dos alunos de um ano para o outro. “Essa é a parte mais simples, que pode ser resolvida por decreto”, afirma a ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, Maria do Pilar Lacerda.
"Ja a mudança no nível de aprendizado é lenta porque exige esforço maior das redes", diz o presidente do Conselho Nacional da Educação (CNE), José Fernandes de Lima. “No ensino médio, é ainda mais difícil ter uma resposta porque o aluno já traz um histórico dos outros anos”, afirma.
Mudança. A tendência, de acordo com especialistas, é de que o peso da taxa de aprovação diminua cada vez mais nos próximos anos, como reflexo das políticas para reter alunos na sala de aula. “Chega-se a um ponto em que a melhora do fluxo se torna pequena”, diz Maria do Pilar.
Segundo o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a decomposição do indicador é essencial para planejamento e ajuste das políticas educacionais. “O direito à educação combina acesso, permanência e qualidade”, defende. “A secretaria que aposta somente no fluxo prejudica uma geração inteira de alunos”, aponta Cara.