domingo, 23 de fevereiro de 2014

Doação de empresas garante 2/3 das receitas dos maiores partidos do País


PT, PMDB e PSDB receberam pelo menos R$ 1 bilhão de pessoas jurídicas entre 2009 e 2012

23 de fevereiro de 2014 | 2h 06

Daniel Bramatti - O Estado de S.Paulo
A eventual proibição do financiamento empresarial ao mundo político, cuja votação deve ser concluída ainda neste ano pelo Supremo Tribunal Federal, afetará não apenas as campanhas eleitorais, mas a própria manutenção das máquinas partidárias. PT, PMDB e PSDB, as três maiores legendas do País, receberam pelo menos R$ 1 bilhão de empresas entre os anos de 2009 e 2012, o que equivale a quase 2/3 de suas receitas, em média.
Quatro dos 11 ministros do STF já votaram pela proibição de doações de empresas a candidatos e partidos, no ano passado - o julgamento foi suspenso por um pedido de vista. Com mais dois votos na mesma linha, o Judiciário, na prática, forçará a realização de uma reforma política que provavelmente multiplicará a destinação de recursos públicos às legendas, para compensar a perda de seus principais financiadores.
O principal afetado pela eventual proibição será seu maior defensor: o PT é quem mais recebe recursos privados e deveu a essa fonte 71% de suas receitas nos quatro anos analisados pelo Estadão Dados. As doações de pessoas físicas equivalem a apenas 1% do total. O restante vem do Fundo Partidário, formado por recursos públicos, e de contribuições de filiados - principalmente de detentores de mandatos e cargos de confiança.
O levantamento sobre as doações empresariais considera apenas o que entrou nas contas dos diretórios nacionais dos partidos. Como a maioria das movimentações dos diretórios estaduais não está publicada na internet, não foi possível mapeá-las. Também não foram levadas em conta as contribuições eleitorais feitas diretamente para candidatos ou comitês, sem passar pelos partidos. Ou seja, na prática, o peso do financiamento empresarial na política é ainda maior.
Nas listas de doadores há prevalência de construturas e bancos, mas não foi possível contabilizar as movimentações de cada setor ou empresa. Isso porque os partidos e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não publicam suas prestações de conta em planilhas eletrônicas, mas no formato PDF - o equivalente a uma fotocópia digitalizada, cujos dados não podem ser trabalhados.
O volume de dinheiro de empresas em circulação na política alcança picos quando há eleições. Considerados também os recursos que vão para candidatos e comitês, as doações empresariais chegaram a R$ 2,3 bilhões em 2010 e R$ 1,8 bilhão em 2012, segundo estudo da Transparência Brasil, entidade cuja principal bandeira é o combate à corrupção.
Mas não é apenas nos anos eleitorais que os tesoureiros das legendas "passam o chapéu" diante de empresários. Em 2009 e 2011, o PSDB recebeu R$ 3,1 milhões e R$ 2,3 milhões, respectivamente, em valores atualizados pela inflação. Com o PT, a generosidade foi ainda maior: R$ 10,8 milhões e R$ 50 milhões, nos mesmos anos. A prestação de contas de 2013 ainda não foi entregue ao tribunal.
Receita. Depois das empresas, o Fundo Partidário é hoje a segunda maior fonte de receita das legendas. Sua importância cresceu nos últimos anos, já que o Fundo foi "turbinado" pelo Congresso em 2011, com uma injeção extra de R$ 100 milhões que ajudou a pagar as dívidas de campanha do ano anterior.
O Fundo foi regulamentado em 1995 e previa que seu valor fosse de R$ 0,35 por eleitor. Atualizado pela inflação, isso equivaleria hoje a um total de R$ 165 milhões. Mas, graças a manobras de líderes partidários no Congresso, a destinação de recursos orçamentários para o financiamento dos partidos alcança, desde 2011, cerca de R$ 300 milhões por ano. Apesar de o volume de recursos públicos ser alto, representa, em média, apenas 30% do que entra nos cofres do PT, do PMDB e do PSDB.
Entre as fontes menos representativas estão as doações de pessoas físicas. Elas equivalem a menos de 2% do total arrecadado pelos três maiores partidos - mesmo com o volume atípico de R$ 15 milhões obtido pelos tucanos em 2010, mais do que a soma recebida por PT e PMDB em quatro anos. / COLABOROU DIEGO RABATONE

Doações de empresas devem ser proibidas?

23 de fevereiro de 2014 | 2h 06
Marcus Vinicius Furtado Coêlho e Claudio Weber Abramo - O Estado de S.Paulo
DEBATE
SIM
Por Marcus Vinicius Furtado*
O investimento empresarial em campanhas é inconstitucional, como é a participação censitária de pessoas físicas e jurídicas no processo político eleitoral. Empresas não se enquadram no conceito de povo.
No manifesto "Um homem, um voto", Nelson Mandela dizia que negros e brancos, homens e mulheres, trabalhadores e empresários, devem ter igual participação na definição dos destinos do país.
A legislação, que regula o financiamento de campanhas e institui uma injustificada discriminação, acertadamente proíbe a contribuição de sindicatos e de organizações de classe e religiosas. Assim, não podem as empresas participar da vida política nacional.
A Constituição aduz que a legislação deve proteger a legitimidade das eleições, contendo o abuso do poder econômico.
A diminuição do "caixa 2" advirá da visualização dos gastos de campanha. Com o alto volume investido por empresas, ele passa a não ser perceptível. A ausência deste investimento protegerá a legitimidade das eleições, tornando evidente o abuso econômico.
O partido é a pessoa jurídica de direito privado escolhida pela Constituição para intermediar a vontade do cidadão com o exercício do poder - e empresas não podem participar de partidos.
A participação censitária no processo eleitoral fere a igualdade política entre os cidadãos e entre candidatos e partidos.
A ação proposta pela OAB não objetiva diminuir a atividade pública nem generalizar ou criminalizar a política. Seu norte é valorizá-las, dizer que são essenciais a todos os cidadãos, independentemente de sua renda.
Temos profundo apreço pela importância das empresas para o desenvolvimento nacional. Elas não são inimigas do Estado, tanto que defendemos a segurança jurídica e marcos regulatórios claros. Contudo, entendemos que o empresário, e não a empresa, deve participar do processo eleitoral.
*Marcus Vinicius Furtado é presidente nacional da OAB.
***
NÃO
Por Claudio Weber Abramo*
É de se prever que a (provável) declaração de inconstitucionalidade das doações eleitorais de empresas pelo STF seja seguida da discussão do assunto no Congresso, o foro de fato adequado para isso. Os parlamentares terão de decidir quanto ao estatuto de doações privadas em geral.
É óbvio que proibir apenas doações de empresas não alteraria a vasta disparidade que se verifica nas doações de pessoas físicas: apenas 0,3% destas correspondem a montantes inferiores a R$ 100. A vasta maioria (92%) é de montantes superiores a R$ 1 mil. Ou seja, não é o "eleitor comum" quem doa dinheiro em eleições.
O problema político de uma proibição guarda-chuva é que, na prática, acarretaria a adoção de algum mecanismo de distribuição de dinheiro público a partidos - o que, na configuração mais mencionada, levaria ao voto em lista. Isso traria uma alteração de tal modo radical na estrutura político-eleitoral que torna improvável a sua adoção.
O que os parlamentares poderiam fazer é impor disciplina às doações privadas.
O estudo estatístico das contribuições eleitorais mostra que não há relação entre o PIB dos Estados/ municípios e o dinheiro empenhado em eleições - em muitas localidades há dinheiro em excesso.
A análise mostra, também, que existe enorme desigualdade entre as doações de pessoas jurídicas: em 2010, 30 empresas responderam por 22,5% do total de doações empresariais. Tais empresas têm um poder de influência desmesurado sobre os políticos eleitos.
Limitar as doações privadas (incluindo-se as dos próprios candidatos) a um montante global e a montantes determinados a partir do PIB dos Estados e municípios seria medida salutar para reduzir o poder do dinheiro sobre os eleitos.
Outra medida que se impõe é a divulgação das doações em tempo real, de modo a permitir ao eleitor conhecer, antes de votar, quem financia quem.

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