23 de fevereiro de 2014 | 2h 06
Diego Zanchetta , enviado especial / Atibaia - O Estado de S.Paulo
Agricultores perderam suas safras e ficam à espera de um caminhão-pipa da prefeitura, famílias convivem com cheiro de esgoto, poços e minas estão secos e hoje há mato e pedras onde antes havia represas e cachoeiras. Quatro anos após as enchentes que obrigaram mais de 6 mil pessoas a deixar suas casas na região do Circuito das Águas, no interior paulista, a pior estiagem em 50 anos mudou a vida da população às margens dos principais mananciais do Estado, que normalmente estariam transbordando nesta época do ano.
Quem já foi resgatado de barco de sua residência, como o aposentado Alex Viegas, de 65 anos, agora vive sem água para lavar roupa e sob a ameaça de racionamento. "O Rio Atibaia secou de um jeito que nunca vi. O que era rio virou mato. Dá pra atravessar a pé em alguns lugares. Só tem pedra", conta. Nessas condições vive boa parte da população de cinco municípios visitados pelo Estado, todos cortados por rios que abastecem quase 10 milhões de paulistas: Itapeva e Extrema, em Minas, e Joanópolis, Atibaia e Bragança Paulista, no interior.
Viegas mora no Parque das Nações, bairro de classe média ao lado do Rio Atibaia. Nesta mesma época do ano em 2010, a água chegou a quase 2 metros de altura na rua onde ele mora. Como outros 1,3 mil moradores da área, ele ficou 40 dias fora de casa. Em 2011, os alagamentos voltaram a se repetir e, mais uma vez, o aposentado e seus vizinhos foram resgatados em botes da Defesa Civil.
O mesmo rio que transbordou virou um filete de água fétido, raso e cheio de esgoto. No quarteirão ao lado de onde mora Viegas, as marcas das enchentes ainda estão nas paredes do sobrado da dona de casa Maria Helena Xavier, de 40 anos, também resgatada de barco em 2010. "Aqui estou lavando roupa a cada 15 dias. Mas o pior é o cheiro de esgoto do rio. Muita gente continua jogando lixo no Atibaia com ele seco, e o cheiro de esgoto está no bairro inteiro", diz a dona de casa.
O trecho do Rio Atibaia que corta o Parque das Nações chegou a 4,27 metros de profundidade no verão de 2010. Na quinta-feira, o nível do manancial era de 72 centímetros.
Diante do colapso iminente no abastecimento, a prefeitura está multando quem lava as calçadas - o valor é equivalente à soma das últimas três contas de água do infrator. Há quatro anos, porém, o temor era outro: a mesma prefeitura e boa parte da cidade temiam que as represas do Sistema Cantareira, à época com nível de água em 99,8%, pudessem romper. Anteontem, os reservatórios baixaram para 17,7%.
Drama. A situação é ainda pior para agricultores, moradores e donos de pousadas que vivem ao longo dos 90 quilômetros do Rio Jaguari, a mais importante fonte de água para os paulistas. A agonia de quem vive do Jaguari pode ser observada desde as nascentes do manancial, no sul de Minas, até seu encontro com o Rio Camanducaia, em Jaguariúna, na região de Campinas. A vazão, que chegou a 50 metros cúbicos por segundo nas cheias de 2010, hoje está em 11 m³/s.
Agricultores de Itapeva, no sul de Minas, que perderam a safra de milho dependem hoje de duas visitas semanais de caminhões-pipa para conseguir tomar banho e cozinhar. As minas e poços secaram à medida que o nível do Jaguari também baixava. "Aqui nós não temos água mais. Tínhamos um poço para quatro famílias, de 25 metros de profundidade, que secou. O milho não teve adubo que resolveu, ficou pequeno demais. Perdemos tudo", conta a agricultora Irene Gercina, de 69 anos, que teve de sair de casa durante as enchentes de 2010.
Donos de pousadas na estância turística de Extrema, também no sul de Minas, estão à beira da falência após a Cachoeira do Salto, reduto de praticantes de rafting, praticamente secar. Outras cachoeiras e trechos do Rio Jaguari usados por praticantes de esportes radicais também estão com baixa vazão. "Em 2010, nós paramos porque a correnteza do rio era muito forte, encheu demais. Agora estamos parados por causa da seca", diz o operador de turismo Carlos Santana, de 39 anos.
Mais para baixo, em Bragança Paulista, o Rio Jaguari, de tão pequeno e raso, parece um córrego. Na zona rural do município, onde o manancial transbordou em 2010 e deixou 700 desabrigados, hoje é necessário fazer uma trilha pelo meio do mato para encontrar seu curso, escondido na mata fechada, com 86 centímetros de profundidade.
"Nem os lambarizinhos conseguem mais nadar, está muito raso mesmo. Estou com medo é de quando chegar o inverno. Aí, sim, o Jaguari vai sumir de vez", lamenta o agricultor Salmo Ceni, de 49 anos, todos vividos às margens do Jaguari.
Silêncio. Procurados pela reportagem, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) do Estado informaram, na sexta-feira, não ter porta-vozes disponíveis para comentar a estiagem que afeta os principais reservatórios do Estado.